O enviesamento dos debates (2)
O texto publicado por alguém que é defensor de modelos de
gestão intermédia como os CRIs, referindo-se especificamente ao Centro de
Cirurgia Cardiotorácico do CHUC (CRI) de que estamos habituados a ouvir
repetidas alusões à sua grande eficácia, transformando o seu Director numa
vedeta Nacional, questionou de forma singela, a bondade de tanta eficácia. link
De facto, quando a esmola é grande o pobre desconfia e é
legítimo questionar-se.
A eficácia é de tal modo avassaladora que tem dado direito a
distribuição de incentivos pelos funcionários do referido Centro, facto
absolutamente normal.
Como será certamente consensual, em cuidados médicos a
eficácia é absolutamente e cada vez mais necessária, mas só faz sentido
verificado que seja, o pressuposto da qualidade.
Parece também um dado adquirido e inquestionável que o
Centro de Cirurgia Cardiotorácica do CHUC é um Centro altamente diferenciado e
oferece os melhores e mais modernos cuidados cirúrgicos aos seus doentes.
Os Relatórios Anuais de actividade não são elucidativos
dessa qualidade e modernidade, sendo portanto legítimo levantar algumas
questões:
- Não se ouve, com alguma frequência, relato de casos clínicos
rejeitados por possuírem factores de risco, nomeadamente obesidade, que se
viram obrigados a recorrer a outros Centros?
- Não há relatos de casos clínicos devolvidos aos Serviços
para fazer tratamento médico quando o tratamento cirúrgico era o mais adequado?
- Não há relatos de doentes operados e devolvidos precocemente
aos Serviços de origem quando ainda necessitavam de cuidados cirúrgicos?
- Foi cumprido o dever ético de informar os doentes da melhor
opção para a sua situação clínica?
- Para além do sofrimento e prejuízo clínico dos doentes é
possível calcular os danos colaterais e os custos acrescidos que estes doentes
têm para o SNS?
- A existirem estes danos colaterais suportados por outros
Serviços eles são imputados ao Centro de Cirurgia Cardiotorácica, ou uns
arrecadam os lucros e outros pagam os prejuízos?
É um tema complexo sem dúvida e como diz o autor do texto “é
preciso olhar para o espelho. Não vá o diabo tecê-las.”
Justino
Etiquetas: hospitaisepe, Reformar o SNS
2 Comments:
Relativamente aos CRI e, mais especificamente, no que respeita à avaliação de resultados e transparência dos mesmos, volta-se a salientar o último ponto do relatório do Grupo de Estudos de Cirurgia Cardíaca da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, inserido no documento do Tribunal de Contas: Auditoria aos serviços de cirurgia cardiotorácica das unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde:
"Para terminar, a recomendação mais importante da Sociedade Portuguesa de Cardiologia vai no sentido de que o Tribunal de Contas proponha a existência de um Registo Nacional obrigatório e auditado que produza dados da performance cirúrgica ajustados ao risco esperado (semelhantes ao já existentes na maioria dos países da União Europeia) e ainda a iniciativa de uma auditoria internacional semelhante à efectuada às instituições universitárias e centros de investigação públicos. Relativamente ao Registo é fundamental que este inclua para cada serviço não só os doentes tratados (mortalidade e morbilidade aos trinta dias com uniformização dos diagnósticos), mas também os doentes não tratados (motivo da recusa e análise dos doentes tratados noutras instituições). A adopção desta medida constituiria um contributo decisivo para a implementação e desenvolvimento das boas práticas em cirurgia cardiotorácica e para a comparação com o fim da melhoria dos diferentes Serviços.
Penso pois poder concluir-se que a organização em CRI é recomendável para os Centros de Cirurgia Torácica. Há, porém, que optimizar os critérios de avaliação de forma a torná-la mais transparente e a prevenir os efeitos perversos do modelo"
E ainda sobre este precioso documento do Tribunal de Contas, pergunta-se: Para que serviu? Teve, ou estão em vista, consequências das suas conclusões? Outras áreas clínicas do SNS estão ou irão ser auditados ou ter-se-á tratado apenas de uma “encomenda”? Se o foi, com que objectivos?
Este post recorda-me um provérbio chinês que diz:
“Quando um dedo aponta para a lua, o tolo olha para o dedo.”
Na verdade, à volta das repetitivas prédicas sobre a eficiência do Centro de Cirurgia Cardiotorácica dos CHUC há anos que nos contentamos a olhar para o dedo. Chegou a altura de olhar para a lua. Isto é, de deixarmos de 'representar' o cúmplice papel de tolos...
Porque a pachorra esgota-se!
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