Medicamentos e racionalização
Um rudimentar exercício sobre
um caso exemplar …
Um recente artigo da revista ‘Prescrire’ link
levanta um problema crucial acerca do posicionamento das agências nacionais de
medicamentos e dos prescritores face ao arsenal medicamentoso disponível. Este
artigo para além de ser uma oportuna chamada de atenção para efeitos
indesejáveis de alguns medicamentos sobre os seus consumidores abre nos tempos
em que se questiona enviesadamente a sustentabilidade do SNS, novas janelas
sobre cuidados e poupança medicamentosas.
O texto em referência revela, sobre os medicamentos com
autorização de introdução no mercado (AIM), alguns entorses na relação
benefícios/riscos e os ‘mecanismos’ de controlo a que deverão ser
permanentemente sujeitos.
E, para além disso, ‘desmascara’ como uma certa inércia ou
habituação promove a prescrição e níveis de utilização sem que existam dados
concretos sobre pertinência das respostas terapêuticas e evidência científica
(clínica), para além do ‘efeito placebo’.
A dinâmica da indústria farmacêutica (financeira, de
liderança na investigação e inovação) leva a que sejam anualmente introduzidos
no mercado medicamentoso inúmeros ‘novos’ fármacos, muitas vezes sem qualquer
acréscimo em relação à ‘mais valia’ farmacológica, ou de eficácia terapêutica,
quando confrontados com medicamentos do mesmo grupo terapêutico já disponíveis.
Mas exibe a questão suscitada pelo artigo da ‘Prescrire’
torna premente necessidade de cíclicas revisões de terapêuticas, mesmo as que
são consideradas ‘clássicas’ ou rotineiras.
O artigo em referência discrimina vários vectores da prática
médica quotidiana:
- medicamentos que expõem a riscos desproporcionados em
relação aos riscos inerentes;
- medicamentos antigos que a utilização foi ultrapassado por
outros que têm um balanço benefício/risco mais favorável;
- medicamentos recentes onde o balanço benefício/risco é
menos favorável( em relação aos mais antigos);
- medicamentos cuja eficácia não se encontra provada para
além do ‘efeito placebo’ e que expõem a danos desproporcionados;
- associações em doses fixas que acarretam feitos
indesejáveis cumulativos e interacções medicamentosas dos seus princípios
activos sem ganhos de eficácia.
Uma brochura anexa a este artigo particulariza algumas
situações ["Pour mieux soigner : des médicaments à écarter" Rev
Prescrire 2013 ; 33 (352) : 138-142. (pdf, accès libre)]
Tomemos como exemplo o fármaco trimetazidina 35 mg dos quais
que existiam (Fev. 2013) 2 medicamentos de marca e 8 genéricos, mas cuja marca
comercial mais conhecida é o Vastarel®, que – como é verificável por quem
exerce prática clínica de rotina – faz, quase invariavelmente, parte do
(extenso) ‘bornal’ medicamentoso dos utentes do grupo etário superior aos 60
anos.
Com a indicação de ser um medicamento para o “tratamento da
angina de peito (dor no peito causada por doença coronária), em doentes
adultos” link
, é acessoriamente [off label] utilizado (em larga medida) na profilaxia das
vertigens, acufenos e distúrbios dos campos visuais – dada uma empírica
convicção de facilitaria o ‘alívio’ sintomático da degenerescência vascular,
frequente (natural) na idade madura da vida.
Todavia, o fármaco em questão tem efeitos colaterais como os
sindromas extra-piramidais ( alterações do equilíbrio, síndromas parkinsónicos,
perturbações da locomoção, etc.) que são frequentemente desvalorizados ou
ignorados, embora constem da do folheto informativo do INFARMED aprovado em
28.09.2012 link,
como de ‘frequência desconhecida’…
Na verdade a indicação terapêutica aceite pelo Infarmed é,
no mínimo, muito generosa e imprecisa. Na realidade, tratar-se-á de um fármaco
adjuvante (com actuação sobre sintomas) na terapêutica de referência para o
‘angor pectoris’ e não ‘um medicamento para tratamento’, sobre o qual existem
alguns alertas referenciados quer a nível europeu link
ou nacional link
relativos à sua eficácia terapêutica e a eventuais efeitos adversos, bem como
recomendações particulares, entre elas, a reavaliação da necessidade de
continuidade da sua utilização face aos benefícios esperados, a efectuar em
todas as consultas subsequentes. Não é essa a prática e no dia-a-dia
verificamos que muitos doentes ainda se encontram medicados com este fármaco, em
regime de ‘ad vitam’…
Resultado: Embora seja um medicamento em evidente decréscimo
de utilização em 2012 (variação homóloga em relação a 2011 de -18.3%), ainda
se apresenta na 17ª. posição relativa aos 50 medicamentos com maior
representatividade no consumo nos 3 primeiros trimestres de 2012 link
(pág. 16) com um PVP de 8.662.413.
A trimetazidina é um medicamento comparticipado pelo SNS a
69% link e,
portanto, existe aqui alguma evidência de desperdício no que diz respeito ao
custo/efectividade (fármaco-terapêutica e económica) e que em relação a uma das
marcas se aproxima dos 6.000.000.
O conjunto destes factos – que aqui são mencionados a título
exemplificativo - deveria determinar o fim (ou a mudança de escalão) da sua
comparticipação pelo SNS e proceder ao ‘re-encaminhamento’ do superavit
orçamental daí resultante para outros fármacos (com evidência comprovada) cujas
condições de acessibilidade tem mostrado, nos tempos recentes, cíclicas e ainda
não esclarecidas dificuldades de acesso como tem sido amplamente denunciado na
comunicação social. link;
link.
Enfim, tomamos um dos fármacos mencionados no citado artigo
do ‘Prescrire’ (acima referenciado) como um exemplo (existem outros basta olhar
a brochura), reprodutível em Portugal, sem qualquer intuito de analisar ou
avaliar o mercado farmacêutico, muito menos de o denegrir, mas para proceder a
um sumário exercício de verificação e chamada de atenção para a necessidade do
INFARMED tomar em consideração, de acordo com o revelado (situação que com
certeza conhece), de que é possível e aconselhável – para os prescritores,
utentes e equilíbrio orçamental do SNS - racionalizar em vez de racionar (como
sugeriu o parecer do CNECV link)
a despesa pública com medicamentos...
E-Pá!
Etiquetas: E-Pá, Medicamento
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