Impacto da crise na Saúde
Aumento da depressão, falta de aposta nos cuidados
primários, desigualdade no acesso à Saúde
O Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS)
publicou esta semana um relatório sobre a evolução dos cuidados de saúde e a
análise da governação no último ano. A coordenadora, Ana Escoval, deixa o
alerta: a crise está a deixar os portugueses mais doentes e com menos cuidados.
E quem não tem dinheiro tem menos acesso à Saúde. O ministro faltou à
apresentação do documento na terça-feira, não ouviu o aviso, mas já prometeu
estudar o assunto.
O Observatório afirma
que a crise está a ter um impacto na Saúde. De que forma?
Há uma dificuldade expressa pelas pessoas na sua deslocação
a tratamentos. Não têm recursos para pagar o transporte até às unidades de
saúde e as taxas moderadoras. A conjugação destes dois custos, acrescidos das
despesas que têm com os medicamentos, e numa situação de empobrecimento geral,
faz com que tenham cada vez mais dificuldade em fazer os tratamentos.
O custo das taxas
moderadoras é demasiado elevado?
É. Estamos a assistir a situações de pessoas que vão aos
serviços de saúde só em último caso porque o dinheiro não é suficiente. Quando
chegam à urgência estão mais doentes.
A taxa deve baixar?
Penso que as taxas moderadoras não devem existir. Na altura
em que foram criadas, não tínhamos sistemas de informação tão desenvolvidos que
nos permitissem perceber com rigor as situações em que as pessoas estavam a
procurar os serviços sem necessidade. Hoje já temos forma de perceber isso. Se
uma pessoa se deslocar às urgências dez vezes num mês é preciso saber se isso
aconteceu porque a sua situação não ficou resolvida, e nesse caso a culpa é dos
cuidados prestados, ou se aconteceu porque gosta de ir ao hospital, e aí a
pessoa deve pagar. De resto, não. As taxas estão a ser um obstáculo real no
acesso aos cuidados.
A crise pode aumentar
a mortalidade?
Os estudos mostram que as crises arrastam consigo um aumento
do suicídio e um agravamento de algumas doenças. Nós detetámos indícios de que
isto está também a acontecer em Portugal. Fizemos um questionário a idosos que
têm de tomar pelo menos um medicamento por dia e verificámos que muitos estão a
espaçar a toma, o que significa que a sua doença vai agudizar-se. Muitos
clínicos Segundo um inquérito feito pelo Observatório, um terço dos idosos
reduziu os cuidados de saúde e a toma da medicação por falta de dinheiro É
preciso avaliar o impacto da crise na saúde mental e publica dados alarmantes
de uma unidade de saúde no Alto Minho: de 2011 para 2012 os casos de depressão
aumentaram 30% e as tentativas de suicídio subiram 35% entre os homens e 47% entre
as mulheres O relatório critica “ausência de efetiva prioridade política a este
nível”, nomeadamente o atraso na abertura de novas USF Hospitais privados
discriminam doentes da ADSE, que esperam mais tempo por uma consulta e pagam
mais pelos exames dizem-nos que de facto já está a haver um agravamento. É
fundamental monitorizar o que está a acontecer para podermos antecipar as
respostas necessárias. Até porque a crise veio modificar as necessidades de
cuidados e o sistema tem de se adequar.
O que mudou?
Se o nível de vida das pessoas se agrava é natural que haja
mais dificuldade no acesso aos cuidados e, por outro lado, uma transferência
para o Serviço Nacional de Saúde de pessoas que antes recorriam ao privado.
O SNS está preparado
para esse aumento da procura?
Ao nível dos cuidados de saúde primários, está a ser feita
uma aposta menor na abertura de novas Unidades de Saúde Familiar (USF), o que
não nos parece que esteja a ajudar. Há um conjunto de USF que aguardam
autorização para entrar em funcionamento e essas autorizações tardam.
O relatório alerta
para o impacto da crise ao nível da saúde mental. O que pode acontecer?
É natural que a crise tenha um impacto significativo no
aumento dos casos de depressão. Isso também está estudado internacionalmente. As
pessoas veem-se a empobrecer, perdem o trabalho, sentem-se desmotivadas e
tristes. As Unidades de Saúde Familiares e de cuidados na comunidade têm de
apoiar estes doentes nos seus domicílios e tem de haver recurso a outros
profissionais, como psicólogos, para evitar uma escalada no consumo de
antidepressivos e um aumento do suicídio.
Segundo o relatório,
os cortes na Saúde foram além do previsto no memorando da troika. Foi-se longe
de mais?
O próprio FMI reconhece que os cortes têm impactos
significativos que não são bons para as populações. Se ainda fomos além dos
cortes previstos pela troika, é preciso perguntar se era necessário. A nós
parece-nos que não. E era necessário ir tão depressa? Também não. Um corte
progressivo na despesa, ao mesmo tempo em que iam acontecendo alterações que
melhorassem a eficiência, traria de certeza menos dor e respostas mais
adequadas. O país cortou nas áreas sociais a uma velocidade que excedeu o que
seria desejável. Fomos muito bons alunos da troika, mas não sei se os resultados
daqui a alguns anos não vão mostrar que estes cortes tão abruptos provocaram um
impacto muito penoso na população.
Ainda há margem para
cortar mais na Saúde?
Não. Em termos de despesa, estamos ao nível de 2006. Temos
hoje uma população mais pobre, mais envelhecida, com mais doenças crónicas e
com maior necessidade de cuidados. Não há margem para cortar mais. Portugal
gasta per capita menos em saúde do que a média da OCDE. Se gastamos menos e
temos bons resultados em Saúde, significa que até somos eficientes e temos
estado a gastar bem o nosso dinheiro...
O relatório denuncia
desigualdades no acesso à Saúde, nomeadamente entre os doentes que têm dinheiro
para pagar tratamentos e exames no privado e os que não têm. O dinheiro
condiciona os tratamentos?
Não temos dúvidas de que quem tem dinheiro tem acesso
prioritário à Saúde. Se uma pessoa não tiver dinheiro para pagar num privado um
exame fundamental para o diagnóstico como uma colonoscopia, é quase impossível
conseguir marcá-lo num tempo clinicamente aceitável. Não é razoável que a
pessoa não tenha a sua doença devidamente diagnosticada e tratada só porque não
tem dinheiro. Mas isso está a acontecer. Nós fomos testar isso e a verdade é
que não conseguimos, enquanto doentes do SNS, marcar uma colonoscopia em nenhum
convencionado da região de Lisboa. Quando tentámos marcar no privado,
percebemos que se fôssemos através da ADSE só tínhamos vaga daí a 100 dias.
Quando perguntámos “então e se eu pagar do meu bolso?” “Se pagar, pode fazer
já”, responderam.
Isso também acontece
no caso das cirurgias?
Nos últimos anos o país foi-se apetrechando com sistemas de
informação que melhoraram significativamente a resposta à população porque
permitem gerir as listas de espera de acordo com a prioridade clínica. Esse
critério também foi introduzido para as consultas. É preciso criar o mesmo
sistema para os meios complementares de diagnóstico e terapêutica. Mas apesar
das melhorias ao nível das cirurgias e das consultas, também verificamos que
está a haver a esse nível um aumento das listas de espera, provavelmente devido
à maior procura dos hospitais públicos.
Como interpreta o
facto de a apresentação do relatório não ter contado com a presença do ministro
ou de um secretário de Estado da Saúde?
Lamento profundamente.
Acha que o Governo
está a descurar o impacto da crise?
Fiquei muito contente ao ouvir o ministro dizer ontem
(quarta-feira) que vai avançar com um estudo aprofundado para avaliar o impacto
da crise. É isso que nós temos vindo a pedir. É isso que outros países estão a
fazer, que a Organização Mundial de Saúde recomenda e que está a tardar em
Portugal.
texto Joana Pereira Bastos, foto Jorge Simão, expresso
22.06.13
Etiquetas: Entrevistas
3 Comments:
O Governo está a limitar o acesso dos doentes aos medicamentos inovadores, considera o bastonário da Ordem dos Médicos, defendendo assim as conclusões do relatório do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) divulgado hoje.
"Existe um bloqueio a estes medicamentos e existem doentes que estão a ser prejudicados pela sua não aprovação", explicou José Manuel Silva ao Dinheiro Vivo.
A forte aposta do Ministério da Saúde nos medicamentos genéricos em detrimento dos inovadores, tem levado a uma retracção na aprovação de novos fármacos nos últimos dois anos, com a taxa de deferimento a situar-se em 1,6% segundo o relatório da OPSS.
O documento sublinha que 50% dos cortes na despesa na saúde tem vindo a ser feitos na área do medicamento, uma opção orçamental que o bastonário critica: "Esta não é a melhora área para poupar, os cortes estão a ser feitos à custa dos doentes".
Os farmácos para o cancro e a hepatite C são dos que mais têm vindo a sofrer atrasos, sublinha José Manuel Silva. "Existem atrasos artificiais mas muitas vezes os medicamentos são aprovados mas não são comparticipados, o que limita a sua utilização".
"Os novos medicamentos para a hepatite C foram aprovados de forma muito rápida pela Agência Europeia do Medicamento e pela FDA (agência norte-americana para os medicamentos) mas não o foram em Portugal", afirma.
O bastonário da Ordem dos Médicos sublinha que a poupança cega nesta área pode levar a um aumento da despesa no futuro. "Um doente que fica curado torna-se num cidadão produtivo e que contribui para a sociedade. Um doente que tem uma hepatite C e que não é curado, com a condição a transformar-se num cancro ou cirrose, leva à disseminação da doença e a um consequente aumento das despesas na Saúde", defende.
dinheiro vivo 18.06.13
Devemos questionar porque razão a apresentação do relatório não teve a presença do ministro ou de um dos seus secretários de Estado da Saúde.
Noutros eventos menos importantes lá temos a presença prazenteira do senhor ministro ou de um dos secretários.
O que teme Paulo Macedo?
Ser confrontado, ser exposto aquilo que não consegue ou não quer fazer: pugnar pela melhoria dos cuidados de saúde. Dar o seu contributo à melhoria do nosso sistema de saúde. Trata-se afinal de mais um ministro que cortou no financiamento da Saúde para além do que exigia a troika. Um ministro que com falinhas mansas e muita propaganda nos vai enganando a todos.
Devemos questionar porque razão a apresentação do relatório não teve a presença do ministro ou de um dos seus secretários de Estado da Saúde.
Noutros eventos menos importantes lá temos a presença prazenteira do senhor ministro ou de um dos secretários.
O que teme Paulo Macedo?
Ser confrontado, ser exposto aquilo que não consegue ou não quer fazer: pugnar pela melhoria dos cuidados de saúde. Dar o seu contributo à melhoria do nosso sistema de saúde. Trata-se afinal de mais um ministro que cortou no financiamento da Saúde para além do que exigia a troika. Um ministro que com falinhas mansas e muita propaganda nos vai enganando a todos.
Enviar um comentário
<< Home