sábado, agosto 24

Urgência hospitalar da Grande Lisboa

O absurdo e as reformas
Resolver o problema da Saúde pelo prisma da urgência é um erro. Ninguém cuidou em ouvir os responsáveis dos serviços e das estruturas profissionais e académicas que têm o dever de ter uma opinião informada”.
As reformas, do Estado e serviços, são indispensáveis. Poupar, claro, mas racionalizar, mobilizar vontade e inteligência para novos desafios e objetivos realistas. Não poderão ser só intenção, aparência para engano de outrem, cardápio de lugares comuns, ruído sem ideias. Têm de ir à substância das coisas com uma missão clara: servir melhor e com mais eficácia. É como o agricultor, cortar ramos secos, podar a árvore para crescer e dar melhores frutos. Na Educação e na Saúde, áreas da minha intervenção profissional, os sinais são encorajadores mas as preocupações enormes. A reorganização do sistema de ensino superior público teve um impulso notável com a fusão das duas universidades em Lisboa. Quebrou-se um mito que dominou o pensamento público: que a mudança só era possível a partir de impulso exterior. Bem sabemos que o passo dado é o princípio de um caminho mobilizador de vontades, das instituições, dos talentos, com novos projetos de cooperação e de abertura ao sistema produtivo, cujo impacto será positivo na sociedade portuguesa. Daqui resultará racionalização e economia. Raciocínio semelhante se poderá transpor para a Saúde. Precisamos de visão global para a reforma da Saúde, pois medidas parcelares sectoriais não chegam, porque esbarram a montante e a jusante com bloqueios insuspeitados. Está a capacidade instalada no sector da Saúde bem aproveitada? Concentrar unidades tem sido política seguida em toda a parte. O rationale é linear: potenciam-se recursos, concentram-se competências, com isso aumenta-se a provisão de serviços por profissionais com mais experiência e conseguem-se melhores resultados. Foi assim em Londres, onde na minha especialidade, a cirurgia vascular, se fundiram unidades, limitando a dispersão das competências e aumentando a eficácia e efetividade do serviço prestado. Dizem-me que foi uma boa iniciativa. Absurdo é fazer por partes, ignorando o todo, quebrando a estrutura, reorientando-a para outras finalidades, como o que se anuncia: compactação de serviços de urgência designada por urgência metropolitana de Lisboa. Resolver o problema da Saúde pelo prisma da urgência é um erro, outro, que seduz periodicamente os decisores. Obviamente, não posso ser contra o conceito subjacente: concentração de recursos e competências, isto é, de experiência, para se ganhar expertise e mais qualidade. O problema é que não são só guias de marcha, são doentes graves e, com a rotação mensal (?) anunciada, confusão para o sistema de transportes, hesitação para onde enviar, desprezo por hábitos de trabalho comum e de comunicação. Nas especialidades cujas urgências são pesadas, associadas a graves situações de trauma, com risco de vida tanto maior quanto menos pronta e adequada for a atuação terapêutica, não será um absurdo rodar de mês a mês o hospital de referência? Ainda por cima, quando é possível concentrar competências em dois polos hospitalares de Lisboa, com a sua rede de referenciação estabilizada e comunicação fácil entre as equipas? Não se percebe o risco de converter estes serviços em unidades de produção para a urgência, com impacto negativo na atividade programada, incremento nas listas de espera e depois, maior despesa na compra de serviços ao sector privado? Em Londres, o assunto mobilizou a sociedade científica e o Colégio de Cirurgia para uma proposta de restruturação global e não apenas a urgência. O absurdo em Portugal é que, como presidente do Colégio, pronunciei-me a pedido do bastonário, perante decisões tomadas e após clamor justificado dos sindicatos e da Ordem. Ninguém cuidou em ouvir os responsáveis, dos serviços e das estruturas profissionais e académicas, que têm o dever de ter opinião informada. Assim não há reforma séria que resista! E que pensar do facto de as instituições públicas em PPP estarem isentas de participar neste esforço coletivo? Outro absurdo!

Fernandes e Fernandes, Diretor da Faculdade de Medicina de Lisboa, Expresso 24.08.13

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3 Comments:

Blogger Isaura said...

Partilho inteiramente desta visão-

12:04 da manhã  
Blogger Tavisto said...

Reforma hospitalar para quê? Este ministério tem como única preocupação a redução da despesa à custa do SNS. É neste objetivo que se insere a concentração das urgências na área metropolitana de Lisboa. Entretanto vai pondo a salvo da inevitável degradação dos cuidados prestados, o sector privado, protegendo os subsistemas públicos, e as PPP, poupando-as à racionalização (melhor dito, racionamento) financeira.
Lá mais para a frente, quando os níveis de degradação das estruturas hospitalares do SNS se tornarem irreversíveis, haverá uma boa justificação para alterações de fundo ao atual modelo de SNS.

1:38 da tarde  
Blogger DrFeelGood said...

Portugal caminha para uma "situação explosiva" na área da prevenção, acompanhamento e tratamento de toxicodependentes, admitiram representantes das Ordens dos Médicos e dos Enfermeiros. A crescente falta de meios humanos associada à ausência de uma política nacional poderá levar a um crescimento da toxicodependência.

A Ordem dos Médicos sublinha a crescente perda de recursos humanos e as dificuldades cada vez maiores de acesso dos doentes às consultas e tratamento, a ausência de uma política nacional e o facto de as estruturas e equipas no terreno se encontrarem ao abandono.

Já a Ordem dos Enfermeiros destaca a falta de enfermeiros especializados em saúde mental nas equipas de acompanhamento deste fenómeno, a tendência para um aumento no número de toxicodependentes em momentos de crise e a falência de modelos vigentes no acompanhamento dos doentes.

"Estão a criar-se condições para daqui a alguns anos termos uma situação explosiva. Temos notícia da diminuição de meios técnicos e de um afluxo de doentes com recaídas e problemas relacionados com a crise, bem como de uma acessibilidade cada vez mais diminuída a consultas e tratamentos", disse à Lusa um dos membros do Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos, Carlos Ramalheira.

O médico, que liderou o extinto Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) da Região Centro, manifesta ainda a "enorme preocupação" da Ordem dos Médicos perante a reforma que está a ser feita na área desde 2011, "sem objetivos e sem rumo, que se traduziu na desarticulação de serviços, diminuição da eficácia e desnatação de meios técnicos ao dispor das estratégias nacionais coordenadas".

Carlos Ramalheira constata ainda "o depauperamento de técnicos, porque se deixaram caducar e não se renovaram contratos de acumulação de serviços, deixando cair médicos com mais de 10 anos de experiência na área, o que resultou em unidades com dificuldades de resposta para tratar não só os utentes que já possuem, como também para acolher novos casos".

Já o presidente da Mesa do Colégio de Saúde Mental e Psiquiátrica da Ordem dos Enfermeiros sublinha que esta entidade "está preocupada e atenta" a "uma situação potencialmente explosiva" na área da toxicodependência.

"O que nos parece é que a crise motiva o aparecimento de mais casos de incidência de consumo de novas e antigas substâncias e o retraimento de serviços que apenas prestam cuidados básicos estão muito longe da necessidade de resposta a cuidados que são marcados pela sua complexidade", explica Joaquim Lopes, defendendo "a passagem do modelo assistencial biomédico e médico/psicológico para modelos holísticos de prestação de cuidados", dos quais destaca o modelo de gestão de caso.

Ou seja, frisa, "o prejuízo para o utente decorre de termos menos técnicos, da sobrecarga dos cuidadores profissionais, mas não se limita apenas ao rácio, mas à natureza da especialização dos enfermeiros".

O representante da Ordem dos Enfermeiros, contudo, sustenta que a criação do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências "é positiva" ao dar resposta a fenómenos de adição, para além da droga e do álcool, como o sexo e o jogo e por "aproximar a população desfavorecida dos cuidados primários através das estruturas ex-IDT que agora pertencem às Administrações Regionais de Saúde".

DN 25.08.13

3:53 da tarde  

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