Urgência hospitalar da Grande Lisboa
O
absurdo e as reformas
Resolver o problema da Saúde pelo prisma da urgência é um
erro. Ninguém cuidou em ouvir os responsáveis dos serviços e das estruturas
profissionais e académicas que têm o dever de ter uma opinião informada”.
As reformas, do Estado e serviços, são indispensáveis.
Poupar, claro, mas racionalizar, mobilizar vontade e inteligência para novos
desafios e objetivos realistas. Não poderão ser só intenção, aparência para
engano de outrem, cardápio de lugares comuns, ruído sem ideias. Têm de ir à
substância das coisas com uma missão clara: servir melhor e com mais eficácia.
É como o agricultor, cortar ramos secos, podar a árvore para crescer e dar
melhores frutos. Na Educação e na Saúde, áreas da minha intervenção
profissional, os sinais são encorajadores mas as preocupações enormes. A
reorganização do sistema de ensino superior público teve um impulso notável com
a fusão das duas universidades em Lisboa. Quebrou-se um mito que dominou o
pensamento público: que a mudança só era possível a partir de impulso exterior.
Bem sabemos que o passo dado é o princípio de um caminho mobilizador de
vontades, das instituições, dos talentos, com novos projetos de cooperação e de
abertura ao sistema produtivo, cujo impacto será positivo na sociedade
portuguesa. Daqui resultará racionalização e economia. Raciocínio semelhante se
poderá transpor para a Saúde. Precisamos de visão global para a reforma da
Saúde, pois medidas parcelares sectoriais não chegam, porque esbarram a
montante e a jusante com bloqueios insuspeitados. Está a capacidade instalada
no sector da Saúde bem aproveitada? Concentrar unidades tem sido política
seguida em toda a parte. O rationale é linear: potenciam-se recursos,
concentram-se competências, com isso aumenta-se a provisão de serviços por
profissionais com mais experiência e conseguem-se melhores resultados. Foi
assim em Londres, onde na minha especialidade, a cirurgia vascular, se fundiram
unidades, limitando a dispersão das competências e aumentando a eficácia e
efetividade do serviço prestado. Dizem-me que foi uma boa iniciativa. Absurdo é
fazer por partes, ignorando o todo, quebrando a estrutura, reorientando-a para
outras finalidades, como o que se anuncia: compactação de serviços de urgência
designada por urgência metropolitana de Lisboa. Resolver o problema da Saúde
pelo prisma da urgência é um erro, outro, que seduz periodicamente os
decisores. Obviamente, não posso ser contra o conceito subjacente: concentração
de recursos e competências, isto é, de experiência, para se ganhar expertise e
mais qualidade. O problema é que não são só guias de marcha, são doentes graves
e, com a rotação mensal (?) anunciada, confusão para o sistema de transportes,
hesitação para onde enviar, desprezo por hábitos de trabalho comum e de
comunicação. Nas especialidades cujas urgências são pesadas, associadas a
graves situações de trauma, com risco de vida tanto maior quanto menos pronta e
adequada for a atuação terapêutica, não será um absurdo rodar de mês a mês o
hospital de referência? Ainda por cima, quando é possível concentrar
competências em dois polos hospitalares de Lisboa, com a sua rede de
referenciação estabilizada e comunicação fácil entre as equipas? Não se percebe
o risco de converter estes serviços em unidades de produção para a urgência,
com impacto negativo na atividade programada, incremento nas listas de espera e
depois, maior despesa na compra de serviços ao sector privado? Em Londres, o
assunto mobilizou a sociedade científica e o Colégio de Cirurgia para uma
proposta de restruturação global e não apenas a urgência. O absurdo em Portugal
é que, como presidente do Colégio, pronunciei-me a pedido do bastonário,
perante decisões tomadas e após clamor justificado dos sindicatos e da Ordem.
Ninguém cuidou em ouvir os responsáveis, dos serviços e das estruturas
profissionais e académicas, que têm o dever de ter opinião informada. Assim não
há reforma séria que resista! E que pensar do facto de as instituições públicas
em PPP estarem isentas de participar neste esforço coletivo? Outro absurdo!
Fernandes e Fernandes, Diretor da Faculdade de Medicina de
Lisboa, Expresso 24.08.13
Etiquetas: Urgências
3 Comments:
Partilho inteiramente desta visão-
Reforma hospitalar para quê? Este ministério tem como única preocupação a redução da despesa à custa do SNS. É neste objetivo que se insere a concentração das urgências na área metropolitana de Lisboa. Entretanto vai pondo a salvo da inevitável degradação dos cuidados prestados, o sector privado, protegendo os subsistemas públicos, e as PPP, poupando-as à racionalização (melhor dito, racionamento) financeira.
Lá mais para a frente, quando os níveis de degradação das estruturas hospitalares do SNS se tornarem irreversíveis, haverá uma boa justificação para alterações de fundo ao atual modelo de SNS.
Portugal caminha para uma "situação explosiva" na área da prevenção, acompanhamento e tratamento de toxicodependentes, admitiram representantes das Ordens dos Médicos e dos Enfermeiros. A crescente falta de meios humanos associada à ausência de uma política nacional poderá levar a um crescimento da toxicodependência.
A Ordem dos Médicos sublinha a crescente perda de recursos humanos e as dificuldades cada vez maiores de acesso dos doentes às consultas e tratamento, a ausência de uma política nacional e o facto de as estruturas e equipas no terreno se encontrarem ao abandono.
Já a Ordem dos Enfermeiros destaca a falta de enfermeiros especializados em saúde mental nas equipas de acompanhamento deste fenómeno, a tendência para um aumento no número de toxicodependentes em momentos de crise e a falência de modelos vigentes no acompanhamento dos doentes.
"Estão a criar-se condições para daqui a alguns anos termos uma situação explosiva. Temos notícia da diminuição de meios técnicos e de um afluxo de doentes com recaídas e problemas relacionados com a crise, bem como de uma acessibilidade cada vez mais diminuída a consultas e tratamentos", disse à Lusa um dos membros do Conselho Nacional Executivo da Ordem dos Médicos, Carlos Ramalheira.
O médico, que liderou o extinto Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) da Região Centro, manifesta ainda a "enorme preocupação" da Ordem dos Médicos perante a reforma que está a ser feita na área desde 2011, "sem objetivos e sem rumo, que se traduziu na desarticulação de serviços, diminuição da eficácia e desnatação de meios técnicos ao dispor das estratégias nacionais coordenadas".
Carlos Ramalheira constata ainda "o depauperamento de técnicos, porque se deixaram caducar e não se renovaram contratos de acumulação de serviços, deixando cair médicos com mais de 10 anos de experiência na área, o que resultou em unidades com dificuldades de resposta para tratar não só os utentes que já possuem, como também para acolher novos casos".
Já o presidente da Mesa do Colégio de Saúde Mental e Psiquiátrica da Ordem dos Enfermeiros sublinha que esta entidade "está preocupada e atenta" a "uma situação potencialmente explosiva" na área da toxicodependência.
"O que nos parece é que a crise motiva o aparecimento de mais casos de incidência de consumo de novas e antigas substâncias e o retraimento de serviços que apenas prestam cuidados básicos estão muito longe da necessidade de resposta a cuidados que são marcados pela sua complexidade", explica Joaquim Lopes, defendendo "a passagem do modelo assistencial biomédico e médico/psicológico para modelos holísticos de prestação de cuidados", dos quais destaca o modelo de gestão de caso.
Ou seja, frisa, "o prejuízo para o utente decorre de termos menos técnicos, da sobrecarga dos cuidadores profissionais, mas não se limita apenas ao rácio, mas à natureza da especialização dos enfermeiros".
O representante da Ordem dos Enfermeiros, contudo, sustenta que a criação do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências "é positiva" ao dar resposta a fenómenos de adição, para além da droga e do álcool, como o sexo e o jogo e por "aproximar a população desfavorecida dos cuidados primários através das estruturas ex-IDT que agora pertencem às Administrações Regionais de Saúde".
DN 25.08.13
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