domingo, janeiro 19

A arte de bem encanar a perna à rã


Na verdade o SNS carecia (carece) de uma reforma profunda que permitisse ainda melhores resultados, os quais aliás são muito bons, sem acréscimo de recursos que o país não tem.

Daquela reforma sublinho o mais importante:
•  Aumentar a oferta nos cuidados primários (CSP) e continuados (CCI), sobretudo nas grandes cidades;
•  Reorganizar as urgências;
•  Reduzir o número de hospitais e requalificar os serviços;
• Reformular o sistema de qualidade, normalizar práticas clínicas e melhorar a coordenação de cuidados;
•  Garantir a avaliação e a prestação de contas da gestão dos serviços de saúde;
•  Gestão estratégica de recursos humanos associando a retribuição ao desempenho;
•  Avaliar as tecnologias de saúde e definir em que situações devem usar-se.

 Acresce que tendo-se verificado a abertura recente de hospitais – Cascais, Loures, Braga, Vila Franca, CR Norte – impunha-se o rápido ajustamento da oferta nos restantes hospitais, coisa que o MS até agora não fez e não por falta de estudos, pois desde 1/2012 os foi acumulando na secretária (arquivo morto?).

 Todos reconhecemos que a reforma é difícil e tem riscos, de popularidade e quiçá de permanência do MS. Mas fugir à reforma traria consequências nefastas, por isso pedia-se ao ministro que tivesse a coragem, o discernimento e a vontade de a concretizar, isto é, que tivesse uma visão de longo prazo e de desenvolvimento do SNS, mais do que deixar degradá-lo e entregar serviços ao privado, e que tivesse o desejo de melhorar a pérola da Administração Pública, através de boa gestão e em colaboração com os restantes prestadores.

Quais as consequências de não ter feito o ajustamento da oferta e as restantes medidas de reforma?

Mantendo-se os recursos nos hospitais públicos (pessoal, instalações, equipamentos) em duplicação da nova oferta hospitalar entregue ao setor privado, a despesa global do SNS sobe e os hospitais públicos aumentam os seus défices – ex. os dois maiores hospitais de Lisboa terminarão 2013 com défice global de 200 milhões de euros. Como não houve a redução da despesa onde devia, sobretudo em Lisboa e nos hospitais, o MS aumentou os cortes nos restantes serviços do SNS para além do que seria necessário.

Ao não ter aumentado a oferta dos CSP manteve a pressão sobre os serviços de urgência, com número elevado de atendimentos desnecessários e uma despesa muito maior. Idem nos CCI que obrigam a manter ocupadas camas hospitalares com um custo muito superior àquelas.

A centralização da decisão trouxe desmotivação da gestão e um tempo até à implementação muito maior, por exemplo os recrutamentos para substituir médicos e enfermeiros estão a patinar há muitos meses.

O SNS foi-se degradando e entretanto o que aconteceu aos serviços privados de saúde? 
Segundo a associação de hospitais privados em 2013 aumentaram as vendas em 5 a 10%, e o Grupo Mello teve acréscimo de mais de 7% (revista sábado de 16/1/14). Não obstante o BES saúde juntou-se ao DN (15/1) e Expresso (18/1) na exigência de uma estratégia e mudança estrutural, ou seja, na reforma (prometida) parando com os cortes cegos e sucessivos que estão a matar o SNS e a prejudicar os doentes.

Pelo alarido dos jornais parece ter chegado a hora em que veremos novamente na TV os bebés a nascer nas ambulâncias e os velhinhos a caírem das macas das urgências por culpa do ministro.

O gerente entusiástico do memorando termina o seu prazo de validade em maio com o dito, haja Deus. Antes de destruir o SNS, após promover a sua degradação e transformação em serviço para pobres.

SNS SEMPRE