sábado, janeiro 25

SNS, cortes, desalento e falta de esperança

«A manutenção do SNS é um imperativo nacional»
«Face ao anúncio de mais cortes para a Saúde para além daquilo que foi recomendado pela troika, podemos esperar maiores dificuldades no sector do que aquelas que já aconteceram no ano transacto». Com esta frase, José Manuel Silva demonstra a inquietação com que vê a Saúde em 2014.
O bastonário da Ordem dos Médicos considera que «todos os anos são cruciais para a manutenção do SNS» que deverá ser encarada como «um imperativo nacional e uma necessidade nacional». Até porque, sublinha, «comparando a relação custo-qualidade, não tenho dúvidas em dizer que será o melhor Serviço Nacional de Saúde do Mundo e com a complementaridade do sector privado e social temos o melhor sistema nacional de saúde do Mundo».
Contudo, com os cortes a que o sector tem sido sujeito, já se verificam «sérias dificuldades no acesso aos cuidados de saúde», garante o bastonário que olha «com preocupação a evolução de alguns indicadores como o aumento da taxa de mortalidade bruta e a taxa de mortalidade infantil».
Para 2014 o representante dos médicos crê que se «vai agravar» o cenário da acessibilidade dos utentes ao serviço público «porque os desequilíbrios são óbvios». Se, por um lado, há uma redução média de 3,5% no financiamento dos hospitais, por outro lado o Ministério da Saúde tem necessidade de reforçar o capital social dos hospitais EPE, que «vão ser obrigados a procurar reduzir algumas das suas actividades para tentarem não se afastar muito do orçamento que lhes é imposto».
José Manuel Silva não está, assim, muito optimista: «Prevemos que as dificuldades se vão agravar para os doentes para 2014 e 2015, pois com a dívida pública a aumentar antevê-se que as dificuldades orçamentais vão ser maiores».
2014 será «ano crucial» para o SNS
As expectativas do vice-presidente da Fnam «são muito negativas porque temos assistido a nível do Ministério da Saúde a uma asfixia financeira lenta, dissimulada, muito camuflada, mas marcada de todo o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde». Aliás, Mário Jorge Neves deixa mesmo um alerta: «A ideia que tenho é que dificilmente poderemos escapar a uma situação de ruptura em serviços essenciais, como os que têm sido reportados nas últimas semanas nos serviços de urgência, com tempos de espera que não se verificavam no nosso país há décadas».
Para o dirigente sindical, o Ministério da Saúde tem desenvolvido uma política «que é dissimuladamente uma forma muito camuflada de aposta na asfixia claríssima de todo o sector da saúde», acrescentando que «2014 vai ser determinante para o desempenho do Serviço Nacional de Saúde e será um ano crucial».
Relativamente à vida dos médicos, Mário Jorge Neves está «convicto a que vamos assistir ao agravamento de alguns sintomas que já se verificaram em 2013, nomeadamente as tentativas sistemáticas de perversão de todo o enquadramento laboral e da contratação colectiva dos médicos». Segundo palavras do especialista em Saúde Pública «o Ministério da Saúde tem uma atitude política de toca-e-foge, lança o barro à parede, avança com afirmações teóricas de medidas hipotéticas e uma vez constatada a oposição generalizada volta atrás e diz que foi tudo um mal-entendido» o que o leva a estar «convencido que vamos assistir a um agravamento desta atitude política deliberada e será um ano muito difícil».
Maior desafio será motivar os profissionais de Saúde
Também para Marta Temido, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), a grande expectativa é «conseguir prestar melhores cuidados» aos utentes do SNS, e também aos do sector privado, numa altura «particularmente difícil pelo contexto vivido no País». Uma tarefa «extremamente difícil» para a qual é necessário estar «tecnicamente o melhor preparado possível para dar a melhor resposta aos desafios», nos quais sobressaem o corte na casa dos 3,5% no orçamento dos hospitais comparativamente com 2013 e que, «somando à diminuição do financiamento que se tem verificado nos últimos anos», torna esta uma «ambição especialmente difícil», reconhece a responsável.
Cabe aos administradores tentarem «negociar com a tutela em sede de contrato programa que esses cortes sejam equilibrados e não irrealistas» mesmo tendo em conta «os tempos difíceis» que são vividos pelo País e sabendo que muitos dos investimentos necessários terão de ser adiados.
Para quem está à frente das unidades hospitalares para além da «gestão, séria, rigorosa e exigentes» espera-os em 2014 o desafio de, apesar dos constrangimentos, praticarem uma gestão que seja «motivadora» dos profissionais de saúde. «Os profissionais não são de outro planeta e sentem-se desmotivados, exaustos e nem sempre têm o ânimo suficiente», confessa Marta Temido, elegendo este repto como um dos mais difíceis de fazer cumprir em 2014 a par do «desafio de fazer mais com muito menos como tem sido pedidos nestes últimos anos».
Taxas moderadoras viraram «co-pagamentos»
Entre os problemas identificados pelo dirigente do CRN estão os valores das taxas moderadoras que, na opinião de Miguel Guimarães, «neste momento são co-pagamentos» e os problemas relacionados com o transporte, que tem dificultado o acesso dos doentes aos cuidados de saúde. Aliás, o médico considera que «o SNS começa a não ser financiado através de impostos para passar a ter uma comparticipação das taxas moderadoras».
A par destas situações, o responsável referiu ainda os problemas registados «no acesso aos medicamentos inovadores», enumerando a título de exemplo «as dificuldades que existem neste momento na aprovação de novos medicamentos para o tratamento da hepatite C».
Outras temáticas que deverão merecer a atenção dos responsáveis governamentais é a criação de centros de referência para as doenças menos frequentes, com profissionais «com a experiência necessária» para acompanhar estes quadros clínicos, a necessidade de «definir as necessidades médicas para todas as especialidades a nível regional» e de «definir claramente a relação entre os cuidados de saúde primários, os hospitais, os cuidados continuados e cuidados paliativos».
SNS tem de mudar, mas não há plano
O que Carlos Cortes reconhece é que «para manter o SNS tem de haver mudanças», afinal, tem de se adaptar o serviço público à realidade actual, bem diferente da que existia aquando da fundação, em 1979. Nos dias de hoje, «tem de haver mais tecnologia e mais meios humanos» para fazer frente aos desafios destes tempos.
Contudo, refere o médico, «é estranho que não exista nenhum plano do Ministério da Saúde sobre o rumo» a dar ao SNS. Tem-se assistido à criação de vários grupos de trabalho para estudar as questões relacionadas com as reformas necessárias no sector público que lhe garantam a sustentabilidade «mas a única coisa que se faz é cortar sem existir nenhum plano», lamenta Carlos Cortes.
Na opinião do dirigente da estrutura da Ordem dos Médicos do Centro, ao invés de planear e apostar a sustentabilidade do serviço público, o que o médico tem visto é um SNS a ser «gradualmente destruído, emagrecido e vai chegar a altura em que ninguém vai conseguir entrar no SNS». A prova dessa falta desse planeamento para Carlos Cortes, «são as fusões não programadas dos hospitais» e o «descalabro» que se tem assistido na formação pós-graduada dos médicos.
E o resultado tem sido notado ao nível dos recursos humanos: «As pessoas estão desmotivadas, não estão a ser valorizadas e querem ir embora — pedem a reforma ou emigram — porque simplesmente estão fartas». 
Tempo de Medicina

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