Gingko Biloba
São impressionantes (e redundantes) os constantes
pronunciamentos sobre ‘poupança medicamentosa’ bengala que este Governo quase
diariamente agita link;
link
; link,
dando-lhe o cariz de um impecável e exitoso ‘ajustamento’. Subjacente está o
conceito de que o reconhecimento dos cidadãos deveria ser uma cega ‘obrigação’.
Por detrás desta ‘cerca’ ficam os cortes cegos (orçamentais, no investimento e
nos recursos humanos).
De vez em quando, neste vaivém à volta das poupanças na
saúde, surgem factos aparentemente ‘inexplicáveis’ como há tempos tivemos
ocasião de abordar a propósito de um outro princípio activo e de políticas de
racionalização de despesas link.
Causa estranheza, por exemplo, verificar que continuam a
existir casos de AIM incompreensíveis, que dizem respeito a situações que se
não ‘verificaram’ um pouco subsidiárias do ‘paradigma do pára-quedas’ (em que a
plausibilidade se sobrepõe ao confronto com a queda livre).
Regressando ao capítulo da despesa medicamentosa espanta
‘encontrar’ situações que, à primeira vista, parecem configurar uma flagrante
situação de ‘desperdício’.
É verdade que a prescrição é um acto médico. Mas é também
verdadeiro que os prescritores não estão imunizados contra as tropelias dos
‘mercados’ que ao disponibilizarem legalmente produtos (oferta), com o carimbo
de bons (emitidos pelo órgão regulador /Infarmed), logo se arranjam
prescritores disponíveis para embarcar em ‘crenças’ aparentemente certificadas
que por sua vez encontram consumidores ávidos de soluções (procura) e, no fim
da linha, ‘aguentam’ os financiadores que são os contribuintes.
Um dos produtos com AIM português é uma substância designada
por ‘ginkgo biloba’. Trata-se do extracto de folhas de uma árvore ‘mítica’ no
Oriente. Tendo sobrevivido incólume ao bombardeamento de Hiroxima, tal
circunstância granjeou-lhe a fama (e o proveito) de possuir propriedades
‘milagrosas’. Há alguns anos, o extracto de ginkgo biloba foi conotado como sendo
possuidor de forte ‘acção anti-radicalar’, atributo que o transformou na
‘coqueluche do anti-envelhecimento’. Por esta via entrou no ‘mundo dos
cosméticos’ com um vasto leque de indicações desde a alopécia à celulite
(distrofia adiposa). Como não podia deixar de ser, uma vez que é um denominador
comum deste ‘tipo de substâncias’, também tem sido utilizado como um adjuvante
no tratamento de situações relativas ao estímulo da libido e no combate à
disfunção eréctil, um fértil campo para todo o tipo de ‘superstições
terapêuticas’. E aqui entramos no campo dos mitos (e verdades) da fitoterapia.
Em países como os EUA o ginkgo biloba foi considerado um
suplemento alimentar com o pretenso efeito de ‘activar a memória’, facto que
ensaios clínicos controlados vieram a desmentir. É, nos EEUU, um negócio no
valor anual de 250 milhões de US$!
Como curiosidade vemos ginkgo biloba figurar num rol de
produtos que, em 2012, a brasileira Anvisa (Autoridade Nacional de Vigilância
Sanitária) ordenou a suspensão do fabrico, o comércio link.
Na verdade o ginkgo estava nessa lista em más companhias: alcachofra com
beringela, unha de gato, zedoária, garra do diabo, etc…, mais parecendo a
ementa de um ‘congresso de Vilar de Perdizes’.
Contudo existem várias formulações disponíveis no mercado
português mas entre elas os conhecidos Biloban ®, Gincoben ®, Abolibe Forte®, e
Ginkgo Biloba Krka® , são ‘achados’ frequentes na bolsa de medicamentos dos
utentes do SNS, pertencentes ao grupo etário dos > 60 anos.
Trata-se de ‘medicamentos’ a que se atribuem ‘amplas’
propriedades farmacológicas com pretensas actuações sobre as alterações
cognitivas do envelhecimento (prevenção de demências) a que se juntariam
efeitos vasoreguladores link.
Já em 2008 a revista JAMA (Journal of the American Medical
Association)
link publicava um amplo estudo
randomizado, duplamente cego, envolvendo mais de 3000 pessoas (idosos),
concluindo que a eficácia desta substância na prevenção da demência merecia a
seguinte conclusão: “G biloba at 120 mg twice a day was not effective in
reducing either the overall incidence rate of dementia or AD incidence in
elderly individuals with normal cognition or those with MCI”. Este ensaio não
teve o impacto desejado porque medicamentos do grupo fitoterápico ‘fogem’ ao
controlo da FDA.
Em 2009, um estudo idêntico publicado no Evidence-Based
Mental Health/BMJ link
chega a conclusões idênticas.
E, portanto, não é de estranhar que face a atitudes passivas
que são transversais a alguns países europeus a ‘Prescrire’ surja a fazer uma
inquietante pergunta:
- ‘porque está ele [gingko biloba] ainda no mercado’ link?
Em Portugal os medicamentos contendo o ‘princípio activo’ de
ginkgo bilola já foram referenciados num ‘alerta’ da ARSLVT (boletim
terapêutico 2/2013 link)
como “de utilização clínica não recomendada” mas, ao contrário do que seria de
esperar, continuam disponíveis no mercado e mantendo uma comparticipação
pública à taxa de 37%.
Na realidade, esta ‘dissociação’ entre recomendar e actuar é
a imagem real de como, no seio das organizações e institutos tutelados pelo
Ministério da Saúde, reina a confusão, a incomunicabilidade e as contradições.
No site do Infarmed (RCM/ Resumo das Características do
Medicamento referente à marca Gincoben ® link)
as indicações continuam imutáveis não tendo incorporado quaisquer
condicionalismos decorrentes de [não]evidências terapêuticas resultantes de
ulteriores ensaios clínicos. As indicações constantes na autorização inicial
(de 1989), revistas em 2009 link
continuam firmes e imutáveis. ‘Resilientes’ para usar a gíria
político-financeira. E os custos de aquisição (37%/SNS + 63%/out of pocket)
continuam a merecer uma negligente complacência das autoridades sanitárias (da
farmácia e do medicamento) para com os utentes e os contribuintes.
Duas perguntas:
1.) Qual a razão por que os medicamentos contendo esta
substância não foram ainda ‘descomparticipados’ pelo Infarmed?
2.) Qual o impacto financeiro dessas comparticipações
públicas em função do número de embalagens (de ginkgo biloba ) anualmente
vendidas?
E-Pá!
Etiquetas: E-Pá, Medicamento
1 Comments:
Eis um bom desafio.
Umas contas rápidas, com base numa amostra de 2012, coloca a estimativa com as comparticipações públicas com estes produtos em cerca de 1,6 a 1,7 milhões de euros.
Enviar um comentário
<< Home