sábado, fevereiro 15

Ranking dos Hospitais


Interpretações do ranking dos hospitais e quimeras (institucionais, políticas & eleitorais) …
Foi divulgado o ranking dos hospitais públicos referente a 2012 link ;
O escalonamento do desempenho mostra que o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra ocupa o primeiro lugar. Independentemente dos critérios observados para a ‘construção’ deste ranking – cujas dificuldades o próprio coordenador ressalva link - nomeadamente, dificuldades na colheita de informação, temos de reconhecer que o grande impacto deste trabalho foi tornar-se objecto de um inacreditável aproveitamento político.
Indicadores importantes como a mortalidade, complicações, readmissões, custos médios, demora média, etc., escondem por vezes distorções na acessibilidade que ainda permitem espaço a alguns hospitais para selectivamente ‘escolher utentes’ (uns ficam com a ‘carne limpa’ e outros com o sobrenadante incluindo a ‘ossatura’), circunstância que perverte, decisivamente, os resultados. O ‘movimento oculto de transferências’, dentro da rede de referenciação hospitalar, está montado para esconder ou disfarçar muitas carências (de recursos humanos, técnicas, assistenciais e de resultados) já que distorce e influencia a procura. A acessibilidade (passiva) é hoje confrontada com muitos sobressaltos, um dos quais muito visível - o temporal - consubstanciado numa ‘espera’ alongada passível de ter graves efeitos deletérios e outro mais sub-reptício - o geográfico - que se traduz na real possibilidade de o utente ‘só parar’ num Hospital Central. Trata-se, de facto, de uns (entre outros) ‘ajustamentos de risco’, não despiciendo. Para ilustrar esta realidade temos dois casos recentes (o da senhora da colonoscopia e o jovem de Chaves) que, pondo de lado ilusões e malabarismos, encerram uma elevada probabilidade de ser a ponta do iceberg estando, por isso, para além de situações esporádicas e acidentais.
Mas, voltemos ao ranking do desempenho dos hospitais públicos em 2012 link.
‘Politicamente correcto’ o presidente do CA do CHUC endereçou o ‘prémio’ aos profissionais que aí trabalham. Revelou ter apreendido alguma coisa com sua passagem pelo XII Governo Constitucional, presidido por Cavaco Silva, como secretário de Estado da Saúde. Sabe, como todos nós, que a desmotivação grassa por todos os sectores profissionais que trabalham na saúde. Logo, tentou embrulhar o dito ‘prémio’ num floreado.
Porém, não resistiu à tentação de endossar (alienar) os resultados afirmando que eles se deviam “à reforma hospitalar em Coimbra, a maior e a mais complexa em Portugal, foi feita com tranquilidade e resultou num conjunto de oportunidades que temos sabido aproveitar em prol dos nossos doentes e do Serviço Nacional de Saúde, como estes resultados demonstram” link.
Esta visão onírica e deslocada no tempo terá influenciado o primeiro-ministro que com a sua proverbial desfaçatez e leviandade, a que já nos habituou, ‘colou’ os resultados a uma putativa reforma (deste Governo?) em curso na área hospitalar. Lançando-se sobre este putativo (esta expressão é do governante) precipício não teve qualquer rebuço em começar por atacar os ‘pais do SNS’ catalogando-os como ‘profetas da desgraça’.
Mas o ‘estrondo’ da irresponsabilidade revela-se quando transforma a ‘anexação’ do Hospital dos Covões pelos HUC (dando origem aos CHUC), operação também designada por ‘fusão’. As empresas (e esse será o entendimento do primeiro-ministro sobre os Hospitais, na maioria EPE) não se fundem, ‘canibalizam-se’ num ritual onde sistematicamente a mais forte engole a mais débil. Trata-se de um processo sinuoso e doloroso cujo denominador comum são as dramáticas ‘restruturações’, leia-se, ‘cortes & despedimentos’.
Passos Coelho vive inebriado com ‘resultados’ que lhe parecem florescer, neste inverno húmido e chuvoso (que toca também a democracia). Os resultados assemelham-se aos cogumelos que irrompem sazonalmente entre detritos orgânicos e, como sabemos, possuem propriedades alucinogénias. É neste quadro alucinatório, com cheiro a bolor, que o primeiro-ministro aparece a anunciar aos portugueses uma fantástica ‘colheita de resultados’ auspicioso fruto das suas ‘reformas’. Disse descaradamente que ‘que o recente ranking de hospitais mostra que há melhores unidades de saúde devido às reformas do Governo’ link
Bem, o CHUC (bem como outras centros fusões que originaram centros hospitalares) foi criado pelo decreto-lei 30/2011, de 2 Março (i. e., na ‘agonia’ do Governo de José Sócrates sendo ministra da Saúde Ana Jorge) link.
Um decreto-lei que surge num ambiente político já dominado pela ‘saga dos PEC’ (visando um apressado controlo de custos orçamentais ditado pela crise) e que per si não encerra intrínsecas ou incontestadas virtudes no desempenho, produção e na qualidade link. Aliás, a demonstração desta realidade está nos ‘tropeções’ que se verificaram entre 2011 e 2012 em alguns centros hospitalares a começar pelo de S. João no Porto e se alongaram aos de Tondela-Viseu e Leiria-Pombal.
Logo, a apropriação pelo primeiro-ministro do resultado do CHUC é um intolerável abuso de confiança e o lugar que pretende ocupar no pódio político (à volta deste momento de avaliação) ‘adesiva-se’ como (mais) um ‘equívoco do marketing político’ e uma manifesta atitude demagógica .
Na realidade, o actual conselho de Administração do actual CHUC tomou posse em Dezembro de 2011 (nomeado pelo actual ministro Paulo Macedo). A ‘integração’ dos referidos Hospitais foi um processo lento e não isento de percalços (notória contestação das populações e das autarquias link;link; link; link; …) e, durante o ano de 2012, permaneceu num estado ‘larvar’, sendo um exemplo marcante desta dolência e precariedade o facto de as chefias intermédias (Direcções de Serviço) terem assumido o estatuto de provisórias e transitórias. Uma outra marca do arranque do processo foram as dificuldades de elaborar (e aprovar) um regulamento interno (suporte básico mínimo para garantir a funcionalidade do alargado centro hospitalar).
Aliás, é a própria administração deste hospital que anuncia e reconhece o fim da ‘fusão’ para o final de 2013  link (ano posterior à analise do estudo da ENSP).
Quem já alguma vez foi ‘apanhado’ por processos de mutação integradora deste tipo conhece bem as dificuldades e as indefinições. E o tempo que leva a integrar culturas organizativas e funcionais díspares. O ano de 2012 foi, como não podia deixar de ser, um período de adaptação a uma imberbe e intempestiva medida legislativa (não existiu discussão prévia nem avaliação de impactos), que não revelou outras particularidades para além do ‘arrumar da casa’, não lhe podendo ser imputadas particulares virtudes. Pelo que o lugar conquistado pelo CHUC no ranking (referente a 2012) nunca poderá ser – pelo menos em 2012 – imputado à fusão.
Todavia, o primeiro-ministro apressou-se a tomar este comboio. Tudo o que possa cheirar a ‘bons resultados’, mesmo que ténues e efémeros, é para ‘colonizar’ como uma grande vitória e para garantir que os portugueses estão a usufruir de resultados, supomos que decorrentes dos sacrifícios (que prometerão ‘oportunamente’ aligeirar).
Na verdade, estamos perante uma avaliação de desempenho dos Hospitais que, sendo um instrumento de trabalho, se transformou numa quimera política, em nada estimulante para os profissionais da Saúde e muito dificilmente iludirá os utentes do SNS.
E como sabemos a quimera é uma figura mitológica que se caracterizava por espalhar, pelas cidades e pelos campos, o fogo e a morte…
Será o que nos espera se embarcarmos nas ‘fábulas reformistas’ do primeiro-ministro.
E-Pá!

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1 Comments:

Blogger Diabo de Saias said...

Grande texto. Essa dos pais que até deram a mão a este CA quando ele estava periclitante foi pouco desenvolvida.

2:49 da tarde  

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