O comissariado político em todo o seu esplendor
A acção política do actual Ministro da Saúde, ao longo
destes dois anos e meio em que está no Governo, tem apresentado quatro eixos
caracterizadores fundamentais: a preocupação principal em gerir a sua imagem e
carreira política fugindo aos problemas mais polémicos; o recurso sistemático a
acções de mera propaganda política na comunicação social; a adopção de uma
política «silenciosa» e dissimulada de crescente asfixia financeira e de
desmembramento progressivo do SNS; e o incremento empenhado do comissariado
político.
Os dias contados
Naturalmente que uma acção política deste tipo tem sempre os
dias contados e esta não irá fugir à regra.
Apesar das pesadas condições impostas pela «Troika» nos mais
variados sectores, o Ministério da Saúde (MS) desenvolveu, desde logo, um amplo
programa de cortes indiscriminados que as suplantaram amplamente.
Procurou criar a ideia na opinião pública que os cortes se
dirigiam quase exclusivamente a nível das despesas com os medicamentos, tendo
desenvolvido esta encenação política até à exaustão como «cortina de fumo» para
dissimular os restantes cortes indiscriminados nas áreas nevrálgicas do SNS.
A exuberância política do Ministério da Saúde na abordagem
desta importante matéria atingiu aspectos argumentativos tão radicais que até
parecia estarmos perante um activista ultrarrevolucionário.
Simultaneamente, tem feito múltiplas declarações sobre o seu
apego à defesa do SNS e dos serviços públicos de saúde, ao mesmo tempo que vai
encerrando um crescente número de serviços, criando super-agrupamentos de
centros de saúde cada vez mais distantes das populações carenciadas e impondo
orçamentos que sabe, à partida, conduzirem à falência funcional das
instituições de saúde.
A sua preocupação com o futuro SNS pode ser avaliada por um
simples facto, apesar de existirem infelizmente muitos outros: assumiu o
compromisso de desencadear uma reforma hospitalar e nomeou para dirigir a
respectiva comissão a mesma pessoa que durante o anterior governo de coligação
PSD/CDS presidiu à entidade que dirigiu a implementação do modelo de hospitais
SA, cujo objectivo era proceder à privatização integral dos hospitais públicos.
A reforma dos CSP está bloqueada
A reforma dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) está
bloqueada e se ainda não foi objecto de uma ofensiva destruidora é porque no
primeiro documento emitido pela «Troika» as USF foram referidas como uma
experiência inovadora e a preservar.
Mesmo assim, ainda recentemente foi efectuada a tentativa de
não proceder ao pagamento da componente variável do salário em função dos
objectivos atingidos, precisamente dois ou três dias depois de o Ministério da
Saúde ter assinado um compromisso negocial com os Sindicatos Médicos sobre esta
matéria.
A propaganda política tem sido gerida no anúncio de medidas
pontuais sempre que se verifica a deslocação do ministro à Assembleia da
República para qualquer interpelação ou quando vêm a público aspectos lesivos
da política governamental na área da saúde.
Mas se no início esta acção foi gerida com alguma habilidade
na sua apresentação pública, nos últimos tempos o Ministério da Saúde tem
revelado grande desorientação.
Desviar as atenções
Para tentar desviar as atenções da opinião pública dos
resultados concretos e brutais da sua política de cortes que já começam a
fazer-se sentir para um número cada vez maior de cidadãos e famílias, o
Ministro da Saúde lançou uma grande campanha de publicidade política sobre
acções de investigação relativas a situações de conflitos de interesses a nível
dos profissionais de saúde.
Não está em causa o cumprimento integral da legislação em
vigor, mas esse cumprimento tem de ser igual para todos.
Ora, tendo sido denunciada uma iniciativa de uma
multinacional farmacêutica em que o programa contou com intervenções de
destacados dirigentes do Ministério da Saúde, o Ministro nada fez e todos
continuam em funções impunemente.
Importa acrescentar que a discussão dessa iniciativa incidiu
sobre matérias da exclusiva responsabilidade ministerial: externalização de
consultas hospitalares e contratualização das USF para 2014.
Pelos vistos, as investigações são só para os profissionais
de saúde, porque para os seus nomeados políticos tudo é permitido e a
«legislação» é outra.
Mais recentemente, o desnorte político ministerial foi ao
ponto de anunciar uma «nova» medida sobre a mobilidade geográfica dos médicos
quando se trata de matéria consignada, em termos gerais, na legislação laboral
da Administração Pública desde 2008 e que foi objecto de nova abordagem no
acordo assinado entre o Governo e os Sindicatos Médicos em Outubro de 2012.
Entretanto, a questão do comissariado político e das
clientelas dos aparelhos partidários do Governo assume uma importância
relevante na análise sobre a delicada situação no sector da Saúde.
Existem sectores de opinião que consideram estarmos perante
uma situação em que o ministro se encontra politicamente «aprisionado» pelos
membros da clientela partidária por si nomeados para os vários níveis das
administrações dos serviços públicos de Saúde.
Mas, por outro lado, também se evidenciaram factos que
apontam em sentido contrário, ou seja, que os nomeados políticos são obedientes
executores das estratégias ministeriais e têm de desempenhar o papel de
«polícias maus».
Em diversas ocasiões, têm sido divulgadas medidas gravosas
ou sem sustentação legal e logo que se desencadeia a contestação surge o
ministro a «esclarecer» que se trata de um mal-entendido, que as pessoas não
entenderam a essência da medida e que houve deturpação do seu real sentido.
O ministro «polícia bom»
Um aspecto «curioso» nestas situações é que essas medidas
gravosas nunca são anunciadas pelo ministro, mas pelos seus secretários de
estado ou por algum presidente de ARS mais empenhado na sua militância
partidária.
O ministro aparece sempre depois para fazer o papel político
do «polícia bom» e para «dar dito pelo não dito».
As medidas de perseguição política a três dirigentes
sindicais da FNAM por três administrações hospitalares e a arrogância política
do seu comportamento posterior, revelam que usufruem de uma chocante impunidade
da tutela ministerial.
Algumas medidas protagonizadas pelas administrações da ARS
do Norte e da ARS de Lisboa e Vale do Tejo revelam igualmente, pela sua
gravidade política, que só se mantêm em funções porque dispõem da clara complacência
ministerial e que estão a cumprir as suas ordens hierárquicas.
O caso do Hospital de Faro — Centro Hospitalar do Algarve
Neste contexto clientelar e dos nomeados partidários, a
eclosão da contestação aberta dos médicos do Hospital de Faro ao presidente da
respectiva administração, e ex-bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes,
não sendo surpreendente merece particular registo.
Enquanto no desempenho das suas funções de bastonário
escreveu um editorial da revista da Ordem dos Médicos (número de Julho/Agosto
de 2009), com o título «o preço da nossa liberdade», onde me dirigiu graves
ofensas pessoais por eu ter participado numa iniciativa partidária em plena
campanha eleitoral, onde apresentei uma comunicação em defesa do SNS.
Fazendo grosseiras comparações com duas conhecidas figuras
públicas de ex-deputados, afirmou sobre essa minha participação «…sem que se
saiba se e qual o cargo que lhe terá sido prometido».
Já nessa altura, era conhecido o frenesim de movimentos
desse então bastonário que num dia participava em reuniões do PSD para discutir
a elaboração do respectivo programa eleitoral e noutro dia aparecia no CCB em
sessões do PS.
E acabou por ser compensado politicamente pelo actual
ministro, que o nomeou para o cargo onde está a fazer o tipo de gestão que é
agora denunciado num abaixo-assinado.
A grande diferença de princípios e de valores, é que tenho
participado em iniciativas políticas para exercer os meus direitos cívicos e de
cidadania na defesa de causas humanistas, continuando a desempenhar as funções
sindicais, sem nunca me misturar com cargos de comissariado político.
Segundo diz o ditado, a família não se escolhe, mas no que
se refere aos comissários e aos executores das políticas ministeriais as
escolhas são já claras e elucidativas.
«Rebentar com tudo!»
Se alguns dos nomeados, que têm protagonizado episódios
políticos controversos, estivessem com isso a prejudicar o rumo da política do
Governo e do MS alguém tem dúvidas de que seriam imediatamente demitidos ou
convidados a pedirem a demissão?
Não existem quaisquer enigmas na acção do Ministério da
Saúde porque o objectivo é, como disse há algum tempo o Prof. Sobrinho Simões,
«rebentar com tudo!»
A situação de ruptura a que temos assistido na grande
maioria dos serviços de urgência é o resultado directo e inevitável da política
de cortes e de desmembramento do SNS em curso pelo actual governo. É,
dramaticamente, ainda só a «ponta do iceberg», porque outras consequências
graves irão acontecer a curto prazo.
Mas esta política não passará, porque há sempre alguém que
diz «não» e já existem muitos a dizerem NÃO!!!
Mário Jorge Neves, Presidente do Sindicato dos Médicos da Zona Sul/FNAM
Etiquetas: Paulo Macedo
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