Prós e contras sobre a Saúde
O debate no programa da RTP ‘Prós e Contras’ sobre o SNS link mostrou, desde logo, como um fórum de análise
se pode transformar numa ‘mixórdia’ de opiniões. De facto, perante o que estava
em discussão não se conseguiu ultrapassar uma tímida tentativa de abordagem
acerca de um sistema que agoniza na sua universalidade (mais de um terço dos
cidadãos ou desfrutam de subsistemas ou de seguros de saúde) e na outra
vertente deste ‘serviço’, a acessibilidade, são conhecidos – diariamente -
rupturas, barreiras e escândalos.
Voltemos ao debate.
Um dos lados, ao proceder à análise objectiva das
consequências dos cortes orçamentais no sector da saúde não conseguiu
demonstrar cabalmente as consequências directas, ficando-se muitas vezes pelo
intangível.
O outro lado apostado em defender ‘à ultrance’ as políticas
sociais governamentais envolveu-se num retórica balofa com resquícios de
soluções ‘pret à porter’.
Espantoso, em todos estes debates à volta do SNS, é não
aparecer ninguém com coragem (política) de, em público, advogar o fim do
SNS e a sua substituição por um ‘modelo americano’, ao estilo ‘tea party’. Mas,
todavia, esses portugueses existem e não será difícil enxergá-los na
proximidade dos centros de decisão. Só que esse discurso não aparece – por
enquanto – por vergonha e receio de consequências políticas e quando aflora
apresenta-se travestido em volta de insondáveis e anacrónicas medidas ditas de
‘reforma’. Melhor dizendo para ser mais fiel ao tradicional armamentário
ideológico neoliberal usado nestas situações: ‘reformar com vista a garantir
sustentabilidade’.
No referido programa foi possível ver e ouvir de tudo um
pouco.
Começando pelas (boas) intervenções.
O Prof. Constantino Sakellarides tentou abordar e explicar
as oscilações dos indicadores estatísticos de saúde que surgem, ainda,
camuflados a nível nacional mas têm já um rebate bem visível nas regiões onde o
rendimento per capita é mais baixo. Aliás, as intervenções do professor estavam
facilitadas pela intuição pública onde grassa a convicção que o edifício do SNS
começou a oscilar e ameaça derrocada manifestada na qualidade das
respostas e acessibilidade. Toda a gente sabe que quando se analisam
estatísticas em saúde em termos de sustentabilidade financeira e de eficiência partindo unicamente do PIB bruto sem observar cuidadosamente o PIB per capita é impossível
encontrar a realidade, detectar as assimetrias e perceber as desigualdades. Com
o seu meritório esforço pedagógico o professor perdeu imenso tempo a pregar no deserto. O
que num programa com as enviesadas características do ‘Prós e Contras’ é
fatal.
Transitando para intervenções eivadas de lugares comuns e
algumas banalidades surge Álvaro Beleza com soluções aparentemente consensuais,
mas pouco trabalhadas e desenvolvidas, como as que recentemente promoveu no
seio do ‘Conselho Nacional de Saúde’ onde pretendeu auscultar uma multidão de
intervenientes (através das ordens profissionais e de associações de doentes).
Na realidade, nenhuma proposta, nenhum caminho, relativo a modelos de
[re]organização (o termo ‘reforma’ foi gasto e pervertido por este Governo),
nos diferentes vectores que estão sob a mira dos utentes e dos profissionais de
saúde (hospitais, cuidados primários, urgências, etc.). Mais não fez
do que personificar o vazio da liderança de A. J. Seguro que, quando quer entrar
no terreno da realidade e das propostas concretas, invariavelmente, claudica.
Do outro lado, a vulgaridade foi personificada pelo Prof.
Manuel Antunes, indubitavelmente um cirurgião cardíaco de elevado mérito, mas
um profissional que dentro do SNS sempre usufruiu de um regime excepcional e
convive com ‘situações privilegiadas’, nomeadamente no campo contributivo que
nunca vêm a talhe de foice. Na verdade, a transição entre o bom profissional e o ‘teórico das políticas de saúde’ está sujeita a muitos percalços. Não
basta escrever livros onde enigmas e suposições são avulsamente encadeados e
misturados (‘A Doença da Saúde’) para se tornar uma autoridade ou uma
referência na matéria. Aliás, o Professor que ao longo do programa revelou ter forte afeição pela ‘ciência baseada na evidência’ não resistiu a citar os estafados 25% de desperdício do SNS que, como sabemos, partiu da
‘boutade’ de um auditor do Tribunal de Contas link
e que tem feito incessante caminho (à
margem de todas as evidências) para atacar o SNS.
Ainda deste lado da barricada o ‘laureado’ presidente do CA
do CHUC assumiu as honras da casa e prestou ao Governo as devidas mordomias.
Voltou a endereçar os louros aos profissionais do seu Hospital em jeito de
salamaleques mas não se coibiu de incensar e enfatizar as políticas
governamentais, nomeadamente reformas párias ou inexistentes e de perante o
espectro da claudicação interna (o que estava em discussão), anunciar
a aposta na ‘internacionalização’ (‘externalização’) errática e ‘turística’, uma fuga em frente sobre escombros e atropelos à
acessibilidade. A saga laudatória deste senhor aprimorou-se na defesa dos parcos êxitos e alivio dos muitos
desaires citando – a despropósito - o laudatório artigo do Finantial Times
link.
Para além dos diversos Bastonários (OM, Farmacêuticos e
Enfermeiros) que pouco acrescentaram à discussão e ao que repetidamente têm
denunciado link;
link;
link , de registar a esclarecida e oportuna intervenção da
presidente da APAH, Marta Temido ao identificar as alterações de indicadores e os casos detectadas no
terreno como importantes ‘sinais de alerta’. Ao denunciar os
contornos do pretenso ajustamento do SNS - segundo o Ministro feito à custa de
uma ‘eficiente’ política do medicamento – que em larga medida não poupou os
profissionais de saúde, cujos vencimentos (suplementos e horas extraordinárias)
foram literalmente ‘esmagados’ e cujas carreiras estão há largos anos
‘congeladas’, representando um factor de desmotivação que tem sido
sistematicamente escamoteado.
Finalmente, e para rematar foi ainda possível ouvir neste programa
o inimaginável. Perante presumíveis e citadas variações de indicadores de
saúde (tuberculose e taxa de mortalidade infantil) ouvimos e vimos o
Director-Geral da Saúde tirar do bolso números referentes a 2013 (não
oficialmente divulgados) para ‘calar’ a discussão e intimidar (alguns)
intervenientes. Apresentou-se como ‘fiel’ dono e feitor das estatísticas da saúde. Um
autêntico ‘malabarista epidemiológico de ocasião’ que, felizmente, o Prof.
Sakellarides teve oportunidade de desautorizar (para quem quis ouvir). De
facto, no site da DGS (Portal da Estatística), editado sete dias após o debate (22.02.2014) link,
a taxa de mortalidade infantil referenciada é de 3,4/1000 nados vivos. Ora, em
Coimbra, o Sr. Director-Geral afirmou ‘já saber’ que em 2013 essa taxa seria inferior a 3/1000 nados vivos. Com esta sonegação de dados toda e
qualquer discussão estaria à partida viciada. Mas é neste País que vivemos (os que
ainda não conseguiram emigrar).
Resumindo: Estamos num ‘estado’ em que o debate sobre o SNS não cabe na
simplista barricada de prós e contras. Os ‘contras’ (aqueles que apostam no
desmantelamento do SNS) julgam que este [ainda] não é o momento de dar a face.
Por ora estão empenhados em esconder ou mascarar com aleivosias os resultados
dos cortes orçamentais no SNS, para denodadamente prosseguir o ‘seu’ trabalho.
Na realidade, a intervenção política da noite teria sido a
do ‘pai do SNS’, ao denunciar a saga de destruição do Estado Social, como
programa político e ideológico deste Governo. Teria rematado em beleza (ou em
socorro do ‘outro’ Beleza) este programa se acaso não tivesse optado por tentar
abrigar o SNS debaixo de um fátuo guarda-chuva, personificado pelo gestor Paulo
Macedo que, estranha e inusitadamente, considerou ser ‘um travão’ à desvairada
‘fúria neoliberal’ deste Governo.
E-Pá!
1 Comments:
O texto saiu com várias 'gralhas' mas uma é gritante.
Onde se escreveu ..."os profissionais de saúde, cujos vencimentos (suplementos e horas extraordinárias) foram literalmente ‘esmagados’ e cujas carreiras estão à largos anos ‘congeladas’" deveria estar: ..."os profissionais de saúde, cujos vencimentos (suplementos e horas extraordinárias) foram literalmente ‘esmagados’ e cujas carreiras estão há largos anos ‘congeladas’...
Fica aqui a correcção.
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