segunda-feira, abril 21

No Reino da Balbúrdia


Ao fim de três anos parece ter soçobrado a aventura política deste (des)governo no setor da saúde. Depois de cortes a eito, sempre para além da troika, esmoreceu a ilusão da sustentabilidade. Essa que era verdadeiramente a questão-farol, o foco, a razão de Estado para tanta malfeitoria. Já não há mais por onde tirar no saco do medicamento, a ladainha da fraude parece esgotada e o que se vê é mais défice, mais dívida apesar de tanto milhão expurgado do sistema. Basta ver os números da dívida a fornecedores para facilmente se perceber que a montanha pariu um rato (apesar da incerteza e do “inconseguimento” dos dados que vão aparecendo no site da ACSS).
Depois o SNS. Por aqui os “novos-cristãos” desta velha (e esgotada) maioria cedo intuíram que era politicamente correto proclamar o SNS como ideal das suas vidas (desde pequeninos). Isto permitir-lhes-ia iludir o povo e os profissionais e alegar que as maldades que lhe iam fazendo eram, no essencial, para o salvar e lhe fazer bem. Quanto cinismo…
Passados três (dolorosos) anos o que temos?
Um profundo desprezo pelo SNS e, sobretudo, pelos seus profissionais. Um manifesto incómodo com as necessidades das pessoas, sobretudo, dos mais pobres (agravamento brutal das taxas moderadoras, multas a torto e a direito – pelo não pagamento de taxas, por falta às consultas, taxação de alimentos e bebidas, etc). Sempre o mais fácil: taxar, punir, castigar. Nada pelas pessoas. Ensinar, formar, partilhar, captar os cidadãos para o sistema, nunca. Tal não faz parte do ADN desta tribo político-ideológica. A narrativa da moda passa sempre pelo “vivem acima das possibilidades”, “tomam remédios a mais”, “médicos e farmacêuticos corruptos” entre outras preciosidades.
Quanto à política ou às políticas de saúde tal como quanto à reforma do sistema de financiamento (como referiu a insuspeita Isabel Vaz), nada. Um carrocel de estudos, grupos de trabalho, pareceres, avanços e recuos que, esporadicamente, vão gerando um ou outro disparate mais ou menos grave. Uma reforma hospitalar “fast food” para “inglês ver”. Um novo disparate com mais um “coelho da cartola” - O gestor do doente. link Aparentemente mais 7500 boys e girls preparadas para entrar no experimentalismo parodiante esquecendo, de caminho, o papel das USF’s, dos médicos de família e dos médicos de saúde pública para “inventar” uma nova categoria profissional cuja estirpe ainda se desconhece mas que, a irmos por este caminho, para além de esvaziar e sobrepor as competências existentes no sistema serviria, possivelmente, para vender certificados de aforro aos utentes, nas horas livres.

Carlos Silva

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4 Comments:

Blogger e-pá! said...

Excelente post!

Mas voltando à 'vaca fria' sente-se que a criação da figura de um 'gestor do doente' corresponde inegavelmente ao 'fim de festa' desta equipa ministerial. E será mais uma perversão (a par de outras) para 'introduzir' no sistema factores de desestabilização profissional e de perturbação funcional.

Quem trabalha no SNS sabe que o real e eficiente gestor do doente (da sua saúde), quer seja em situações agudas, quer crónicas tem de ser o médico de família. Gerir estas situações é uma das competências fulcrais da Medicina Geral e Familiar.
Uma outra competência é proporcionar ao doente uma abordagem abrangente. Ora, a segmentação dos cuidados (e das responsabilidades?) que a introdução desta nova figura proporciona não aporta nada de bom para as prestações julgadas fulcrais ao nível dos cuidados primários. A não ser que seja para tentar ocultar a incapacidade de cobertura universal dos utentes.
De facto, passados 3 anos de governação, as medidas mais visíveis foram o aumento da carga horária semanal, o expurgo nas listas de utentes, as taxas moderadoras, o alargamento da lista de inscritos/médico e, apesar disso, o problema continua a existir.
Trata-se de uma sórdida imaginação subsidiária da irresponsabilidade que até aqui tem actuado no seguinte registo: quando surge um problema cria-se uma comissão ou um grupo de trabalho. Esgotado este modelo e os resultados sendo maus, ou quando muito medíocres, a tentação é dar um salto em frente. Cria-se, então, uma nova figura - 'gestor do doente' - que se intromete num sistema colocado numa situação deficitária. O que expectável é existirem mais dificuldades de comunicação entre cuidados primários e secundários e certamente mais despesa. Os intermediários são uns habituais inflacionadores (e beneficiários) dos circuitos comerciais e de prestação de serviços.
Numa altura em que se promove a 'libertação' (PPC dixit) de quadros da FP e se ameaça com mobilidades especiais esta nova proposta torna-se pornográfica. A não ser que estes novos elementos sejam boys que se contem com 'mini-jobs'. O que configura ser uma proposta duplamente desastrosa. Não serve o SNS (e os seus utentes), nem os interesses partidários que estarão por detrás da tentativa de introdução...

12:01 da manhã  
Blogger DrFeelGood said...

Excelente post.
O "gestor do doente" é mais uma luminosa tentativa de justificar mais uns quantos cortes a eito fazendo tábua rasa da actual rede de CSP.

12:13 da tarde  
Blogger tambemquero said...

O Bloco de Esquerda (BE) vai apresentar na Assembleia da República um projecto de resolução para suspender a reorganização hospitalar prevista na polémica Portaria 82/2014.
Este assunto vai ter que ser explicitado em breve pelo ministro da Saúde no Parlamento, porque ontem o PCP entregou um requerimento potestativo na Comissão de Saúde, avançou a Rádio Renascença. O PCP quer que o ministro Paulo Macedo explique a situação da emergência médica (na sequência da inoperacionalidade de algumas Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação, como aconteceu recentemente em Évora) e também que esclareça o que está em causa na reestruturação hospitalar. O PS já tinha pedido a presença do ministro no Parlamento por este motivo, mas a maioria tinha rejeitado o pedido.
Publicada há duas semanas, a Portaria 82/2014 classifica os hospitais em quatro grupos, vedando às unidades de classificação mais baixa a existência de várias valências de que actualmente dispõem. A concretizarse tal como está definida, implicaria o desaparecimento de vários serviços e especialidades, mas o Ministério da Saúde esclareceu, entretanto, que se trata apenas de um documento enquadrador.
A controvérsia em volta da portaria não acalmou, porém, e ontem o Bloco de Esquerda anunciou que vai entregar o projecto de resolução para suspender o diploma, o qual deve dar entrada na Assembleia da República esta semana.
“Esta portaria veio trazer muita angústia às pessoas que precisam das especialidades que estão em causa. É para acalmar essas pessoas, para dizer que é possível haver uma política alternativa, que este projecto de resolução nasce”, explicou à Lusa o líder da bancada do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares. O deputado falava junto à entrada do Hospital de Aveiro, por ser a unidade do Serviço Nacional de Saúde no distrito que “tem mais pontos negros”, debatendo-se com problemas como “a dificuldade de atendimento nas urgências, a falta de camas para internamento ou a falta de macas”.
Segundo o líder parlamentar do BE, a portaria que classifica o Centro Hospitalar do Baixo Vouga e o Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga (a que pertence o hospital de Aveiro) como uma unidade do Grupo I — a categoria mais baixa — “vai retirar valências importantes à população do distrito e reduzir a qualidade dos cuidados de saúde prestados”.”Com esta iniciativa, o que pretendemos é garantir às pessoas que serão salvaguardados os serviços que agora existem”, explicou.

JP 22.04.14

12:42 da tarde  
Blogger Clara said...

O Relatório do FMI da 11ª avaliação do programa de ajustamento, disponível aqui, tem como pontos essenciais sobre o sector da saúde:
a) registam ganhos de eficiência e maior controle de custos – com referência ao papel das normas de orientação clínica, mas sem referência ao esforço de redução salarial;
b) reconhecimento do que foi feito no sector do medicamento, com o objectivo de 1% do PIB para a despesa pública com medicamentos, faltou a referência à pressão de novos medicamento sobre a despesa hospitalar (e de como poderá ser contida, face à tensão que adivinho crescente entre os resultados de apreciações em sede de avaliação económica de medicamentos e os “desejos” da opinião pública e a “construção” de necessidades e expectativas de tratamento).
c) reconhecimento dos planos para reorganização da rede hospitalar (o que quer que isso seja na mente de quem escreveu a frase)
d) melhoria dos mecanismos de controle da despesa para eliminar a acumulação de dívidas – foram identificados os hospitais chave no aumento dessas dívidas, e estabelecido um acompanhamento mais próximo desses hospitais.
Destes 4 pontos, o mais crucial, como tenho escrito aqui, é o último. A solução adoptada baseia-se implicitamente no pressuposto que existe um problema pontual nalguns hospitais, e não um problema de sistema. Veremos como decorre este ano.
Pedro Pita Barros

Quem trabalha e acompanha o dia a dia do SNS sabe quanto irrealistas são estas conclusões. Ganhos de eficiência, planos de reorganização da rede e eliminação da acumulação de dívidas dos hospitais não passam de balelas tecidas pelo departamento de propaganda do ministro Paulo Macedo.

1:36 da tarde  

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