SNS à la minute
O SNS está, segundo tudo indica, a ser contaminado por mais
uma ‘(pseudo)reforma estrutural’ segundo o modelo que os actuais tempos ditam e
cujos resultados os portugueses sentem no pêlo. O que de ‘novo’ assoma na praça
pública e que poderia ficar pelos seus aspectos caricatos, se não fossem graves
e significativos, é um organismo auditor ‘armado’ em novo protagonista das
políticas de saúde aparentemente em auxílio da inefável equipa governamental
responsável pelas políticas na saúde, propondo ‘soluções expeditas’, mais uma
vez, sem medir consequências. Neste País qualquer rato de cano (seja individual
ou colectivo) arvora-se num emissor de sentenças sobre o SNS sempre na senda de
esmagar a qualidade .
O Tribunal de Contas (TdC) numa auditoria aos cuidados de
saúde primários resolveu levantar algumas questões sobre o seu funcionamento,
dando uma no cravo e outra na ferradura link.
É mais um exemplo da triste sina que é o meter a foice em seara alheia.
O TdC defende que não se deve excluir utentes das listas de
médicos de família “por razões administrativas”, simplesmente por não haver
contactos com os centros de saúde durante três anos, o que tem sido feito para
fazer a “limpeza” de ficheiros a nível nacional. Recomenda assim que o despacho
do secretário de Estado adjunto da Saúde que possibilitou esta
"limpeza" seja revisto, para garantir que as pessoas não possam ser
"eliminadas" das listas dos médicos de família.
Bem, estamos perante uma questão eminentemente política e
não somente uma questão operacional. E será nesse campo que pode haver
extravasamentos. A incompetência a residir no TdC não é do foro médico mas mais
genérica, isto é, de um problema eminentemente político. De facto, aqui, pode
não estar a ser respeitada a separação de poderes. De qualquer modo, trata-se
de uma questão pertinente.
A ‘limpeza’ dos utentes ‘não frequentadores assíduos do SNS’
sempre foi politicamente denunciada como uma questão que visava a acomodação de
um serviço público em acelerada contracção às carências de recursos humanos e
da capacidade instalada e que o MS não estava interessado em resolver por clara
submissão a constrangimentos orçamentais, torpedeando, deste modo, a
universalidade do sistema e permitindo-lhe apresentar aos cidadãos a ilusão de
‘serviço feito’ em relação às candentes e insolúveis questões da cobertura
nacional pelo SNS. Foi a época das medidas ‘à la carte’ - ditadas pela troika -
e para as quais não existiu (por parte do MS) qualquer capacidade em preservar
(salvar) as (boas) características do nosso SNS. Esta medida representa, na
espessura da sua imensa ambiguidade, um ‘opting out administrativo’, forçado,
deslocado e oportunista. Na verdade, os cidadãos ‘excluídos’ do sistema não
auferiram de qualquer benefício facto que, per si, seria a confissão pública
dos actuais dirigentes da saúde de que estaria em curso o desmantelamento do
SNS.
Mas voltando ao TdC, salienta-se “… 1.657.526 utentes inscritos
nos centros de saúde, em dezembro de 2012, não têm médico de família” para
concluir que “…« o modo instituído de atribuição de um médico de família»
mereceu observação, pois «pode condicionar a liberdade de escolha dos utentes e
causar assimetrias de acesso, consoante os utentes estejam, ou não, integrados
nas listas dos médicos de família». link.
É, de facto, na interpretação destes dados que reside o problema. Faz bem o TdC
em associar a universalidade à acessibilidade mas esta instituição deveria, por
outro lado, centrar a sua audição no ‘tendencialmente gratuito’ cujo impacto e
consequências parece ignorar e são cumulativas com a falta de médicos e de
capacidade instalada nas unidades de cuidados primários de saúde.
O Colégio de Medicina Geral e Familiar da Ordem dos Médicos
considerou estas questões como uma abordagem “… puramente economicista e miserabilista”
e adiantou que o pronunciamento do TdC foi uma infeliz intromissão em questões
políticas e técnicas.link
Mas caricato e petulante foi a solução ‘à la minute’ sobre o
tempo (‘óptimo’ na perspectiva da sustentabilidade do sistema em colapso) de
duração das consultas. Ao propor a redução do tempo de consultas de 21 (média
actualmente estimada) para 15 minutos link
o TdC não fez mais do que acentuar a pressão sobre a qualidade das mesmas,
intensificar o risco do erro e ‘caixificar’ (termo usado nas antigas Caixas de
Previdência) o atendimento.
Quando se alargou para a função pública o tempo de serviço
completo de 35 para 40 horas semanais link
e se procedeu à extensão das listas de utentes de cada médico de 1500 para 1900
(que é justo salientar que neste passo obteve o incrível acordo dos sindicatos)
link,
intensificou-se a ‘produção por minuto’ passando ao lado da necessidade de
mencionar quaisquer características para o ritmo e tempo das consultas mas as
austeras medidas já tomadas incidiram efectivamente sobre estes parâmetros.
Fazer mais no mesmo tempo e com menos meios só com aumento da cadência ou a
automatização dos processos.
Aliás, a recomendação do TdC mostra-se perfeitamente
dispensável já que a definição (e negociação) por parte do MS de objectivos (de
produção) vai indirectamente ‘condicionar’ (e resolver) este tipo de problemas.
Um outro ‘instrumento’ complementar é a obrigatoriedade (sob pena de multa de
45.000€) dos Centros de Saúde atenderem os doentes no próprio dia link
medida burocrática em que este Governo se esconde por detrás de uma
recomendação da ERS, e que como os profissionais de saúde sabem está
completamente desfasada dos recursos humanos disponíveis. Mais recentemente o
MS retoma, na área hospitalar, esta via (administrativa) com o despacho que
cria (mais uma vez a cavalo de um relatório da ERS) tempos máximos para a
realização de exames complementares e de diagnóstico link.
Passamos, com estes floreados, dos tempos ‘à la carte’
(imposto do exterior) para o menu ‘à la minute’, uma solução doméstica.
O problema não será o ‘serviço’, nem a ‘confecção’, mas o
facto de assistirmos à tentativa de vender ‘fast food’ como sendo comida boa e
saudável.
E-Pá!
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home