domingo, janeiro 4

Quase todos aplaudem, mas o (rei) príncipe vai nu!


Paulo Macedo (PM) aplicou bem o Memorando: redução dos preços de medicamentos e meios de diagnóstico, controlo de transportes e da fraude na faturação, atualização de taxas moderadoras nos hospitais - mas nos cuidados primários deviam ter sido eliminadas. Tudo isto, servido por uma máquina de comunicação bem oleada, granjeou-lhe rasgados elogios nos media, por comparação com a fraca prestação dos seus pares.
Trazia a cartilha bem estudada: apostar no perfil de gestor e apoiar-se na Troika, para reduzir despesas, racionar a oferta no público/permitir expansão no privado, protelar medidas difíceis eleitoralmente. Porém adotou políticas erradas e deixou o SNS sem estratégia nem gestão apropriada, o que terá consequências nefastas no futuro. Cometeu quatro erros de palmatória na gestão dos hospitais, na política de pessoal, na política de qualidade e na da oferta de saúde.
Abordamos agora as questões da gestão dos hospitais, as restantes ficam para próximas crónicas.
O hospital é considerado como a «organização humana mais complexa» e que Peter Drucker sempre se referia à «gestão do hospital como exemplo da mais elevada complexidade», por isso a organização e funcionamento do hospital como empresa é hoje pacífica em todo o mundo, sendo a empresa pública a regra. Em Portugal foi longo o caminho para reconhecer esta realidade e profissionalizar a gestão, esta iniciou-se ainda na década de 70 com os «meninos de Rennes», figuras ímpares de servidores e gestores públicos, e teve continuidade na ENSP com o Curso de Administração Hospitalar. Dói ver como PM destruiu a autonomia dos hospitais em apenas 3 anos.
1-Ausência de estratégia e gestão do SNS
A gestão começa no planeamento sendo que o de médio prazo deve orientar a atividade, os investimentos e as inovações nos hospitais e restantes serviços. Pois bem, PM solicitou e obteve vários estudos de planeamento da rede e de estratégia do SNS mas não aplicou nenhum. Ainda estão por ver a luz do dia as «orientações gerais e específicas», previstas no diploma de gestão pública, e também nada fez para corrigir a incapacidade da ACSS acompanhar e controlar os hospitais, assim abrindo o caminho à anulação da autonomia dos hospitais, com a cobertura da Troika e com a justificação de controlar a despesa.
2-Centralização da decisão e corte administrativo de recursos
Começou por anular o papel das ARS na coordenação e gestão regional de recursos – agora confinadas à direção dos cuidados primários e à indigitação de gestores do partido, alguns dos quais especialistas em granito e em feiras do mel – para depois centralizar a decisão no Ministério:
Controlo burocrático do investimento, desligado de planos de investimentos aprovados pela tutela para desenvolvimento do SNS, que parou a substituição de equipamentos e a inovação tecnológica;
Controlo total das admissões de pessoal e contratações de trabalho (SFE), que foram adiadas e bloqueadas administrativamente, o que impediu a oportuna substituição de profissionais e prejudicou a qualidade e segurança;
Limitações em rubricas orçamentais, correspondendo a corte genérico na despesa de exploração, arbitrárias por serem desligadas de qualquer diagnóstico da situação ou da atividade contratada;
Redução de recursos através de cortes no financiamento dos hospitais, mesmo nos que aumentarem a produção (em grande parte por PM não ter efetuado ajustamentos no SNS, como veremos na próxima crónica);
A inovação de medicamentos foi centralmente bloqueada e não se promoveu qualquer pograma ou projeto de inovação organizacional, de melhoria de qualidade ou de redução de desperdício.
3- Nomeação e avaliação da gestão
A gestão pública num hospital tem requisitos e regras próprias: adotar os princípios, valores e regras da gestão pública (ex. legalidade, transparência, não discriminação); cumprir a política de saúde, o previsto no planeamento, na regulamentação do SNS e nos contratos com a tutela; desenvolver os profissionais respeitando a sua autonomia; promover a qualidade, as boas práticas e o uso eficiente dos recursos públicos.
Com boa gestão obtém-se melhores resultados no hospital, em saúde, eficiência, tempo e qualidade de serviço. Para isso a tutela terá que ser atenta e competente e os gestores não podem ser escolhidos por critérios que não o mérito (partido X, herdeiros ou afilhados de Y, detentores de avental ou membros de qualquer outra rede de interesses). Terão que possuir os requisitos necessários, o conhecimento, capacidades e experiência em gestão de hospitais, serem escolhidos por concurso link , devidamente acompanhados e avaliados com consequências. Doutro modo os resultados dos hospitais não melhoram e mantém-se o oportunismo e o clientelismo, que abrem a porta ao tráfico de influências, aos jogos de interesses, à fraude e à corrupção.
Espera-se que, no futuro e por regra, os diplomados em Administração Hospitalar, como gestores profissionais e possuidores daqueles requisitos, sejam selecionados em concurso para os CA exercendo a sua atividade como provedores da coisa pública e servidores exemplares do SNS, a exemplo do que fizeram ao longo dos quase quarenta anos que tem a carreira. A escolha, denunciada neste blogue, de “gestores” por serem «encartados num partido», de determinada família ou grupo de interesses deve parar. link É uma exigência imposta pela democracia e pela economia, não por um grupo profissional ou partido.

Haja Saúde

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5 Comments:

Blogger Mário Reis said...

Habilidades de avental...
Quando passou pelos impostos explorou a bel-prazer méritos, decisões e investimentos que vinham desde o tempo do ministro Sousa Franco e que produziriam a prazo certo resultado.
Um bom agente de negócios que só tem de não destoar... as politicas de saúde financeira na área de saúde continuam no bom caminho há uns bons anos. E assim é porreiro!

8:59 da tarde  
Blogger e-pá! said...

A mais incrível 'habilidade' é a redução de 5 cêntimos nas taxas moderadoras em consultas hospitalares...
Deve estar indexada a alguma coisa. Provavelmente às próximas eleições legislativas.
Vamos a ver qual a avantesma que, em campanha, vai empunhar esta 'bandeira'...

4:11 da tarde  
Blogger xavier said...

Problemas nas urgências de Paulo Macedo? “O corpo é que paga” (dos doentes).

Como é habitual na época das festas registou-se um pequeno pico de afluência às urgências hospitalares, um pouco maior pelo efeito das gripes mas nada de assinalar. Então porque aumentou tanto o tempo de espera e os problemas dos doentes nas áreas metropolitanas?

PM não programou um aumento da oferta nos cuidados primários para este pico, depois de ter parado o desenvolvimento de USF e ter fechado alguns atendimentos permanentes. Mas a principal causa é a perda de autonomia dos hospitais e acrescente desmotivação e cansaço de profissionais de saúde.

PM transformou os hospitais em repartições com amanuenses obedientes e reverentes mas sem capacidade de gestão. Antes era fácil e rápido admitir um funcionário para substituir os que se aposentavam, emigravam ou tinham doença grave e prolongada, como era recrutar um prestador de serviço para três ou seis meses. Agora tudo demora anos e exige autorização da ARS e do ministro, quando não de dois ministros.

Depois os profissionais de saúde estão desmotivados e sentem-se desvalorizados e cansados. Pudera, alguns tiveram perdas triplas: nos ordenados, na percentagem das horas extra e suplementos e porque passaram de 35 para 40 horas por semana. O cansaço resulta do prolongar de escassez por incapacidade de substituir e poruqe PM promoveu a saída sem substituição de funcionários de apoio, auxiliares e administrativos, sem os quais o trabalho dos profissionais de saúde aumentou e ficou mais difícil.

Só quem não está no gabinete da J. Crisóstomo não vê isto!

Perth Inácia

3:10 da tarde  
Blogger Tavisto said...

A crise, a imprevidência das reformas antecipadas e a desvalorização do valor do trabalho, retiraram muitos profissionais do SNS. A mesma crise aumentou exponencialmente o número de doentes que recorrem aos serviços públicos de saúde, em especial às urgências. Gerou-se assim um desencontro entre as necessidades das populações e a oferta em cuidados de saúde.
Não surpreende pois que em períodos críticos ocorram longos tempos de espera, por vezes com a pior das consequências, nos serviços de urgência dos grandes hospitais públicos.

11:41 da tarde  
Blogger geraldes said...

PM o verdadeiro " commissaire aux comptes" do SNS , as contas dão sempre certas, os resultados para os doentes estão cada vez mais errados.
Ainda faltam algumas tarefas por cumprir: devolução dos HH as misericórdias , lumpenproletarização dos médicos e enfermeiros, redução da oferta minimalista ( vide as redes de referenciação em elaboração ) e promoção do opting-out.
Convite para reunião do Clube Bildemberg, onde o avental não se usa... ao contrário do que alguns pensam. Reforma dourada garantida num grupo financeiro internacional.
Je suis charlie aujourd'hui

11:59 da tarde  

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