Paulo Macedo, se dúvidas houvesse ...
O Governo tem-se entretido com benesses pontuais na Saúde:
30 ambulâncias entregues a corporações de bombeiros, em luzida parada no
inclemente céu de Julho, pagamentos a médicos que, tendo de há muito concluído
concursos, se encontram ainda sem provimento, 22 milhões para 16 mil cirurgias,
abertura de candidaturas a centros de excelência e outras bondades avulsas, tão
merecidas que só espanta terem esperado quatro anos para serem reconhecidas.
E agora, um programa recheado de
piedosas promessas: médico de família para todos, devolução de
hospitais a Misericórdias, livre escolha no SNS, ADSE aberta a trabalhadores do
Estado a recibo verde, enfermeiro de família, mais genéricos. Sem que a palavra
maldita “privatização” venha perturbar os espíritos. Do programa e das suas
admiráveis promessas falaremos noutra ocasião.
Agora enfrentemos a dura
realidade para a qual o Governo fez resvalar o SNS: a penúria financeira dos serviços públicos, nenhuma
reforma que trouxesse ganhos de eficiência e a irrefutável substituição por
encargos das famílias, das dotações financeiras que o Governo nega ao SNS. Nada
melhor que a Conta-Satélite da Saúde, publicada pelo INE em 23 de Julho, que
analisa dez anos de gastos em saúde, entre 2002 e 2012 e segue por 2013 e 2014,
para observar a tendência registada em quase quatro anos de Governo da
coligação.
A conta-satélite agora publicada desmente os fantasmas de
insustentabilidade do SNS que tanto agradam aos nossos mercadibilistas e
documenta o lento mas visível deslizar do financiamento por mais sangria às
famílias e maior fatia oferecida aos privados, na prestação. Portugal
era acusado pela direita de estar entre os países da União que maior
percentagem do PIB gastavam em saúde, um luxo inadmissível num pequeno e
atrasado país. Desde os 9,4% do PIB de 2005 (um meio ano de Sócrates, onde se
pagaram 1,8 mil milhões em dívida, de Santana Lopes), aos 9,9% de Sócrates em
2009, ano de eleições e também de comportas abertas por ordens de Bruxelas, baixámos para os 9,3% em 2012 e 9,1% em
2014, neste final de consulado de Passos. Os antigos profetas da desgraça
que vaticinavam o fim do SNS pela explosão financeira até já se reconverteram
em seus defensores, quando viram que em 2014 a despesa corrente em saúde
cresceu (1,3%), abaixo do PIB (2,2%). De vilão, o SNS
passou a herói da contenção.
A questão seguinte consiste em conhecer o destino da
despesa corrente, se prestadores públicos, se privados. Se o encaminhamento
para os primeiros aumentar, tal significa que o Governo atribui mais elevada
prioridade financeira à saúde do que em exercícios anteriores; se ele baixar,
significa que o Governo decidiu três coisas em simultâneo: gastar menos em saúde comprimindo a dotação do SNS, sacar mais
das famílias e promover a gradual privatização do sistema. Ora a parte
da despesa corrente total que foi para prestadores públicos que havia atingido,
em 2002, 73,3%, (um exercício de quatro meses do PS e de oito meses da
coligação de direita), estabilizou em 71,8% em 2004 e 2005, para se reduzir por
maior eficiência e controlo da despesa, a 69% em 2008, voltando a subir para
70,4% em 2009, caindo após 2011, de forma abrupta, para 66,2%, em 2014. Com tardias correcções de erros anteriores
(subida da hora/médico, mais pessoal nas urgências, vacina contra hepatite C,
ambulâncias novas, mais cirurgias e endoscopias, bem como dívidas de 1,5 mil
milhões de medicamentos e dispositivos médicos, entre outras benesses ainda por
conhecer) não será abusivo pensar que a despesa pública
vá de novo disparar, apenas pelo calendário eleitoral.
O ponto seguinte consiste em saber quem paga estes encargos:
as administrações públicas, as famílias, os financiamentos voluntários
(seguros)? É inegável que com este Governo atingimos em 2014 o mais elevado
gasto das famílias com a saúde em relação ao PIB, um dos maiores da União e até
da OCDE, um terço do financiamento total. Os gastos directos das famílias atingiram
27,7% e se adicionarmos os 5,4% de seguros voluntários chegamos a 33,1%, a que
há que somar ainda a redução dos benefícios fiscais. Alguma redução dos
encargos das famílias, ocorrida em 2013, tem uma dupla e excepcional
explicação: em 2013, as famílias gastaram menos em medicamentos que no ano
anterior, fruto das medidas forçadas de contenção de preços. Certamente também
por ser o ano de “enorme” carga fiscal que reduziu ao osso o rendimento
disponível. Não faltará quem louve o Governo por esta política, mas receio que
se trate de emagrecimento sob pressão. Aliviada esta, abandonada a terapêutica
hormonal, aí vai o gasto em medicamentos disparar de novo. E já cá não estará
este Governo.
Em resumo e em termos nominais, entre 2011 e 2014, a despesa
corrente total em saúde reduziu-se em 1,318 milhares de milhões de euros (MM).
A parte maior da redução coube ao Estado (SNS), 1,145 MM, essencialmente sob a
forma de cortes orçamentais em vencimentos, horas extras, em não substituição
de efectivos e menor gasto com farmácias. As famílias também reduziram os seus
gastos correntes em saúde em 0,173 MM, mas aumentaram a sua parte no financiamento,
naquele período de redução geral de rendimentos.
Onde usaram o seu dinheiro as famílias? Em 2013, 40% em
consultórios médicos, 25% na farmácia, 15% em clínicas e hospitais privados e
10% em dispositivos e outros bens médicos. Comparado com o ano anterior, as famílias
gastaram mais 0,9 p.p. em dispositivos, mais 0,6 p.p. em clínicas privadas e
menos 1,8 p.p. na farmácia, bem como menos 0,8 p.p. em consultórios. De entre
as famílias, a classe média e alta está a frequentar cada vez mais o privado,
não só por este ter melhorado a sua oferta, mas sobretudo pela penúria imposta
ao SNS, que o impede de responder como deveria.
Correia de Campos, JP 03.07.15
Etiquetas: bater no fundo, Paulo Macedo
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home