sábado, dezembro 17

As PPP da Saúde falharam

A primeira das parcerias público-privadas da Saúde com o contrato a terminar nesta legislatura não vai ser renovada. A gestão do Hospital de Cascais pela Lusíadas Saúde não beneficiará de um novo acordo: “Já temos uma decisão tomada. Não haverá negociação directa, e até 31 de dezembro o grupo que tem a gestão clínica será formalmente informado”, revelou ao Expresso o ministro da Saúde numa entrevista que será publicada na íntegra na próxima semana. Mas Adalberto Campos Fernandes garante que o destino de Cascais ainda não está decidido: pondera se devolverá o controlo da unidade ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), como gostariam o BE e PCP, ou se abre um novo concurso internacional, como espera o Presidente da República. 
 “Estão em cima da mesa a reintegração da gestão clínica para o SNS e o lançamento do concurso público internacional com condições e cadernos de encargos que revisitem o modelo e tirem maiores benefícios para o Estado. A seu tempo tomaremos a decisão”, limita-se a dizer o governante. 
 Entre as razões para não manter a Lusíadas Saúde, da brasileira AMIL com participação da norteamericana UnitedHealth Group, está o relatório da Unidade Técnica de Acompanhamento de Projetos (UTAP), que conclui que a gestão privada só continuaria a gerar poupanças para os cofres públicos se o contrato não fosse alterado, como é desejo do Governo. “O estudo faz uma análise de custoefetividade e de custo-benefício para o Estado e conclui que há vantagens no modelo, contudo dez anos depois de o concurso ter sido lançado e de as condições clínicas terem mudado tanto, não serviria o interesse público nem sequer a transparência se não houvesse uma reapreciação”, justifica o ministro. Assim sendo, foi pedido à UTAP para “aprofundar o custo alternativo em função das opções para fazer as avaliações técnicas e políticas em relação às duas opções”, diz. 
 Apesar de a negociação direta estar “completamente descartada” em Cascais, o ministro garante que não foi aberto um precedente para as restantes parcerias público-privadas (PPP) nos hospitais de Braga, cujo acordo tem de ter analisado pelo Executivo até 31 de agosto do próximo ano, Vila Franca de Xira e Loures. “A decisão é sempre política porque é do Governo, mas será baseada nos critérios de análise técnica, no perímetro da legislatura — portanto, só para Cascais e Braga (Vila Franca e Loures só terminam os contratos em 2019 e 2020, respetivamente) — e caso a caso”, garante Adalberto Campos Fernandes.
 Relatório das Finanças decisivo 
 Outra das garantias é a de respeitar o que foi prometido ainda durante o período eleitoral. “No programa do Governo está escrito que a decisão sobre as PPP da Saúde seria objeto de uma decisão política que seria sempre suportada numa avaliação técnica sólida e para nós seria fundamental a avaliação da UTAP do Ministério das Finanças, quer pela sua profundidade quer por ser a entidade técnica que na dupla tutela tem a competência para o fazer. E vamos também cumprir as nossas obrigações decorrentes dos prazos contratuais”. 
 A gestão de uma unidade hospitalar por uma entidade privada até hoje só mudou de mãos uma vez, também com um Governo liderado pelos socialistas. Aconteceu em 2008 quando o então primeiroministro José Sócrates afastou o Grupo Mello Saúde (atualmente a liderar o Hospital de Vila Franca de Xira) da administração do Hospital Amadora-Sintra ao fim de 12 anos, devolvendo-a ao SNS. 
 No Orçamento do Estado para 2017 as parcerias com privados no sector da Saúde são as únicas que vão ter custos maiores, mais €17 milhões atingindo os €448 milhões. Os encargos são contestados à esquerda. “Estamos todos de acordo, até os partidos à direita, sobre a necessidade de introduzir maior eficiência e racionalidade económica no sistema e fazer com que os cidadãos tenham acesso aos melhores cuidados nas condições técnicas e económicas favoráveis para o Estado. O que está em causa é saber se nas PPP a variabilidade da despesa resulta de esforço financeiro puro ou de mais atividade”, explica. E a resposta correta é: “Na Saúde essa variabilidade é documentada pela ampliação da atividade.” 
 O BE tem insistido no último ano na necessidade de acabar com as PPP na Saúde, matéria que não consta do acordo celebrado com o PS. Na semana passada, a coordenadora do BE, Catarina Martins, subiu o tom, afirmando que a proteção do SNS “exige coragem política, necessária para acabar com as parcerias público-privadas da gestão da saúde, cujo prazo acaba durante esta legislatura”. “Nem renovação nem abertura de novos concursos”, acrescenta, em declarações ao Expresso, o deputado Moisés Ferreira. Frisando que a gestão privada preocupa-se mais “em garantir taxas de rentabilidade”, acrescenta que discutir poupanças com privados é “uma discussão perniciosa”, pois essas poupanças podem ter reflexo ao nível dos cuidados de saúde prestados. 
 Costa deu garantias a Marcelo 
Presidente da República não aceita fim das PPP na Saúde. O primeiro-ministro disse-lhe que manutenção dos privados não está em causa Marcelo Rebelo de Sousa considera que, por muita falta de dinheiro que haja, não se pode afrontar o sector privado na Saúde e, se necessário, assumiria o braço de ferro com o Governo pela manutenção das parcerias público-privadas. Não será preciso. Ao que o Expresso apurou, o primeiro-ministro sempre tem dito ao Presidente da República não estar em causa acabar com as PPP na Saúde e a decisão de abrir um novo concurso para o hospital de Cascais é esperada em Belém como certa.
 A convicção na Presidência é que perante as três hipóteses que o Governo tinha ao seu dispor — renovar o atual contrato com privados, devolver o hospital ao Serviço Nacional de Saúde, ou não renovar o atual contrato de parceria mas abrir concurso para uma nova PPP — vai prevalecer a última. “O primeiro-ministro sempre disse ao Presidente que não irá acabar com as PPP”, garantem fontes oficiais ao Expresso.
 Jornal Expresso 2303, 17 de Dezembro de 2016 link 
 As PPP da Saúde falharam 
Os contratos PPP devem ser avaliados segundo o cumprimento dos seguintes objectivos: a) melhoria do acesso; b) melhoria da qualidade dos serviços prestados, em termos de padrões de atendimento; c) qualidade dos projectos de arquitectura, construção e conservação do edifício hospitalar (funcionalidade e conservação das estruturas); d) adopção de modelos de gestão empresarial, eficientes e eficazes, baseados na transferência de riscos para os operadores privados. 
 O estudo da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) concluiu que as PPP da Saúde “apresentam globalmente bons resultados, mas não há diferenças significativas face aos restantes hospitais do Serviço Nacional de Saúde” não se podendo concluir que o modelo é melhor. 
Efectivamente, retirada a propaganda, as PPP da Saúde não trouxeram melhor acesso nem melhoria de qualidade aos serviços hospitalares. 
 Mas a conclusão mais surpreendente da experiência PPP é que a implementação do novo modelo não se traduziu na adopção de modelos de gestão empresarial mais eficientes e eficazes. 
 Tercialização de serviços e centralização das compras, por vezes, com quebra comprometedora das soluções prontas e mais avisadas dos anteriores serviços de maior proximidade. Criação de núcleos amadores promotores de ganhos de eficiência incipientes. Promoção de gestores desconhecedores da globalidade da operação, com dificuldade em trabalhar com a rede colaborativa de prestadores indispensável à prestação de cuidados de saúde de qualidade centrados nas necessidades do cidadão. Muita propaganda. Falha na melhoria da humanização dos cuidados.
 Ganhos de eficiência e de eficácia conseguem-se com investimento e inovação como toda a gente sabe. Os Hospitais PPP, inevitavelmente, norteados pela cultura de valores do grupo accionista, não podem arriscar, não podem comprometer o seu interesse primordial que é, naturalmente, retirar dinheiro do negócio em que investiram. 
 Como é evidente esta cultura casa mal com a governação dos HH Públicos cujo objectivo é reduzir o sofrimento humano e não a produção de cuidados de saúde para clientes. 
 Em conclusão: A decisão mais competente e mais justa é a integração do Hospital de Cascais, Dr. José de Almeida no serviço público. 
Ao contrário do entendimento do presidente da república, não se trata de confrontar o sector privado. Trata-se, isso sim, de tentar a viagem de retorno visando a reposição do equilíbrio do sector da saúde. Suster o processo em curso que visa dar aos privados a hegemonia e estabelecer o primado das regras de mercado do sector da Saúde. Em prejuízo grave da universalidade do sistema. 
 Cultura diferente, objectivos diferentes, a conclusão a retirar só pode ser uma: Pôr termo às PPPs. Que apenas servem aos grandes grupos para acrescentarem escala e transferirem benefícios para as suas unidades privadas. 
 O momento é único. Vamos ter uma grande decisão do Governo da República a marcar positivamente o futuro de todos os portugueses ou vamos assistir a mais do mesmo, a novo contributo para o definhamento lento do SNS. 
Continuamos a acreditar na boa fé do ministro da Saúde ACF quando referiu: «Não queremos um SNS para os pobres. Quando olhamos para o mapeamento da oferta privada, não vemos grandes investimentos em Trás-os-Montes, no Alentejo... Não quero um SNS pago pelos portugueses, com os seus impostos, que obedeça a regras do mercado, porque é imperfeito . O SNS tem uma dimensão nacional de equidade e cidadania e os privados uma dimensão que visa o lucro e mais valias.«Não temos nada contra o desenvolvimento do sector privado, o que temos contra é que exista uma relação entre público e privado que é predadora do SNS. Tem de ser reposto o equilíbrio. Queremos fazer a viagem ao contrário.»
Clara Gomes

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