domingo, março 12

Conveniências

Governo discrimina Hospital de Braga 
 O Hospital de Braga (HB) obteve “excelência clínica” na última avaliação da Entidade Reguladora da Saúde, em todas as áreas, e a classificação máxima do país em oito das áreas clínicas. Esta avaliação nacional mede a qualidade global dos serviços de saúde de todos os hospitais nacionais públicos e privados. 
Ter obtido a classificação máxima do país é motivo de satisfação para quem vive em Braga, até porque a memória colectiva ainda recorda como o velho Hospital de São Marcos, antes de 2009, era insuficiente para servir uma população de mais de 1 milhão de pessoas. 
 A Comissão de Coordenação Regional do Norte, onde tive responsabilidades até 2001, dispunha de um Núcleo de Planeamento Regional de Saúde que cruzava informação estatística de saúde com outros indicadores de natureza social. Facultava pistas para que o próprio Ministério da Saúde pudesse actuar de forma mais equitativa e justa no acesso à Saúde. 
 Já na altura ficava surpreendido por o atendimento à população minhota, apesar do seu elevado peso demográfico, ser muito inferior à média do país. Alguma coisa não estava certa na decisão política. Esses dados foram úteis para o prof. Joaquim Sá Machado justificar a oportunidade da nova Escola de Ciências de Saúde na Universidade do Minho, hoje reconhecida pela qualidade do ensino e pela excelência da investigação clínica que desenvolve, o que confere também ao HB carácter universitário. 
 Apesar do grande salto qualitativo na oferta regional de serviços de saúde, há ainda disfunções que merecem ser esclarecidas. A recente auditoria à execução do contrato de gestão do HB em parceria público-privada (PPP) do Tribunal de Contas, constatava que o novo hospital aumentou muito a oferta de cuidados de saúde à população. 
 Em seis anos, as consultas externas aumentaram 99% e o internamento e a cirurgia de ambulatório mais do que duplicaram em relação às previsões iniciais. A gestão tem sido eficiente na utilização dos recursos, tanto ao nível do custo operacional por doente padrão, o mais baixo dos hospitais do SNS, como no financiamento atribuído pelo Estado por doente entre os hospitais de gestão pública. 
 No entanto, o HB apresenta um preocupante aumento das listas de espera para primeiras consultas e para cirurgias, respectivamente 68% e 54% nos últimos 30 meses, que são das mais elevadas do Norte. AARS Norte, invocando indisponibilidade orçamental do país, não tem permitido ajustar a produção contratada à procura real. Se as recomendações do TdC fossem cumpridas, o crescimento na espera seria estancado e reposta alguma equidade. 
 Entretanto, o quadro de incerteza mantém-se. Estamos em março e ainda não são conhecidos os valores de serviços a contratar para 2017. O HB, nos últimos seis anos, tem revelado capacidade de reação e não tem deixado de corresponder à procura excedentária. 
 A actividade extra ultrapassa muito os valores contratados, mas não deixa de ser feita. Porém, é paga com um desconto de 35%. Contratar abaixo da procura e remunerar abaixo dos custos reais são práticas inaceitáveis que podem pôr em causa a sustentabilidade económica da parceria estabelecida. 
 Não me move qualquer posição de princípio a favor ou contra as PPP da Saúde, mas receio que, com esta falta de clareza, mais uma vez a população de Braga esteja a ser tratada de forma assimétrica em relação ao resto do país. 
Expresso n.º 2315, 11 de Março de 2017 
Todos sabemos como decorreu a adjudicação do HB e as dificuldades ocorridas desde o seu arranque. link 
O grupo vencedor Escala Braga (que integra a JMS), apresentou a concurso uma proposta inicial de 1.019 milhões de euros, 14.1% abaixo do Custo Público Comparável (1.186 milhões de euros). Na 2.ª fase do concurso baixou para 794 milhões de euros, menos 225 milhões, ou seja, 22% abaixo do CPC. O que não impediu que o projecto fosse adjudicado. Correia de Campos , reconheceu, depois de ter saído do MS, em entrevista ao DE, que esta situação o trazia angustiado. 
 Sobre o actual conflito de interesses as conclusões da última auditoria do TC são claras: «A operação do Hospital de Braga tem-se traduzido no aumento da oferta de cuidados de saúde à população: as consultas externas aumentaram cerca de 99% entre 2009 e 2015 e a actividade do internamento e ambulatório, médico e cirúrgico, mais do que duplicou face às previsões iniciais. 
 Este aumento da produção hospitalar não tem sido totalmente reflectido nos valores acordados anualmente entre a Administração Regional de Saúde do Norte (Entidade Pública Contratante - parceiro público) e a Entidade Gestora do Estabelecimento (parceiro privado), em resultado das alegadas “restrições orçamentais impostas pelos Orçamentos de Estado”, reconhecidas e aceites pelas partes. 
A Administração Regional de Saúde do Norte e a Entidade Gestora do Estabelecimento têm acordado valores de produção anual que pressupõem: 
 • a insuficiência da actividade contratada para responder às necessidades conhecidas de cuidados de saúde da população da área de influência do Hospital, tendo-se verificado o aumento das listas de espera e dos tempos de espera para consultas e cirurgias; 
 • a realização pelo Hospital de Braga de natividade pelo qual não é remunerado, quando esta supera o nível de serviço contratado. 
Assim, as partes não têm atendido às necessidades de cuidados de saúde da população, na medida em que têm concordado em contratualizar uma produção que ambas sabem ser insuficiente para corresponder a essas necessidades. 
A título de exemplo, caso as partes não tivessem chegado a acordo quanto à contratação para 2016, a produção que viria a ser contratada, por via dos mecanismos contratuais previstos, seria, na globalidade, superior em pelo menos 23% face à contratualizada7 , o que beneficiaria os utentes do Hospital e a sustentabilidade imediata da sociedade gestora. 
Assim, a opção do parceiro público por restringir a produção contratada resulta das “razões de comportabilidade orçamental” evocadas pelo parceiro público e pelo Ministro da Saúde, em sede de contraditório. Já a acomodação, por parte do parceiro privado, destas restrições orçamentais, tem de explicar-se pela racionalização que o mesmo faz do conflito, isto é, pela gestão do tradeoff entre a rendibilidade imediata e a rendibilidade futura fundada na expectativa da eventual renovação do Contrato de Gestão. 
O Tribunal alerta que os “termos e condições equilibrados” aos quais o parceiro privado alude, quando aborda a questão da eventual renovação do Contrato de Gestão, sugerem que este está a “investir” na renovação do contrato, em termos diferentes dos atuais, que lhe permita a recuperação de perdas incorridas ao longo do contrato atualmente em execução.» link 
 Moral da história: Para o parceiro privado o tempo é de “aguenta, aguenta!”, na expectativa de eventual renovação do Contrato de Gestão. 
Para o ministro da saúde tudo se resume a uma questão de partilha de riscos: «Quando se fazem parcerias público-privadas (PPP) parte-se do princípio que há uma partilha de risco. Se o operador entende que sempre que há alterações das condições de procura esse risco tem de ser reapreciado, então o Estado não beneficia nada com a partilha de risco. É importante que os hospitais em regime de PPP tenham a noção de que os termos dos contratos têm de ser assegurados, nomeadamente em tempos de espera e em gestão de listas de acesso.» link
Aos utentes compete engrossar as listas de espera na esperança vã que o Estado, desta vez, decida bem em favor do SNS com a passagem do HB para a gestão pública. 
Clara Gomes

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