Saúde, negócio de milhões
A reunião realizou-se num restaurante de frutos do mar moderadamente caro em Sarasota, Flórida, com toalhas de mesa de linho e grandes janelas com vista para a baía. O sol ainda estava alto. Barcos a motor reluzentes ladeavam as docas e uma brisa morna ondulava a água. De um lado da mesa estavam Burlakoff e Tracy Krane, uma representante de vendas do laboratório Insys. Krane era uma novata na indústria, alta com cabelos castanhos escuros apanhados num carrapito. Burlakoff, então com 38 anos, era seu novo chefe com largos anos de experiência no mercado de opióides. Os colegas maravilhavam-se com a sua ousadia para realizar vendas e o seu irresistível carisma. Até mesmo as pessoas que não confiavam nele não podiam deixar de gostar dele.
Do outro lado da mesa, Chun, 49 anos médico com excelentes credenciais: treinado na Universidade de Washington, no Cornell Medical College e no Memorial Sloan Kettering Cancer Center. Havia-se casado na Igreja Presbiteriana da Quinta Avenida, em Manhattan, com uma violinista treinada na Juilliard, filha de um ex-chefe executivo da Korean Air. Divorciado recentemente, a convite de Burlakoff, trouxera a namorada, uma jovem de vinte e poucos anos, para jantar. Para o laboratório Insys, Chun era o tipo certo de médico a conquistar.
No final dos anos 90, as vendas de opiáceos prescritos registaram uma subida rápida. Mas, em 2012, o crescente escrutínio regulatório e a mudança da opinião médica estavam diminuindo o número de prescritores de opióides. Chun era um dos defensores, um verdadeiro crente do tratamento da dor com narcóticos. Em 2015, 95% dos pacientes do Medicare que ele assistira tinham pelo menos um tratamento de opióide prescrito. Chun também era um dos principais prescritores de uma pequena classe de analgésicos cujo principio ativo é o fentanil, que é 50 a 100 vezes mais potente que a morfina. O produto de Burlakoff era uma nova entrada desta classe. Numa “lista de alvos”, com origem em dados da indústria que circulavam internamente na Insys, Chun ocupava o terceiro lugar. A palavra certa dentro da empresa para um médico como Chun era “baleia”.
Depois de breve referência às virtudes do novo medicamento, Burlakoff, finalmente, revelou o verdadeiro propósito do jantar. Ele tinha uma proposta a fazer. A Insys queria assinar com Chun um programa de palestras da empresa, que decidira dar início.
Nos USA, os programas de palestrantes são ferramentas de marketing amplamente utilizadas no setor farmacêutico. Os fabricantes de medicamentos recrutam médicos para fazer palestras pagas sobre os benefícios de um produto para outros potenciais prescritores, em sessões realizadas em clínicas ou num jantar numa área reservada de um restaurante. O programa de palestrantes proposto a Chun , mais ambicioso, revelou-se na prática um esquema eficaz de pagamento de prémios aos maiores promotores do negócio.
Burlakoff deixou o jantar de bom humor, confiante que Chun aceitaria a sua proposta. Efectivamente, o médico tornou-se palestrante do Insys no final daquele ano, e as vendas melhoraram, não só no escritório da Chun na Flórida, mas também em todo o país, à medida que mais médicos aderiam ao programa. No ano seguinte, segundo a empresa, a receita líquida das vendas da Subsys aumentaria em mais de 1.000%, para US $ 95,7 milhões. ...
O consumo de opiáceos, tornou-se a epidemia de drogas mais mortal da história americana, tendo evoluído significativamente ao longo das últimas duas décadas. O que começou como um aumento acentuado nas overdoses de prescrição foi eclipsado por um aumento assustador nas mortes causadas principalmente por opiáceos sintéticos e heroína sintéticos fabricados ilicitamente, com um total de mortes por opiáceos de 42.249 em 2016 (33.091 em 2015). Os medicamentos controlados e o programas de marketing que alimentam as suas vendas continuam a ser a contribuição maior para esta crise. A heroína foi responsável por aproximadamente 15.000 mortes por opióides em 2016, por exemplo. Até quatro de cada cinco usuários de heroína começaram a consumir opióides prescritos.
NYTimes, “ The Pain Hustlers"
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Merece a pena ler todo o trabalho. Quando no nosso país decorre o debate sobre a Lei de Bases da Saúde, onde parece haver, cada vez mais, interessados em transformar o SNS num negócio de muitos milhões, liderado por um pequeno núcleo de empresas na maioria internacionais. E, onde corremos o risco de assistir a uma viragem de costas do PS a António Arnaut para firmar um pacto de regime com os parceiros de bloco central PSD/CDS.
A história recente do PS já demonstrou tratar-se de um partido capaz do melhor e do pior.
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Ministro da Saúde sobre a greve: médicos "têm razão na maior parte das coisas que pedem"
Greve dos médicos começa nesta terça-feira. Adalberto Campos Fernandes respeita o protesto, mas diz que não se pode resolver tudo ao mesmo tempo.
O ministro da Saúde relativizou nesta segunda-feira a greve dos médicos que começa na terça-feira, considerando-a "um processo e afirmação de vontade e expectativas" que o Governo respeita.
Adalberto Campos Fernandes falava aos jornalistas após participar na apresentação dos resultados do desafio "STOP Infecção Hospitalar!", na Fundação Gulbenkian.
Também questionado pelos jornalistas o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, igualmente presente na cerimónia, disse apenas que a greve faz parte da "legalidade da vida democrática".
O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e a Federação Nacional dos Médicos (FNAM) marcaram uma greve para terça, quarta e quinta-feira, em protesto pelo que dizem ser a degradação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e das condições de trabalho dos médicos. Ao dizer que respeitava os sindicatos, Adalberto Campos Fernandes acrescentou que "se os profissionais têm razão na maior parte das coisas que pedem" cabe ao Governo governar, sendo que não se pode resolver tudo ao mesmo tempo e o SNS tem que perdurar "por mais 10, 15 ou 20 anos e em boas condições".
O ministro disse que muitas vezes não é possível aceder a todas as reivindicações, que não é apenas no sector da Saúde que há greves, negou que haja actualmente um desinvestimento no SNS e deu exemplos de investimentos que têm sido feitos em diversos sectores.
Nas declarações aos jornalistas o ministro salientou sempre que é fundamental para o SNS ser-se responsável, que um governo responsável não toma opções que possam comprometer o futuro, e disse que "já se avançou muito em diferentes frentes profissionais" e que não se pode comprometer o que se ganhou até agora. O ministro salientou o acordo de sexta-feira com os sindicatos que representam os trabalhadores de saúde das carreiras gerais, um sector que tem sido "esquecido".
LUSA 7 de Maio de 2018
Houve um tempo em que os ministros da Saúde procuravam, até ao último minuto, a via da negociação como forma de evitar as nefastas consequências para a população de uma greve na Saúde. Hoje vive-se um tempo em que o ministro da pasta, devidamente secundado, se conforma e, pasme-se, até concorda com as razões da greve dos sindicatos médicos.
É caso para perguntar, onde estará hoje ACF, no seu gabinete de ministro ou, de bata branca, no meio dos manifestantes na João Crisóstomo? E o PR, em Belém ou a consolar e distribuir vales cirurgia/consulta aos concidadãos que pela enésima vez vão ter a consulta ou a cirurgia adiadas?
Num tempo de “bota abaixo”, é do mais profundo desânimo o momento dos que trabalham e vestem a camisola, no Serviço Nacional de Saúde.
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