sábado, novembro 17

Quem não chora ...

As parcerias público-privadas (PPP) na saúde não são o negócio da China para os grupos que as ganharam, mas mesmo assim os privados não afastam a hipótese de voltar a jogo nos futuros concursos para a gestão de hospitais.
Dimensão, economias de escala, maior capacidade negocial (até junto da banca), reputação (apesar do risco associado), massa crítica em termos clínicos, tarimba em gestão hospitalar, acesso a um corpo clínico ‘fixo’ que permite ter projetos diferenciadores (de investigação, por exemplo), são vantagens importantes. Apesar de todos perderem dinheiro, José de Mello Saúde – JMS (Hospitais de Braga e de Vila Franca de Xira), Luz Saúde (Hospital de Loures) e Lusíadas Saúde (Hospital de Cascais) admitem continuar nas PPP. Mas não a qualquer preço.
O peso das parcerias no seu volume de negócios é significativo, sobretudo na JMS, onde Vila Franca de Xira e Braga valeram, em 2017, quase 48% dos proveitos operacionais. Na Luz Saúde, Loures traduziu-se em 18% e na Lusíadas Saúde, Cascais representa 25% (valores de 2018). No ano passado, com as PPP, os Mello registaram proveitos operacionais de €637,4 milhões, a Luz Saúde obteve €483,8 milhões (estariam taco a taco sem as parcerias) e a Lusíadas Saúde estima fechar 2018 com €300 milhões de faturação.
De acordo com dados das empresas, em Loures, no primeiro ano (2012), a então Espírito Santo Saúde (hoje Luz Saúde, após ter sido comprada pela Fidelidade, do grupo chinês Fosun) teve €12 milhões de prejuízo e, anualmente, as perdas oscilam entre os €2,5 milhões e os €3 milhões. Já em Cascais, apesar de hoje a parceria já gerar retorno, a Lusíadas Saúde calcula um prejuízo de €13 milhões caso o contrato terminasse este ano. Mas o cenário pior é em Braga, onde a JMS aponta para perdas na ordem dos €50 milhões até ao fim do contrato, em agosto de 2019. Em Vila Franca de Xira as contas estão marginalmente positivas.
Os três reclamam equilíbrio nos contratos. Porém, a tutela lembra que foram os privados que colocaram o preço quando concorreram às PPP. “Os contratos de gestão não beneficiam nem prejudicam nenhuma das partes. Houve uma transferência de risco do sector público para o sector privado que foi reconhecido e aceite pelos parceiros privados (...) que estabeleceram os preços unitários dos diferentes atos médicos, em sede do concurso”, sustenta fonte oficial da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARS de LVT), que tem a seu cargo três PPP (Loures, Vila Franca de Xira e Cascais).
“Foi um preço para ganhar”, assume Vasco Luís de Mello, presidente do Conselho de Administração dos Hospitais de Braga e de Vila Franca de Xira, em relação à proposta que fizeram no concurso público (menos €392 milhões face ao comparador público, o custo estimado pelo Estado para fazer e gerir a mesma unidade), mas recusa que seja essa a origem das dificuldades financeiras. A operação de Braga esteve à beira da falência, a unidade quase foi entregue ao Estado e o Grupo José de Mello teve que estancar a hemorragia com injeções de capital. “Em 2014 e 2015 tínhamos as contas marginalmente positivas nas duas PPP, mas em 2016 deixámos de ter acesso ao financiamento do HIV e da esclerose múltipla. Esse facto alterou tudo. Em Braga são cerca de €8 milhões, por ano”, adianta o gestor. Durante três anos, a ARS do Norte pagou-lhes o HIV (na esclerose foram dois anos) através de um financiamento autónomo, mas depois o entendimento mudou. O caso está em tribunal arbitral e, devido ao possível impacto nas contas públicas, os €33 milhões pedidos pelos Mello são mencionados na proposta de Orçamento do Estado para 2019. 
Quando dez euros fazem diferença
Em Loures, o cenário nunca foi tão negro como em Braga, mas gerir no vermelho é uma tensão permanente, refere Artur Vaz, administrador executivo do hospital. “Não discutimos cêntimos em comissão executiva, mas discutimos mais ou menos 10 euros numa despesa específica”, assegura. O administrador também garante que não foram otimistas na proposta. “Demos um preço razoável, cerca de 20% inferior ao comparador público”. E, tal como a JMS, a Luz Saúde considera legítimo receber além do contrato pelo tratamento dos doentes com HIV. A estes encargos, Artur Vaz acrescenta os salários dos internos (médicos que estão a fazer a especialidade) — “que nos são enviados pela tutela e nós não podemos recusar”. Juntos, HIV e internos têm um impacto anual de cerca de €5 milhões nas contas. “Nunca teríamos resultados negativos se estes dois programas [de financiamento] se aplicassem”, sustenta. Porém, o diferendo relativo aos internos foi dirimido em tribunal arbitral e a Luz Saúde perdeu.
Já em Cascais estas questões não se colocaram, porque o contrato não previa o HIV e, por isso, o hospital tem um protocolo anual “de €10 de milhões para tratar os doentes nesta área (cerca de 1200)”, menciona Vasco Antunes Pereira, presidente da Lusíadas — Parcerias Cascais. Mesmo assim, a operação sofreu percalços. “O Hospital de Cascais fez um percurso enorme”, frisa Vasco Antunes Pereira. Chegou a estar em cima da mesa, tal como em Braga, o Estado assumir a gestão devido às dificuldades financeiras. Em 2013, a Amil comprou a Hospitais Privados de Portugal à Caixa e, nesse mesmo ano, a companhia brasileira passou para as mãos do colosso norte-americano UnitedHealthcare. “A United é especialista em saúde e aquilo que foi posto em prática foi esse conhecimento. Tivemos de arrumar a casa”, refere o presidente da Lusíadas Saúde. Hoje, “a operação é sustentável e dá retorno ao acionista, temos uma margem operacional positiva significativa”, mas “projeta-se que, apenas no final do ano 2020, a PPP de Cascais possa atingir o break-even”.
Em média, a gestão privada poupa cerca de 20% ao Estado, segundo um estudo de 2016 da Católica Lisbon School of Business & Economics, feito a pedido da JMS e da Lusíadas Saúde. Entre 2012 a 2015, em Braga poupou-se entre €100 milhões a €130 milhões e, no mesmo período, em Cascais o ganho foi entre €53 milhões e €72 milhões, diz o relatório. Porém, os dados da ARS de LVT, enviados ao Expresso, são mais modestos: “A PPP no Hospital de Cascais permitiu uma poupança acumulada, no período de 2011 a 2015, de aproximadamente €40,4 milhões (...) são 13,6% menos face aos custos totais que se estima se [a unidade] tivesse gestão pública”. Em relação a Loures e a Vila Franca de Xira, a ARS de LVT não dá dados porque as duas parcerias estão agora a ser avaliadas. A ARS do Norte também não revela informação sobre Braga, mas olhando para o último comparativo dos custos por doente padrão nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o hospital é o mais eficiente do país.
Uma década de gestão privada
Os dois primeiros contratos de dez anos de gestão clínica estão a terminar e o Governo quer lançar novos concursos públicos. No final do ano, acaba o acordo em Cascais e a Lusíadas Saúde aceitou ficar até mais três anos até a tutela ter pronto o novo caderno de encargos. “Trata-se de um trabalho complexo de grande exigência que, no caso do Hospital de Cascais, tem uma importância superior na medida em que sendo este contrato o mais antigo, assente num caderno de encargos com mais de 12 anos, há que adaptar o mesmo aos novos conceitos e novas práticas existentes no SNS”, justifica a ARS de LVT.
A JMS também foi convidada pelo Governo a permanecer em Braga, por mais dois anos. A empresa está disponível mas, antes de ‘assinar’, pede condições de equilíbrio financeiro. O Expresso apurou que o desfecho desta negociação só deverá ocorrer depois da decisão do Tribunal Arbitral sobre o diferendo relativo ao HIV e à esclerose múltipla, que deverá sair em breve. ...
Expresso 17.11.18
As PPP da Saúde, cumprida a primeira etapa de existência em que ganharam «Dimensão, economias de escala, maior capacidade negocial (até junto da banca), reputação (apesar do risco associado), massa crítica em termos clínicos, tarimba em gestão hospitalar, acesso a um corpo clínico ‘fixo’ que permite ter projetos diferenciadores (de investigação, por exemplo)», preparam novo patamar de crescimento, novos concursos e revisão de contratos. Mais do mesmo à pala do Estado.
Para já, o choradinho de muitos milhões de prejuízo ajuda na perfeição. 
Levadas ao colo do Estado, o processo PPP da Saúde tem dado para tudo: Concursos ganhos com propostas muitos milhões abaixo do comparador público (PPP de Braga, €392 milhões), pechinchas (compra do grupo da CGD, Hospital de Cascais incluído, por 85,6 milhões de euros (Amil) link; drenagem de milhares de profissionais do SNS (administradores, técnicos, médicos, enfermeiros); corropio de vemda de participações (edifícios hospitais Braga e VFX, vendidos à Aberdeen; Hospital Beatriz Ângelo, vendido à Fidelidade, controlada pelos chineses da Fosun; venda do edifício Hospital de Cascais (abril 2018) por 19,4 milhões de euros à gestora de fundos 3i Invesments). 
Sobre a decepção do projecto das PPP da Saúde, Francisco Ramos, actual secretário de estado da saúde, é claro: «Na minha avaliação pessoal, acho que (PPP Saúde) ficaram longe de demonstrar os benefícios que se poderiam esperar de um tipo de gestão diferente. Acho que esse aspecto falhou e portanto precisa de ser revisitado. Sem uma fortíssima reavaliação, não faz sentido (promover mais PPP). Eu esperava que os modelos de gestão hospitalar tivessem dado um salto qualitativo graças a inovação trazida pelas PPP. Mas não conheço nenhum sítio onde isso tivesse acontecido.»  link
Clara Gomes

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