foto jornal público
Bastonário da Ordem dos Médicos, considera um absurdo a tentativa do Governo de regular a contratação de médicos através de empresas privadas
Pedro Nunes contesta as intenções da tutela: “o problema é mais vasto, isto limita-se a aplicar uma tabela, quanto muito provoca algum conforto aos administradores dos hospitais - que tanto clamaram que eram capazes de administrar os hospitais melhor do que os médicos - e agora precisam de se colocar por baixo do chapéu de chuva Governo para que o Governo os proíba de pagarem aquilo que eles sabem que têm que pagar”. O bastonário acusa ainda o Governo de assumir posições contraditórias e considera que as medidas agora conhecidas provam que o caminho da empresarialização dos hospitais está errado.
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Há muito que a Ordem dos Médicos foi perdendo qualidade na sua representação formal. Longe vão os tempos em que, à sua frente se sucediam figuras gradas da Medicina Portuguesa respeitáveis e respeitadas. Esta evolução não tem sido favorável ao sistema de saúde na sua mais larga amplitude. Com efeito, o país teria muito a ganhar com uma representação qualificada que fosse capaz de intervir na discussão dos grandes temas que atravessam o sistema de saúde. Dessa circunstância beneficiariam, em primeiro lugar, os médicos mas também, claramente, os utentes do sistema e os cidadãos em geral.
Vivemos outro tempo. Ao invés dessa circunstância somos confrontados com uma enorme fragilidade bem ilustrada pelo que tem sido o corrupio de intervenções avulsas do Sr. Bastonário - primeiro, a propósito de um alegado prolongamento de internamentos nos hospitais, depois a propósito da medida do Governo de regular a aquisição de trabalho médico, através de empresas, por parte de Instituições do SNS.
Após se ter referido a factos (altas proteladas) que, objectivamente, desconhece como “manipulação miserável” ameaçando punir, arbitrariamente, os médicos que ousassem pactuar com aquele tipo de práticas (como se em matéria de punição disciplinar alguém levasse a sério o Sr. Dr. Pedro Nunes) veio agora pronunciar a “pérola” de retórica acima ilustrada. Faz pena ver o primeiro representante dos Médicos portugueses fazer uso de uma linguagem pobre, panfletária contaminada pelo verdete do léxico sindical em que foi doutrinado. Não discute factos nem ideias, antes pelo contrário, pronuncia um discurso suportado em “slogans” no qual, nunca consegue disfarçar, o seu verdadeiro inimigo – um sistema público moderno, eficiente e acessível. Se assim não fosse, provavelmente, já o teríamos ouvido ameaçar excomungar os médicos que participam em processos de selecção adversa, interrupção abrupta da relação médico-doente por razões financeiras (doentes oncológicos do sector privado) entre muitas outras situações.
É, por isso, pouco provável que, alguma vez, lhe ouçamos um reparo, pequeno que seja, sobre o sector privado, rotulado de complementar (sobretudo do rendimento dos profissionais) ou sequer das falhas do “paradigma sonhado” de um imenso sistema convencionado financiado, directamente, pelo dinheiro dos contribuintes.
Quanto à sanha exaltada relativamente à empresarialização ficamos curiosos se também será tão crítico das PPP’s com gestão clínica (expressão máxima da dita empresarialização) ou, se pelo contrário, como neste caso os gestores são privados não lhe é conveniente pronunciar-se.
Compreendemos, tal rebuço. De facto três anos sucessivos sem orçamento rectificativo, compressão dos custos a um dígito com sinais de alívio sobre a sustentabilidade do SNS comprometem muita coisa. Para aqueles que querem “desfazer” o SNS e retalhá-lo aos bocados dispersando o seu espólio pelas negociatas, saciadoras dos interesses particulares, o pior que pode acontecer é contrariar a insustentabilidade, saldar as dívidas, modernizar as infra-estruturas ou melhorar o acesso.
Os últimos anos trouxeram, para o Sr. Bastonário, um grande número de sinais de inquietação. Por um lado, um discurso político menos ambíguo e mais centrado no interesse público por outro, a evidência (agravada pela crise do liberalismo) de que o Estado tem de estar presente, ser eficaz e garantir a qualidade. Com isso esboroam-se as ilusões construídas à volta de um grande mar de PPP’s e de um apetitoso espólio público entregue, de mão beijada, ao sector convencionado.
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