Reforma dos CSP (2)
Fundamental, esta questão do financiamento dos CSP's.
As vias possíveis da capitação, das transferências do OE para o SNS, do aumento da contribuição directa, do seguro social, etc. são múltiplas e, esta diversidade de modelos, não parece (internacionalmente) suficientemente testada, logo, ainda estará distante de consensos.
De qualquer maneira os ganhos de saúde passarão sempre por um processo de integração (entre os CSP's e os HH's). A palavra de ordem no sistema, estou convicto, será: a integração. De cuidados, de custos, de resultados, etc. Provavelmente, é também por aqui que o estudo da sustentabilidade do SNS começa.
O êxito da reforma em curso dos CSP's poderá vir a condicionar tudo.
Como a solidez dos alicerces determina a volumetria do edifício a construir ou, no caso vertente do SNS, a capacidade e o âmbito intervenção no restauro, na reformulação e no adaptar aos novos desafios.
O grande desafio será o "aliviar" das tensões que se geraram à volta do financiamento do SNS, sem hipotecar ou desvirtuar, à mercê de governos (todos, mais ou menos efémeros), o conteúdo constitucional (o mais duradouro) da política social do Estado, neste sector.
Ter, finalmente, o bom senso de não introduzir demasiado dinamite na reformulação das estruturas que, inusitadamente, leve o SNS a uma "implosão". Isto é, evitar a reprodução daquele aforismo popular: "não morreu da doença, morreu da cura".
a) O que tem sido feito para assegurar o êxito do processo de integração dos CSP's e os HH's?
Luís Pisco: O conceito de Unidade Local de Saúde como instrumento de coordenação e interligação de serviços com autonomia e culturas organizacionais e socio-técnicas próprias, para assegurar a organização e a prestação de cuidados centrados nas pessoas, parece ser uma boa linha de trabalho a prosseguir, tendo em conta os antecedentes e o estádio actual de desenvolvimento do SNS. A questão chave não parece estar numa administração “comum”, mas no desenvolvimento de mecanismos de coordenação eficazes que respeitem as dinâmicas de desenvolvimento próprias das instituições envolvidas.
A ideia de que os problemas de articulação entre Hospitais e Centros de Saúde se resolvem com uma administração “comum” parece ser uma ideia simplista e de tipo burocrático, descentrada dos focos essenciais do sistema: o cidadão e a comunidade.
O sistema de saúde, como serviço para o cidadão, tem de aperfeiçoar uma gestão integrada que elimine barreiras e garanta fluidez nos circuitos que o utente ou o doente necessitem de percorrer ao longo dos cuidados primários, dos cuidados hospitalares ou dos cuidados continuados.
Desenvolver e consolidar alguns mecanismos que visem ganhos de eficiência através da economia de escala em alguns aspectos logísticos (aprovisionamento, apoios técnicos, sistema de informação, etc.) não obriga, necessariamente, à gestão comum de serviços com profundas diferenças de cultura e métodos.
Hospitais e Centros de Saúde, apesar de complementares, são hoje organizações com características e culturas sócio-técnicas muito distintas e em permanente diferenciação e sofisticação em sentidos diversos.
Essa diferenciação, é útil para a adequação e qualidade dos cuidados que ambos prestam à população.
b) O fracasso desta integração não poderá comprometer o alcance, o êxito de todo o processo?
Luís Pisco: Na óptica da MCSP a reforma dos CSP não passa pela sua integração nos cuidados hospitalares. Podemos falar de gestão única mas mesmo as experiências até hoje efectuadas - ULS – não mostraram qualquer vantagem em termos de redução de custos e de eficiência na prestação de cuidados. Pelo contrário, se comparadas com outros modelos, como o RRE (regime remuneratório experimental), evidenciaram aumento de custo das consultas por utente, menor eficiência, em síntese mostraram a “hospitalização” dos CSP. Há que separar e reorganizar em áreas distintas e implementar a sua articulação na prestação de cuidados com vista ao completo aproveitamento das capacidades instaladas no SNS.
Os custos do SNS derivam essencialmente da prestação de cuidados hospitalares, dos exames complementares de terapêutica e de diagnóstico e da medicação. Há, pois, a montante que intensificar a prestação de cuidados (CSP) prevenindo o encaminhamento constante dos cidadãos para cuidados curativos ou de intervenção especializada. Essa intensificação passa ainda por uma educação dos cidadãos operada pelos profissionais.
Mostra-se urgente alterar a filosofia de encarar a relação cuidados primários – cuidados hospitalares. Os hospitais têm por missão prestar os cuidados especializados que os cuidados primários não conseguem dar resposta por falta dos meios sofisticados ou da competência técnica exigida. Até ao momento a prática tem mostrado que os cuidados primários são uma espécie de grande serviço de urgência dos hospitais. Nem sequer se tentou rentabilizar os recursos existentes trazendo o especialista ao Centro de Saúde mas pelo contrário encaminhando tudo e todos para o hospital. Deste modo um mês depois da inauguração de um hospital o serviço de urgência rompe pelas costuras, as enfermarias ficam a abarrotar e não respondem às solicitações dos utentes e, consequentemente, as listas de espera aumentam exponencialmente quer para consulta quer para internamento.
Nota: Constituição da equipa nacional da MCSP link
Etiquetas: CSP
4 Comments:
MCSP - Equipa Nacional
Luís Augusto Coelho Pisco
Licenciado em Medicina
Especialista em Medicina Geral e Familiar
João Manuel da Silva Moura dos Reis
Licenciado em Medicina
Especialista em Medicina Geral e Familiar
José Luís Carreira Nunes
Especialista em Medicina Geral e Familiar
Armando Brito de Sá
Licenciado em Medicina
Especialista em Medicina Geral e Familiar
Carlos Alberto de Jesus Nunes
Licenciado em Medicina
Especialista em Medicina Geral e Familiar
José Miguel da Conceição Fragoeiro
Licenciado em Direito
Inspector Superior Principal da Inspecção-Geral da Saúde
Horácio Mendes Covita
Licenciado em Psicologia Social e das Organizações
João Nunes Rodrigues
Licenciado em Medicina
Especialista em Medicina Geral e Familiar
Cristina Maria da Costa André Correia
Licenciada em Enfermagem
Especialista em Enfermagem de Saúde Pública
Maria do Carmo Ferreira
Licenciada em Enfermagem
Enfermeira Especialista em Enfermagem de Saúde Pública
Maria Manuela Branco da Silva
Licenciada em Enfermagem de Saúde Pública
António Rodrigues
Licenciado em Medicina.
Especialista em Medicina Geral e Familiar.
Excelentes respostas do Dr. Pisco.
Sublinha-se a solidez técnica do entrevistado, a defesa empenhada da sua dama (cuidados primários) e da viabilização das USF através de adesão voluntária dos clínicos gerais.
Fundamenta bem a recusa das ULS. É pena que não apresente os números de que dispõe que mostram a menor performance face às RRH, ficaríamos a saber o quanto, em quê e quem. Se as referências são para a ULS Matosinhos então a conclusão será preocupante, pois também o hospital tem custos superiores à média (cadé a vantagem do modelo?).
Algumas afirmações são um pouco naiifs:
«O trabalho em equipa acabará por conduzir à exclusividade». O caminho deveria ser a separação de águas, o que até o líder da oposição veio defender, convidando-se os clínicos à dedicação plena ao SNS.
Na igualdade de tratamento e equidade afirma: «a criação dos agrupamentos de CS … vai corrigir essa situação pois é sua responsabilidade criar acesso e esbater assimetrias…». Se a questão fosse atribuir a responsabilidade o problema nunca tinha chegado a existir.
«O sector público tenderá a rentabilizar os recursos». Se não houver mais e melhor gestão, despartidarizada e com avaliação objectiva, continuaremos muitos anos a afirmar que tenderá…
Não parece haver contestação ao modelo defendido (USF). O mesmo não se pode dizer do processo de mudança, que apresenta motivos de preocupação:
- Passado todo este tempo, só agora os incentivos irão ser «regulamentados e …negociados com os parceiros sociais». Em modelo que defende a adesão voluntária não devia ser resolvido logo de início?
- Apesar do número reduzido de USF não foram ainda «avaliadas e comparadas» (satisfação de utilizadores e profissionais, qualidade?). O que garante que no futuro, quando forem várias centenas, todas irão ser oportunamente avaliadas?
- Qual o motivo de tanta lentidão na concretização das USF e o que se está a fazer para contrariar?
- Se «a reforma não cabe nesta legislatura» quantas legislaturas serão necessárias para eliminar o problema, sabendo-se que o número actual de MF até é suficiente?
Não nos respondem, por favor, que o problema tenderá a resolver-se.
O que de mau pode suceder na saúde deve-se, afinal à Comunicação Social, segundo foi dito hoje.
Assim sendo, e antes de continuar a comentar os textos postados, acho que devemos saber se o Saúde SA é "órgão de comunicação social". É que estou a pensar fazer apenas comentários positivos! Não gosto de más companhias como, ao que parece(?) são os órgãos de comunicação social.
UMA ACHEGA (necessária)
As questões colocadas ao coordenador da MCSP, a partir de comentários que por aqui fui produzindo, em meu entender, não terão sido bem entendidas (provavelmente não fui suficientemente explícito), pelo que vou fazer uma tentativa para clarificar o conceito de integração que, julgo necessário, prevalecer no seio do SNS.
Integração, no meu entender, é não exacerbar “autonomia e culturas organizacionais” dos diferentes patamares de prestação de serviços. É não segmentar, nem hierarquizar, cuidados:
- primários;
- hospitalares;
- continuados;
etc.
...alguns deles já baptizados de "integrados"...
É não promover a segmentação organizacional, à volta de trincheiras culturais.
É incentivar a integração funcional no sistema (sistemática), sem “administrações comuns” , sem centralização dos centros de decisão (a todos os níveis), sem bulir com autonomias organizacionais, etc.
Porque, em meu entender, a racionalidade e a funcionalidade do sistema (SNS) deve (tem) ser unitária.
As “reformas” é que têm ocorrido a “conta-gotas”, por razões orçamentais, não por falta de necessidade. Por esta razão temos vivido, no seio do SNS, re-estruturações, reformas (o que se quiser chamar), em diferentes velocidades.
A interligação e coordenação do sistema, sem integração funcional geral, desenvolverá a tendência de perpetuar, pelo menos, três situações similares nos diferentes sectores de prestação de cuidados de Saúde:
- muitos, chegam cedo demais;
- alguns, tarde demais;
- poucos, na altura exacta.
A fatia de leão dos custos desta “não integração” será, como é já detectável, paga pelos doentes.
Para além de tudo, o doente – a centralidade do sistema – é uma entidade integra. Não se pode acantonar, nem deve ficar prisioneiro, não pode repartir-se ("desintegrar-se"), pelos (ou nos) diferentes estadios de cuidados. Deve, em princípio, movimentar-se livremente no sistema.
Porque, o Homem – e não só o doente – é, sempre, um ser unitário.
É a totalidade (do que tem ou pode vir a ter).
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