segunda-feira, janeiro 28

PPP à portuguesa (5)

Agradeço, antes de mais, os comentários que os vários intervenientes quiseram trazer à análise das Parcerias em Saúde "PPP à portuguesa (4)". Entre outros, o de Tambemquero , intitulado de "The big payback", que me dá oportunidade de voltar ao mesmo tema para: i) abordar, complementarmente, um ponto que pela sua importância, delimitadora de todo o processo, não deveria ter deixado esquecido na intervenção anterior (ainda que, noutra oportunidade, já longínqua, o tenha referido com destaque); ii) fazer um contra-comentário a propósito dos textos de Mark Hellowell e Allyson Pollock, “Private finance, public deficits. A report on the cost of PFI and its impact on health services in England” link

i) - O Custo Público Comparável (CPC).

Qualquer decisão de PPP é uma decisão importante; pode ser boa ou má, não pode ser vista como inevitável, nem ser apenas mais uma que vai na onda. Tem que ser necessária, e tem de ser sólida e fundamentada por razões consistentes. Implica uma relação contratual muito duradoura, com projecção de consequências directas ou derivadas que, uma vez fixadas, só podem ser alteradas nos termos inicialmente previstos no caderno de encargos ou noutros aceites por acordo das partes. Essa decisão precisa, portanto, de ser estudada em todas as implicações, a começar, naturalmente, pelos encargos envolvidos. Sobre isto, não haverá, certamente, percepções divergentes.

É aqui que o CPC tem particular importância e é mesmo indispensável. O conceito é muito simples, pois corresponde ao que o Estado gastaria se ele próprio assumisse a concepção, a construção, o equipamento básico inicial e a manutenção dessas instalações e desses equipamentos de um hospital como o parametrizado no caderno de encargos e ainda, no caso das parcerias à portuguesa, os seus custos de funcionamento durante o tempo previsto. É daí para baixo que a parte pública fica obrigada a escolher a globalmente melhor das propostas que receber e que, obviamente, cumpram com as restantes condições exigidas. Até esse marco, pode (deve, em princípio) rejeitar as propostas, ou mesmo anular o procedimento se nenhuma se conformar com o CPC. Se o não fizer, e não explicitar convincentemente por que o não faz, coloca-se sob suspeição legítima: ou de incompetência, ou de traição do interesse público, ou de ambas as coisas.
Mas, se o conceito é simples, dar-lhe tradução e chegar a um montante é, sem dúvida mais complicado porque faz apelo a todas as respostas concretas que referi quando, no Post precedente –
PPP à portuguesa (4) – enunciei as componentes do poder negocial necessário do Estado; pelo menos a essas.
O secretismo de que se rodeou, entre nós, a determinação do CPC é um dos pontos pouco satisfatórios no lançamento dos processos de HH-PPP. Anunciou-se o montante global do CPC fixado pela parte pública, e os HH com base nos quais se formou a fixação desse montante global, entendendo-se que poderiam servir de referência (digo referência e não definição exacta); mas foi tudo; nem sequer se indicaram custos estimados de construção, de equipamentos básicos, de equipamentos e sistemas médicos e custos de funcionamento; muito menos se facultou informação estatística e contabilística com a descriminação e a consistência exigível para que os concorrentes pudessem suprir, com a segurança necessária, o que estava em falta. Também não houve qualquer informação sobre o processo de projecção dos dados a que a parte pública terá procedido: concretamente, não foi dito se foi tomada a informação relativa aos HH tais como são e tais como funcionam ou se a Missão das PPP trabalhou (modificou) previamente essa informação para a fazer corresponder a outros sem as deficiências actuais reconhecidas. E logo aí pode estar parte importante (não sabemos que parte) do ganho que o SNS pretende atingir.
Este não foi, seguramente, um ponto em que a parte pública tenha feito boa demonstração do que deve ser o desempenho em contrato de parceria. Não o tendo sido, retira clareza ao processo (diria até que cultiva a ocultação, para lograr a contra-parte, o que é um mau exemplo de conduta), diminui a sua compreensão e aceitabilidade, deixa o campo aberto para especulações, mais ou menos fundamentadas, mas não raro carregadas de preconceito e, mais adiante, pode estar na base de evitáveis surpresas, pois sabemos como funcionam os Tribunais: primeiro as questões formais (que os juristas chamam de prejudiciais) e só depois o julgamento das questões de fundo, se ainda valer a pena. Na maioria das causas já não vale.

ii)
The big payback
Entendo que é difícil fazer avaliações ou estimativas ou até simples conjecturas sem conhecimento dos cadernos de encargos em concreto e estes variam, devem variar, de caso para caso. E confesso que o meu conhecimento sobre PFI, tais como os britânicos os aplicaram, é claramente insuficiente. Mas fico mesmo com a impressão de que, no RU, esta peça do concurso será mais sintética do que entre nós. E tenho que dizer que a transcrição feita por Tambemquero me surpreendeu. Pela negativa.
Já há alguns dias me tinha surpreendido no mesmo sentido ao ler outro comentário, também de Allyson Pollock e, tal como este, trazido ao Saudesa por diligência de Tambemquero, (ver
PPP à Portuguesa (3), de 20 de Janeiro) que, em algumas das suas passagens, me pareceu pouco consentâneo com o rigor de análise esperável da sua autora que é catedrática de política de saúde na University College London e que, portanto, deveria socorrer-se e revelar mais informação do que a que vejo na sua análise. Apenas para exemplificar, respigo algumas afirmações:
“«O Serviço Nacional de Saúde paga mais para menos», pois os hospitais diminuíram a diversidade e acesso aos serviços, a inflexibilidade aumentou e tudo isto a um custo mais elevado.”
“Os primeiros 14 hospitais construídos sob o esquema PPP resultaram em reduções de 33% na sua capacidade e de 20% do pessoal, revela um estudo da University College London”.
“A falta de transparência na celebração dos acordos é outro dos problemas levantados pelas PPP. Por exemplo, muitas vezes, o Estado quer apenas aumentar a capacidade de um hospital ou melhorar as suas infra-estruturas. Mas porque é menos lucrativo para as empresas privadas que vão financiar o projecto, o Estado acaba por concordar em demolir ou encerrar hospitais, para construir edifícios de raiz. O pior é que muitas vezes, os novos hospitais têm menos capacidade do que os que vêm substituir
(!!!)

Sabia que, lá como cá, as Parcerias em Saúde, têm adeptos e opositores. O que, concretamente, me surpreende é que:
- se faça tábua rasa de tantos aspectos (que devem ser considerados e que devem constar dos respectivos cadernos de encargos) para medir a diversidade e acesso aos serviços e a qualidade destes e, com todo o à vontade, se proceda à comparação de custos que podem não ser correspondentes à mesma realidade; parece-me faltar uma análise comparativa referida ao CPC, tal como acima foi caracterizado;
- com igual à vontade, se continue a medir a capacidade dos HH pelo número de camas de que dispõem, sem considerar o avanço do conhecimento e os progressos tecnológicos que reconfiguram drasticamente o modelo da sua intervenção, quer reduzindo a duração do internamento quer eliminando-o, sempre que possível com a segurança necessária. Isto no RU, onde a CA anda na casa dos 60% do total, não em Portugal que não atinge ainda os 20%; no RU, onde a continuidade do processo de tratamento é preocupação importante há largas décadas e onde – estava eu convencido, mas parece que não a Prof. Allyson Pollock – tanto ênfase se dá aos chamados serviços de proximidade (não só CSP e policlínicas, mas também serviços capacitados para as necessidades específicas do tratamento e acolhimento das pessoas idosas). Isto é: qual a noção, ou medida, de capacidade dos HH que interessa salvaguardar? A que é dada pelo seu número de camas, como parece a partir da transcrição feita acima e de outras passagens dos textos de Allyson Pollock que explicitamente referem a redução do número de camas? Ou a capacidade de – num SNS estruturado, articulado e organizado, funcionando de acordo com os princípios que a evolução mostra como adequados em qualidade, segurança e eficiência – dar a resposta certa no local certo? Se, como penso, for esta, reduzir o número de camas não será um erro, mas um dos objectivos.
- seja consentido aos privados tanto poder como o necessário para, como refere Allyson Pollock, serem os seus interesses a decidir o âmbito da parceria. Repito, no RU cujo Ministério da Saúde prima por fazer bem as coisas, de forma ponderada e meticulosa.

Passando para o comentário mais recente, The big payback o que se verifica é que Allyson Pollock mantém o seu posicionamento, isto é:
- citando um relatório do Edinburgh University's centre for international public health policy, sobre PFI e o seu impacto no orçamento dos Trusts, onde se refere que 87% dos contratos para novos HH foram contratos PFI (o que, de facto, representa uma opção muito firme – se é excessiva, os ingleses que o digam – do governo de Tony Blair!), retoma o tema da controvérsia suscitada pelo seu elevado custo e pelos cortes de serviço, “including reductions in beds and staff. These issues have arisen because of the cost of servicing PFI debt.”
- Explicando estas dificuldades, afirma (penso que com razão): “Prior to contracts being signed, NHS trusts prepare business cases that purport to show their PFI plans are "affordable" within projected budgets. Since PFI costs are higher than historical capital costs, all business cases contain plans to sell assets and cut service capacity to offset the shortfall. Our report shows that these cuts have been insufficient to bridge the affordability gap.”
- Finalmente, vai ao fundo da questão e, no meu entender, apresenta, se não a explicação total, pelo menos a da maior parte dos deficits atribuídos aos PFI: “Under payment by results, the new system of resource allocation in the NHS, trusts receive most of their income through a standard tariff for treatments. This includes an element for capital charges (the cost of buildings and equipment) based on 5.8% of trust income - the average across the NHS. However, the capital costs of trusts with PFI schemes are much higher than average, with the result that they are underfunded. For trusts with large or multiple schemes, the shortfall in funding is significant. Trusts that were making PFI payments of major schemes in the financial year 2005/06 had average capital costs of 10.2%. This meant they had a shortfall in income of some 4.4%”.
Vai ao fundo da questão, mas não a esgota. É que o payment by results implica não simplesmente a standard tariff for treatments no qual o único factor relevante seja a quantidade produzida. Se assim fosse estaríamos perante um pagamento à peça que tantos e tão justificados reparos suscita por todo o lado. O payment by results prevê também factores que valorizam a remuneração da qualidade da produção e que devem evitar que esta se torne em penalização para os HH que a promovam. Daqui pode derivar parte da superação das dificuldades actuais para os que comprovem a excelência da sua produção.

Repito que é difícil fazer avaliações ou estimativas ou até simples conjecturas sem conhecimento dos cadernos de encargos em concreto e estes variam, devem variar, de caso para caso, quanto mais de país para país. No entanto, parecem-me de considerar as seguintes observações:
- as realidades de cada país devem, naturalmente, ser levadas em conta nas suas decisões. O RU aparece nas estatísticas e nas classificações internacionais como um dos que melhores resultados em saúde obtém com menor afectação de recursos. Ou seja, bom uso dos recursos e desperdício reduzido, no confronto com outros países, por exemplo com o nosso. Então, as oportunidades de economizar recursos, designadamente na exploração dos HH, serão percentualmente menores do que as que se oferecem entre nós, que temos um SNS consensualmente mais desequilibrado, menos regulado e pior gerido; possivelmente por isso, os PFI a que o RU tão generalizadamente recorre, há bem mais de uma dezena de anos, se restringem às instalações e aos equipamentos iniciais;
- Se os Trust – responsáveis pelos HH – recorrem a projectos PFI de substituição de raiz ou de renovação significativa dos seus HH, fazem-no naturalmente porque consideram desadequadas as condições de funcionamento dos actuais e a qualidade dos resultados que podem propiciar, o que implica maiores custos de investimento a que os Trust terão de fazer frente. É previsível que tenham de investir mais do que se o não fizessem;
- Se o financiamento dos HH assenta no “payment by results … through a standard tariff for treatments”, incluindo “an element for capital charges (the cost of buildings and equipment) based on 5.8% of trust income - the average across the NHS”, o HD (Health Department) está perante um dilema: ou diz concretamente onde espera que os HH façam a economia adicional de recursos (pelas estatísticas internacionais, a margem já não será muito grande, mas tal não significa que não exista) ou, também concretamente, diz quais as actividades que devem ser cortadas para balançar os seus próprios custos, já que o sistema de financiamento reduziu as suas receitas em 4,4%. Afectavam a capital charges 10,2 e não 5,8% do seu orçamento e não será de esperar que, para melhores condições, estes custos decresçam ou, pelo menos, que decresçam por um toque de mágica. Além de que médias são médias e obtêm-se a partir de muito, pouco ou nada, enquanto que os custos são concretos e o credor não ficará satisfeito sem pagamento integral.
- noutra perspectiva de análise não pode esquecer-se que profissionais hospitalares, gestores, arquitectos e engenheiros, analistas de sistemas e de funções, pesquisam as relações entre as instalações e o seu funcionamento e sentem que têm contributo a dar na procura das melhores e mais eficientes soluções. Centralizações, circulações (de profissionais, de doentes, dos diversos públicos e sua diferenciação, limpas e sujas), relações de contiguidade ou de proximidade entre serviços e facilidades que os apoiam, sistemas de comunicação, grau de automatização e de robotização para execução das várias actividades incorporando as inúmeras vantagens viabilizadas pelo avanço tecnológico, acessibilidade da informação e respectivas soluções de guarda e arquivo, os próprios materiais a utilizar na construção (e muitos outros aspectos que sem dúvida me escapam) condicionam múltiplas soluções com peso importante, tanto ao nível da qualidade visada como dos custos implicados, entre estes, nos custos do “staff”. Prever essas soluções têm custos que ficam com a construção das instalações; também os efeitos positivos (que só se produzem na exploração) devem ser considerados e levados a crédito das instalações, dos equipamentos e das concepções subjacentes. Se isto não for feito, terá que se reconhecer que haverá distorção quando se estabelece o confronto entre custos históricos e custos actuais. No limite, podemos, simplesmente, não estar a falar de coisas comparáveis.

Isto é, a multiplicidade dos aspectos envolvidos implica que até a simples avaliação dos custos das parcerias, esqueço agora outras avaliações, tem complexidade bem maior do que a que transparece na intervenção de Mark Hellowell e Allyson Pollock.
Aidenos

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3 Comments:

Blogger xavier said...

Blogger Status
Monday, January 28, 2008

Blogger will be unavailable Monday (1/28) at 4:00PM PST for about 10 minutes for maintenance.

Posted by John at 12:21 PST

11:39 da tarde  
Blogger tambemquero said...

PFI firms are overcharging for changes

The public sector is paying over the odds for changes to its Private Finance Initiative contracts, government auditors said this week.

In 2006, more than £180m was spent amending PFI contracts. But a National Audit Office investigation has revealed that, while the contracts themselves are sufficiently flexible to allow for changes, the prices contractors charged were often much higher than the industry benchmark.

The base cost for a very simple change – the installation of electrical sockets – under PFI contracts was on average 54% more than that quoted by the Royal Institution of Chartered Surveyors, the NAO found.

There was also considerable variation in the sums asked for. One contractor charged more than £300 to fit a new socket, while others charged less than £50.

As well as failing to deliver value for money, in almost half the cases examined by the NAO, changes were not completed within the deadline.

Public Accounts Committee chair Edward Leigh said changes to PFI contracts ‘should not be costing the taxpayer an arm and a leg’. He added that it was unacceptable that many public authorities did not employ a full-time contract manager.

‘The public sector has allowed itself to be taken for a ride,’ Leigh said. ‘Nothing in [the January 17] report causes me to revise my view that public sector contract managers for PFI deals have insufficient commercial expertise to negotiate with and develop effective relationships with their private sector counterparts.’

NAO head Sir John Bourn agreed that the public sector needed to raise its game to secure better outcomes. He urged public bodies to use the full range of Treasury guidance available to help them secure value for money.

Neil Bentley, director of public services at the CBI, said value for money was paramount and PFI partners needed to work together to secure good deals.

‘The PFI has given public infrastructure projects financial transparency they never had before, and so lessons can more easily be learnt. It is vital the public sector develops its professional skills so it can take advantage of this and help improve service delivery once projects are operational,’ he said.

Article Date: 18-Jan-2008

1:18 da manhã  
Blogger tambemquero said...

Case Study:
James Cook University Hospital
The PPP Forum interviewed Simon Pleydell, Chief Executive of South Tees Hospitals NHS Trust. link

1:36 da manhã  

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