Portugal
É o país mais desigual da Europa
Segundo o “Social Situation Report 2007 – Social cohesion through equal opportunities” link, divulgado esta semana pela Comissão Europeia, Portugal é o pais com maior desigualdade de rendimentos da União Europeia a 25 (excluindo a Bulgária e a Roménia). A diferença entre ricos e pobres é menor na Europa do que nos Estados Unidos. Em todos os 25, excepto Portugal. No quadro seguinte (coef.Gini 2004), Portugal (PT) apresenta o valor mais elevado (41%). Segue-se o grupo da Polónia, Letónia e Lituania (36%). No outro extremo Suécia, Dinamarca e Eslovénia apresentam o indíce mais baixo (25%). O indíce médio dos países da EU-25 é de 32,7%, e dos US 35,7%.
Entrevista a Katharina von Schnurbein, porta-voz do Comissário Europeu para os Assuntos Sociais.
Q: Como se explica esta diferença entre Portugal e o resto da UE?
K: Numa palavra, Educação. A taxa de abandono escolar em Portugal é de quase 40 por cento e a taxa de sucesso escolar muito baixa. Nessa matéria, Portugal tem indicadores muito abaixo da média comunitária. Nos novos países da União, como a República Checa, o abandono escolar é extremamente baixo e quase toda a gente acaba o ensino secundário. Por isso, aí a desigualdade de rendimentos é menor mesmo do que na Alemanha. Em Portugal é o contrário. Quem não tem o ensino básico, vai ter um emprego em conformidade. Mal pago.
Q: E como se pode inverter essa tendência?
K: É muito difícil e leva muito tempo. É preciso apostar na Educação. Recentemente, tem havido ligeiras melhorias nos indicadores. Mas, ao mesmo tempo, vemos que em Portugal a taxa de população em risco de pobreza é de 20 por cento (2004). Isto depois das transferências sociais. Ou seja, a acção do Estado português também não é muito eficiente.
Pedro Moreira
Segundo o “Social Situation Report 2007 – Social cohesion through equal opportunities” link, divulgado esta semana pela Comissão Europeia, Portugal é o pais com maior desigualdade de rendimentos da União Europeia a 25 (excluindo a Bulgária e a Roménia). A diferença entre ricos e pobres é menor na Europa do que nos Estados Unidos. Em todos os 25, excepto Portugal. No quadro seguinte (coef.Gini 2004), Portugal (PT) apresenta o valor mais elevado (41%). Segue-se o grupo da Polónia, Letónia e Lituania (36%). No outro extremo Suécia, Dinamarca e Eslovénia apresentam o indíce mais baixo (25%). O indíce médio dos países da EU-25 é de 32,7%, e dos US 35,7%.
Entrevista a Katharina von Schnurbein, porta-voz do Comissário Europeu para os Assuntos Sociais.
Q: Como se explica esta diferença entre Portugal e o resto da UE?
K: Numa palavra, Educação. A taxa de abandono escolar em Portugal é de quase 40 por cento e a taxa de sucesso escolar muito baixa. Nessa matéria, Portugal tem indicadores muito abaixo da média comunitária. Nos novos países da União, como a República Checa, o abandono escolar é extremamente baixo e quase toda a gente acaba o ensino secundário. Por isso, aí a desigualdade de rendimentos é menor mesmo do que na Alemanha. Em Portugal é o contrário. Quem não tem o ensino básico, vai ter um emprego em conformidade. Mal pago.
Q: E como se pode inverter essa tendência?
K: É muito difícil e leva muito tempo. É preciso apostar na Educação. Recentemente, tem havido ligeiras melhorias nos indicadores. Mas, ao mesmo tempo, vemos que em Portugal a taxa de população em risco de pobreza é de 20 por cento (2004). Isto depois das transferências sociais. Ou seja, a acção do Estado português também não é muito eficiente.
Pedro Moreira
Etiquetas: PM
11 Comments:
Portugal destacado... em último.
É por estas e por outras que a literacia tem tanto impacto na obesidade, na diabetes, no reumatismo articular, na adesão à terapêutica, no nº de doentes compensados, na arrogância médica, nas prioridades da saúde (vivam as unidades de d. coronárias e de transplantes, a gripe que está para vir...).
A mudança tem que passar por novos paradigmas e um dos fundamentais é a da maior participação das pessoas na discussão da sua saúde, do questionamento da actual relação médico-doente. É óbvio que a redução da iliteracia ajudará...mas até lá há que reforçar a educação dos doentes, melhorar a capacidade de comunicação, reconhecendo que deve pertencer aos doentes a última palavra, reforçar e reconhecer o papel dos enfermeiros nesta área ( em vez de reacionariamente andarem a perseguir as auxiliares e outros paramédicos), aumentar a responsabilidade médica pelos resultados conseguidos,em suma, valorizar o acompanhamento das pessoas atingidas por qualquer doença, mas, em particular, nas doenças crónicas.
O combate à iliteracia é um combate por uma população mais saudável e com maior qualidade de vida, fins últimos da acção dos profissionais de saúde
PRIORIDADE AOS MAIS POBRES!
Segundo o Social Situation Report 2007 divulgado esta semana pela Comissão Europeia, Portugal é o pais com maior desigualdade de rendimentos da União Europeia a 25 (excluindo a Bulgária e a Roménia).
Não deve constituir qualquer surpresa para os portugueses o conteúdo e as revelações deste Relatório. Só se for para o Engº. Sócrates.
Já o prevíamos quando em 2004 (em pleno Governo de Direita, dirigido por Durão Barroso) quando se elaborou um plano de Saúde para cumprir até 2010.
Todos esses itens estão mencionados, directa ou indirectamente, no Plano Nacional de Saúde 2004-2010. Só que fizemos "à portuguesa", não os cumprimos cabalmente. Agora o Social Situation Report 2007 traduz essa incapacidade.
Nomeadamente, quando se centra a mudança no cidadão e se diz:
“A percepção da equidade como um valor realmente orientador da acção no sector da saúde é essencial para garantir uma maior aproximação entre o cidadão e o poder político e uma cidadania mais centrada numa participação activa na vida pública em geral e nas coisas da saúde em particular, para que, de uma maneira efectiva, se aumentem as opções de escolha do cidadão, se multipliquem os mecanismos de participação do cidadão no sector da saúde e se apoiem as organizações da sociedade civil, numa perspectiva promotora de comportamentos saudáveis e de contextos ambientais conducentes à saúde.”
Para além de definir um conjunto de Estratégias gerais, será de destacar uma que vêm ao encontro dos problemas de coesão social levantados pela Comissão Europeia, como sabemos, com reflexos negativos na Saúde das populações.
Um capítulo dessa estratégia é denominado:
PRIORIDADE AOS MAIS POBRES!
Aí são escalonadas as grandes componentes que informam esta prioridade:
".. acentuaram os problemas de saúde associados à pobreza e à exclusão social, sem ter havido, da parte do sistema de saúde, a agilidade necessária para se adaptar aos novos desafios que emergem. Este agravamento resulta, em parte, do aumento das desigualdades sociais, do envelhecimento da nossa população, da maior mobilidade das populações e de um número crescente de imigrantes."
A Escola - como Katharina von Schnurbein ressaltou – é a base do desequilíbrio social e consequentes desigualdades dos Países, é , desde há, muito um problema detectado em Portugal.
Todos sabemos que, como se diz no PNS 2004-2010:
"A Escola desempenha um papel primordial no processo de aquisição de estilos de vida..."
Por outro lado, as estratégias da OMS, "Health for All in the 21st century", indicam:
“… no ano 2015, pelo menos 50% das crianças que frequentam o jardim-de-infância e 95% das que frequentam a escolaridade obrigatória e o ensino secundário terão oportunidade de ser educadas em escolas promotoras de saúde. Uma escola promotora de saúde é a que garante a todas as crianças e jovens que a frequentam a oportunidade de adquirirem competências pessoais e sociais que os habilitem a melhorar a gestão da sua saúde e a agir sobre os factores que a influenciam. Para isso, são indispensáveis parcerias, procedimentos democráticos, metodologias participativas e desenvolvimento sustentado…”
Nada disto foi feito, apesar de existirem programas. No meio de tudo isto, nas próximas eleições legislativas, vão ser apresentados pequenos ganhos conseguidos aqui e acolá. Vamos exibir algumas árvores próximas para esconder a floresta.
Fornecer instrumentos para a mudança económica e social dos cidadãos não é uma tarefa fulcral dos profissionais de Saúde.
É, prioritariamente, o grande objectivo programático da Educação.
A mudança tem vários "settings", e cada um, terá a sua própria estratégia a desenvolver.
A verdade é que, no campo da Saúde, em muitos itens, não cumprimos o proposto (PNS de 2004-2010).
Por outro lado os portugueses têm de assumir a sua condição de cidadãos e participar neste processo que, em larga medida, se traduz na diminuição do peso das doenças associadas à pobreza e à exclusão social e cultural.
É um processo nacional, diria um desígnio nacional, que terá de abarcar todos, mas o essencial está, desde há muito tempo, definido:
- PRIORIDADE AOS MAIS POBRES!
"Temos observado na comunicação social generalista propostas que nos dizem que “um novo modelo social” seria constituído por uma série de “novos” pilares ou mandamentos. Todos são já conhecidos embora, infelizmente, alguns argumentos sejam redutores, subjectivos e até utópicos, o que é natural e resulta dos efeitos discursivos inerentes à própria temática escolhida. Na verdade, até a prática discursiva dos analistas sérios e bem intencioandos cede à subjectividade quando se discute um novo modelo social. É um sinal revelador da grandeza do desafio intelectual subjacente.
Por isso, ao reflectirmos sobre a reforma do modelo social em contexto europeu, e ainda que salvaguardadas as devidas especificidades de Portugal há, pelo menos, outras tantas 10 dimensões que, no sentido de fomentar a discussão nacional sobre o tema proposto, apresento desde já para discussão:
a) Há novos problemas sociais para os quais o actual modelo social não está preparado; b) A economia global fomenta, inevitavelmente, o desemprego de longa duração na Europa, logo, os instrumentos de inserção social têm que ser repensados; c) O número crescente de idosos e o aparecimento de uma “quarta idade” exigem respostas integradas entre o sistema de saúde e a segurança social que não estavam previstas; d) O novo modelo social exige o reforço e a modernização da intervenção dos técnicos de serviço social, o que ainda está por fazer em Portugal; e) A Família é o núcleo fundamental das sociedades e precisa de novos instrumentos de defesa e promoção para suavizar os efeitos da cultura de trabalho e consumo desenfreado; f) A introdução de mecanismos de mercado e competitividade na intervenção social exige instrumentos de regulação e contratualização inexistentes em Portugal; g) Um novo modelo social depende da remoralização social. Tarefa difícil com a actual cultura política e empresarial baseada na cumplicidade cacique, na “cunha” e na auto-defesa da mediocridade dos gestores de topo que afecta até os grandes grupos empresariais nacionais; h) O enfraquecimento da democracia social dificulta a participação como factor fundamental da promoção de comportamentos mais responsáveis por parte dos cidadãos; i) Assistimos a uma nova forma de municipalismo marxista na respectiva adaptação das directivas europeias e nacionais na intervenção local que obriga a repensar o modelo social do passado; j) A decisão de investimento público deverá contar com o contributo da ciência e respectiva evidência justificativa em vez da sua usurpração para fins eleitoralistas.
Eis dez pilares complementares e/ou alternativos aos apresentados em outros meios de comunicação generalista. Da discussão nasce a Luz?"
Comecemos a promoção da literacia entre os responsáveis do SNS que postam neste blog através do esclarecimento destes 10 desafios.
Excelente post do Simão.
Quem assistiu ontem ao debate dos candidatos do PSD facilmente concluiu que com politicos destes não vamos lá.
Quanto ao SNS já sabíamos: tem os dias contados se algum dia um destes senhores chegar a governar.
«No primeiro debate televisivo, os quatro candidatos à liderança do PSD defenderam o fim do SNS gratuito para todos, a favor de um sistema que sirva quem tem menos recursos»
Ou seja, a defesa do modelo Brasileiro. A tendência será Portugal cada vez maisdesigual.
O nosso actual modelo social nacional nunca foi “suficentemente social-democrata”.
"Ao contrário, por exemplo, do modelo social francês, o nosso nunca garantiu aos cidadãos realmente necessitados mais que o limiar da sobrevivência na pobreza."
"Nós, tal como ingleses e americanos, já temos um modelo social em que a riqueza se acumula nas mãos de cada vez menos cidadãos. As pessoas com menos rendimento sofrem mais e durante mais tempo de doenças evitáveis e têm uma expectativa de longevidade mais baixa.
A participação democrática do cidadão menos letrado está em declínio, o poder político circula entre um reduzido número de homens dependentes de um reduzido número de grupos financeiros e industriais".
Apesar disso, os arautos do liberalismo acham que o povo português usufrui de muitas regalias e defendem a necessidade de promover a reforma profunda do modelo social (a pretexto de salvar a economia) com o objectivo de reduzir o magro conjunto de direitos sociais, adquiridos a custo pelos portugueses. Executada esta "inevitável" reforma o que restará ao povo português para conseguir levar uma vida digna?
Adivinhem quem é o autor da parte substancial deste texto postado no saudesa.
... A grande questão que se coloca às sociedades modernas é a tensão entre a garantia da igualdade de direitos e de autonomia individual, por um lado, e as inevitáveis desigualdades geradas pela dinâmica do mercado, por outro. Esta tensão não pode ser resolvida em prejuízo dos direitos das pessoas. O mercado gera riqueza, mas não é capaz de gerar justiça social. E também não produz nem garante direitos políticos e sociais. Sabemos que há falhas do mercado, como há falhas de Estado. É fundamental que ambos possam convergir em processos de desenvolvimento sustentável. Nem Estado a mais, nem Estado a menos. Mas um Estado estratega que, para além de garantir os direitos e bens públicos essenciais, seja capaz de definir horizontes que conjuguem as estratégias empresariais de criação de riqueza com as políticas sociais, culturais e ambientais.
Os partidos políticos tendem a deixar de ser reconhecidos como famílias com uma identidade ideológica própria e a converter-se em simples gestores do poder possível. A diluição ideológica acentuou-se à medida que as mutações económicas e sociais tornavam cada vez mais difícil aplicar receitas tradicionais aos novos problemas. A demografia na Europa alterou-se profundamente, criando uma nova proporção entre idosos e jovens. A pressão migratória aumentou o fosso geracional e deu lugar a clivagens culturais, religiosas e sociais.
Estes novos dados desafiam o modelo social europeu, pondo em causa os sistemas públicos de saúde e segurança social. A redistribuição de recursos através da reforma fiscal e das políticas sociais torna-se cada vez mais difícil, não só porque estas têm custos que crescem em progressão geométrica, mas porque o capitalismo financeiro tem muitas formas de promover a evasão fiscal. Fazer frente aos novos poderes, transnacionais, globais e às vezes mafiosos, é cada vez mais complicado. Finalmente, a difusão do pensamento ultra-liberal, com a sua desconfiança perante o Estado e os serviços públicos, faz com que o cerco seja, não apenas económico e financeiro, mas também ideológico e político.
Vem aí uma nova onda conservadora. Novas formas de condicionamento e intimidação. Mais uma vez há quem se conforme e há quem não se resigne.
Li recentemente um livro magnífico, “Os soldados de Salamina”, do espanhol Javier Cercas. Ocorre-me um episódio fantástico por ele recordado. Quando toda a Europa estava ocupada pelos nazis, algures, em um lugar perdido no deserto, uma pequena patrulha comandada pelo Coronel Ornano tomava aos alemães o oásis de Mazukh. Aí, sem que ninguém o soubesse, eles hastearam pela primeira vez a bandeira tricolor, a bandeira de um pais derrotado, que foi nesse instante a bandeira da liberdade. Sem que ninguém o soubesse, eles tinham começado a libertar a Europa e o mundo. Dessa patrulha fazia parte um soldado republicano espanhol. O Coronel Ornano foi morto na batalha. O General Leclerc tomou então o comando e depois de uma louca marcha de 1000 quilómetros pelo deserto conquistou Koufra, o mais importante posto alemão da Líbia. E disse que só deporia as armas quando a bandeira tricolor fosse hasteada em Paris, em Metz e em Estrasburgo. E assim fez. Sempre acompanhado pelo soldado que tinha perdido a guerra civil de Espanha. Eles foram então os herdeiros dos que tendo vencido a batalha de Salamina salvaram a liberdade da Grécia e fundaram a nossa civilização.
Não sei o que vai acontecer dentro de 30 anos. Sei que a democracia tem de saber enfrentar o novo flagelo do terrorismo sem pôr em causa os seus valores e sem se negar a si mesma, como em Guantanamo. Sei que não se faz democracia com novos muros. E sei sobretudo que a democracia não se impõe à bomba. Por isso eu creio que, mais do que nunca, a democracia e o mundo precisam do espírito dos soldados de Salamina que em todos os tempos defenderam o espírito crítico e livre contra todos os fundamentalismos, contra todos os imperialismos e contra todas as formas de sujeição.
Sabe-se o que foi e o que é, não se sabe o que será. O oráculo de Delfos calou-se há muito. A água que falava já não fala. Mas só quem espera, disse Heraclito, verá o inesperado.
Manuel Alegre, Romper o Cerco
“The imperative of the developmental welfare state
Child-centered social investment strategy
Human capital investment push
Flexicure labour markets for all
Later and flexible retirement
Migration and integration through participation
Minimum income support”
Anton Hemerijck with Rory O’Donnell
Partilho inteiramente das preocupações do João Pedro relativamente ao debate de ontem. PPC incarna a deriva neo-liberal. Passa por fazer crer que a solução mágica dos problemas tem que ver, apenas e só, com privatizar. Ilustra bem o seu pensamento com a peregrina ideia de (não se sabe muito bem porquê privatizar a CGD). PPC tal como MFL interiorizaram que dá muito trabalho reformar o Estado. Sendo assim defendem fazer dele apenas uma espécie de sinaleiro regulador dos interesses. Quanto à saúde seria "la grande bouffe" retalhando e alienando o SNS sem qualquer tipo de escrúpulos. É evidente que PPC além de não fazer a mais pequena ideia sobre o papel social, económico e político do sistema de saúde apresenta-se, claramente, como o "estafeta" dos interesses que se agrupam no lado direito do Bloco Central. Não nos espantaria o regresso em força de Nuno Delerue sempre presente com o seu génio inventivo para arranjar novas oportunidades de negócio. Enquanto candidatos a líderes do maior partido da oposição podiam ao menos estudar o que passa pelo mundo e assim perceber que num país vencido pela pobreza, pela ileteracia e pela exclusão social o SNS constitui uma espécie de “last frontier” para garantir um mínimo de coesão social. Mas não! O apetite dos interesses que os suportam é voraz. È muito dinheiro que está em jogo. Num país como o nosso que consagra mais de 10 por cento da riqueza criada à saúde mas apenas 1,4 por cento dessa despesa às políticas de saúde pública, promoção da saúde e prevenção da doença (o 4º pior da OCDE) constituiria um acto de irresponsabilidade política desmantelar o SNS. Ainda hoje o Presidente da Associação da Hospitalização Privada, Eng. Teófilo Leite (empresário do ramo do calçado) ameaçava nos jornais o MS por concorrência desleal (ao que chegámos) por não terem sido contemplados com cirurgias às cataratas.O Eng. Teófilo Leite com o Dr. José Vila Nova (empresário de atoalhados) representam no seu conjunto os principais promotores da “cogumelazição” emergente de clínicas e hospitais pré-anunciadas para o norte nos próximos anos. Afinal, alguém terá de lhes entregar, rapidamente, a ADSE e uma boa parte do bolo do SNS senão os projectos saem furados. Pasme-se que no debate o único defensor do SNS foi PSL. Se dúvidas houvessem sobre os riscos inerentes às PPP’s com gestão clínica elas ficaram ontem dissipadas com a reacção do candidato (“character dos Monty Python”) Patinha Antão…
O ano da desigualdade
Outrora, Portugal não precisava de desculpas para não se preocupar com a desigualdade e a pobreza. Durante gerações ela estava ali, e era um mero adereço da realidade. As nossas elites nunca se distinguiram por grandes realizações; distinguiam-se apenas pela pobreza dos outros. Somente após o grande susto da revolução essas elites aceitaram a contragosto uma série de coisas - salário mínimo, escolarização de massas, subsídio de desemprego - que em muitos outros países eram já banais.
Em tempos era estranho, quase desagradável, o filho do caseiro chegar a doutor. Passámos directamente daí para a fase do "há doutores a mais" e "já gastamos muito com a educação". Ou seja, uma geração depois da revolução a grande diferença está na indiferença: antes não nos interessávamos pela desigualdade, agora precisamos de boas desculpas para continuar a não ter interesse.
A desculpa mais à mão, nas últimas décadas, tem sido esta: a desigualdade é um preço a pagar pela competitividade e pelo crescimento económico. O resultado dessa desculpa foi: nem crescimento, nem competitividade, nem menos desigualdade.
Se cuidarmos da economia (diziam-nos em código, o que significa, se cuidarmos das grandes empresas), a economia cuida de nós todos. E agora apresenta-se uma dúvida: e se tivéssemos cuidado primeiro de nós? Se nos tivéssemos dotado de bons instrumentos públicos, se tivéssemos usado os impostos para redistribuir riqueza e recursos, se tivéssemos combatido activamente a desigualdade? Se cuidássemos primeiro de nós, não teríamos sido melhores a cuidar depois da economia?
A dúvida é mais do que legítima: ao ver que Portugal, um dos países mais desiguais da Europa, perde nas comparações com os outros países ano após ano, chegou o momento de entender que a desigualdade não é apenas um efeito dos nossos problemas. A desigualdade é uma das causas dos nossos problemas. Só por isso ganharíamos todos em combatê-la.
O combate à desigualdade deveria ser também um combate pragmático. Mas fazer esse discurso apenas - o de que temos a ganhar com o combate à desigualdade - não basta. Parece apenas uma inversão retórica em relação à situação anterior: em vez de procurar desculpas para não nos preocuparmos com a desigualdade (a economia, o crescimento, o défice), procuramos uma desculpa para nos preocuparmos (pessoal, reparem que ganhamos todos com isso).
Não. Há razões de princípio para combater a desigualdade e a pobreza, que justificariam esse combate, mesmo que todos perdêssemos um pouco com isso. As famílias que não têm dinheiro para comida a meio do mês, os idosos que não compram os remédios, os jovens que não podem pagar explicações - não são apenas potencial por cumprir, são pessoas a quem deixamos que aconteça o que não gostaríamos que nos acontecesse a nós.
E a beleza da democracia é que há condições para tornar este problema num debate maioritário, num país como Portugal em que a maioria é feita de uma classe média-baixa com memórias da pobreza, e de muitos que ainda são pobres. Se nos deixarmos de desculpas, as próximas eleições poderão ser uma decisão entre quem quer combater a desigualdade e quem quer - como dizê-lo? - continuar a inventar desculpas.
Rui Tavares, JP 28.05.08
(...) No entanto, no nosso canto europeu, deveremos fazer tudo o que pudermos, numa estratégia concertada e eficaz, para combater a pobreza - há muito a fazer, se houver vontade política para tanto - e também para reduzir drasticamente as desigualdades sociais. Até porque, como têm estado a demonstrar os países nórdicos - a Suécia, a Dinamarca, a Finlândia - as políticas sociais sérias estimulam o crescimento, contribuem para aumentar a produção e favorecem novos investimentos. Este é o objectivo geostratégico para o qual deveremos caminhar, se quisermos evitar convulsões e conflitos.
Depois de duas décadas de neoliberalismo, puro e duro - tão do agrado de tantos que se dizem socialistas, como desgraçadamente Blair - uma boa parte da Esquerda dita moderada e europeia parece não ter ainda compreendido que o neoliberalismo está esgotado e prestes a ser enterrado, na própria América, após as próximas eleições presidenciais. A globalização tem de ser, aliás, seriamente regulada, bem como o mercado, que deve passar a respeitar regras éticas, sociais e ambientais.
Em Portugal, permito-me sugerir ao PS - e aos seus responsáveis - que têm de fazer uma reflexão profunda sobre as questões que hoje nos afligem mais: a pobreza; as desigualdades sociais; o descontentamento das classes médias; e as questões prioritárias, com elas relacionadas, como: a saúde, a educação, o desemprego, a previdência social, o trabalho. Essas são questões verdadeiramente prioritárias, sobre as quais importa actuar com políticas eficazes, urgentes e bem compreensíveis para as populações. Ainda durante este ano crítico de 2008 e no seguinte, se não quiserem pôr em causa tudo o que fizeram, e bem, indiscutivelmente, para reduzir o deficit das contas públicas e tentar modernizar a sociedade. Urge, igualmente, fortalecer o Estado, para os tempos que aí vêm, e não entregar a riqueza aos privados. Não serão, seguramente, eles que irão lutar, seriamente, contra a pobreza e reduzir drasticamente as desigualdades.
Já uma vez, nestes últimos anos, escrevi e agora repito: "Quem vos avisa vosso amigo é." Há que avançar rapidamente - e com acerto - na resolução destas questões essenciais, que tanto afectam a maioria dos portugueses. Se o não fizerem, o PCP e o Bloco de Esquerda - e os seus lideres - continuarão a subir nas sondagens. Inevitavelmente. É o voto de protesto, que tanta falta fará ao PS em tempo de eleições. E mais sintomático ainda: no debate televisivo da SIC que fizeram os quatro candidatos a Presidentes do PPD/PSD, pelo menos dois deles só falaram nas desigualdades sociais e na pobreza, que importa combater eficazmente. Poderá isso relevar - dirão alguns - da pura demagogia. Mas é significativo. Do que sentem os portugueses. Não lhes parece?...|
Mário Soares, DN 27.05.08
Enviar um comentário
<< Home