domingo, agosto 31

Metamorfoses (act II)


Certa manhã, ao acordar de sonhos inquietos, Gregor Samsa viu que estava no hospital. Mais concretamente, deitado de costas sobre uma bancada inox, contígua à entrada da sala n.º 6 do Bloco Operatório.
Em redor nem vivalma.
Tentou mudar de posição rodando sobre a carapaça dura.
Não fazia a menor ideia como fora ali parar.
Pouco depois, entrou na sala um senhor forte, cabelo empastado, seguido por um batalhão de jornalistas.
- "Meus senhores, foi aqui que detectámos o insecto, da família dos coleópteros, ainda não identificado, durante uma análise de rotina e, por isso, decidimos encerrar os BOs por razões de estrita segurança."
O coleóptero devia ser eu.
Seguiram-se breves momentos de agitação.
Pouco depois, terminada a sessão, saíram todos ordeiramente e o senhor que falara bateu a porta depois de apagar a luz.
Deslizei sorrateiramente até ao local onde anteriormente virá uma lista telefónica.
- Cá está: 214210171.
- Está, senhor Kafka? O senhor voltou a trocar o argumento...
- Sim... Por favor, tire-me daqui.
joao pedro

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3 Comments:

Blogger e-pá! said...

Óptima esta glosa às Metamorfoses de Kafka.

Na verdade, Kafka, muitas vezes transmite-nos a absurda sensação de que estarmos perdidos num emaranhado de situações loucas, incomprensíveis, vivendo numa impressionante obscuridade e expostos a múltiplas dominações.

3:07 da tarde  
Blogger Clara said...

Realmente muito bom.
Uma grande surpresa.
O requinte do absurdo.
Como esta privatização do 12.º melhor Serviço de Saúde do planeta.

1:36 da manhã  
Blogger Hospitaisepe said...

Excelente.
O joão pedro não sabe só andar à bordoada.
Parabéns.

3:36 da tarde  

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