quinta-feira, setembro 30

O FMI encapotado

A 19 de Fevereiro deste ano, ao olhar para o buraco das contas públicas, suscitei nesta coluna a hipótese de uma eventual saída do euro: ser-nos-ia vantajosa? Levaria à intervenção do FMI ? A situação piorou entretanto, abrindo um buraco ainda maior. E os holofotes desviaram-se para a possibilidade desta intervenção. As perguntas terão de ser reformuladas: precisamos mesmo do FMI? E isso implica abandonar o euro?
Admitamos a intervenção e o abandono. A receita do FMI é conhecida: desvalorização brutal da moeda, para corrigir o défice externo; subida generalizada dos preços, pelo encarecimento das importações; e recurso sistemático à ilusão monetária, ao admitir aumentos de salários que de facto significam degradação do poder de compra. Foi assim nas duas vezes que cá esteve; continua a ser assim nos locais por onde passa.

Num cenário de permanência no euro, o problema é mais complexo, porque desaparece a muleta da desvalorização. Precisamos de alternativas com efeitos equivalentes. Admito que, neste caso, os alvos privilegiados sejam as finanças públicas: redução de salários e de pensões; aumento de impostos; cortes impiedosos em tudo o que sejam acções sociais. A consolidação será um pouco mais longa, mas nem por isso deixará de ser eficaz.

Agora a questão de fundo: precisamos mesmo da intervenção do FMI? Claro que não. Eles não viriam ensinar-nos nada que nós já não soubéssemos. E, pressupondo que seremos rigorosos e determinados, podemos fazer exactamente o mesmo que eles fariam e com os mesmos resultados em termos de credibilidade internacional. Mas talvez a pergunta deva ser colocada noutros termos: há condições políticas para que isso aconteça?

Uma primeira resposta chegou-nos na quarta-feira à noite, à hora dos telejornais. Aquela era a receita do FMI, que falava pela boca de Sócrates. Mas ainda há posições em aberto que não serão fáceis de gerir: nas mãos do PSD ficaram a sorte do orçamento e a queda ou não do Governo; dos sindicatos dependem as greves e um eventual caos social. Seja como for, não creio que haja espaço para muito mais discussões: o modelo deverá ser este, seja a bem ou a mal. Espero que seja a bem e que deixemos o FMI em paz.

O país está cansado.


Daniel Amaral, DE 01.10.10

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1 Comments:

Blogger DrFeelGood said...

Austeridade

Tendo resistido até agora, o Governo acabou por ter de seguir as pisadas da Grécia, da Irlanda, da Espanha e de outros países em dificuldades orçamentais, reduzindo a massa remuneratória da Administração pública em 5% (poupando, porém, os escalões de remunerações menos elevadas e penalizando as mais elevadas). Tratando-se da principal componente da despesa do sector público, era impossível reduzir tanto a despesa pública sem a diminuir.
Interrogo-me, no entanto, sobre se teria de ir-se tão longe, caso se tivessem evitado algumas medidas tão onerosas nesse capítulo como foi a aumento generalizado de 2,9% nas remunerações para 2009, já em plena crise, e o acordo com os professores, já depois das eleições de há um ano.

Entre as medidas anunciadas conta-se o aumento das contribuições dos beneficiários para a ADSE, o sistema de saúde privativo do pessoal da Administração pública.
É uma medida positiva, sem dúvida, na medida em que reduz a pesada dependência orçamental do serviço. Mas é pena que não se tenha aproveitado a oportunidade para extinguir a ADSE ou para a transformar num subsistema facultativo inteiramente financiado pelos beneficiários, sem encargos orçamentais, como desde há muito defendo.

vital moreira, causa nossa

12:26 da manhã  

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