quarta-feira, fevereiro 9

Poder da publicidade farmacêutica

Refere um crítico cinematográfico que o “Amor é o Melhor Remédio”, filme de Edward Zwick, link actualmente em exibição é, entre outras coisas, “um olhar de devastadora irrisão sobre as manigâncias da indústria farmacêutica”.

Salvaguardando o exagero da caricatura feita pelo filme, a sua visão fez-me revisitar um velho livro, comprado em 69, ano da sua publicação, na mítica Maspero parisiense. “La médecine en question” de Guy Caro, um médico francês, assim se chama a obra.
O início dum dos números do 1º capítulo - a liberdade de prescrição – começa com uma citação de Godard : ”A publicidade é o fascismo”.
O autor confessa que a frase de Godard – seu estilo habitual e obviamente muito datada – pode irritar o leitor, mas que a utilizou porque “o obstáculo maior à liberdade de prescrição dos médicos se encontra provavelmente na publicidade farmacêutica.”

Os estágios de formação, dos delegados de informação médica, escreve Caro, são animados por psicossociólogos a um dos quais ouviu, sem se admirar:
“São os delegados e não os médicos quem, por intermédio daqueles, prescrevem os medicamentos. O poder da publicidade farmacêutica sobre os médicos é bem mais importante que o da publicidade corrente sobre os consumidores, porque se reveste dum verniz científico.”

Diz Caro que “ entre a plétora de medicamentos inúteis, os bons instrumentos, os instrumentos eficazes existem” e há muitos médicos que os conhecem e utilizam.
“Mas deve reconhecer-se que é sobretudo em meio hospitalar, onde se exerce o ensino que os medicamentos são melhor utilizados, preenchendo melhor a sua função. A experiência recebida no hospital, os contactos frequentes entre médicos, permite em geral triar muito rapidamente bons e maus medicamentos.”

Nesta perspectiva, os Clínicos Gerais poderão ser mais vulneráveis à informação médica. E, sendo a factura de medicamentos tão elevada nos Cuidados Primários, não se percebe porque não existem auditorias clínicas, que avaliem a qualidade da prescrição.

Brites

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4 Comments:

Blogger e-pá! said...

Os poderes, os deveres e os haveres...

De facto, o livro de Guy Caro é, tal como a citação de Godard, um livro datado.
No séc. XXI as inovações medicamentosas chegam aos médicos através de publicações científicas, nomeadamente, as especializadas em terapêutica.E aí é que pode existir problemas. Na verdade, cada especialidade tem publicações de referência para a sua área. Mas, cada vez mais, quer o corpo redactorial, quer as comissões científicas, quer os colaboradores [convidados ou eventuais] deveriam declarar - de modo transparente e sem subterfúgios - os eventuais conflitos de interesses. As "manobras" de marketing dos Laboratórios Farmacêuticos passam por aí. Qualquer clínico que se evidencie numa determinada área das Ciências da Saúde é, de imediato, convidado para exercer funções de consultor por um qualquer Laboratório interessado em desenvolver e/ou promover terapêuticas nesse campo especifico [especialidade]. Muitos desse consultores mantêm-se "ocultos". Quer por questões fiscais, quer por incompatibilidades profissionais. E, esse facto, per si, perverte a literatura de referência no campo terapêutico.
Por outro lado, as questões terapêuticas são cada vez mais escrutinadas em reuniões científicas, à busca de amplos consensos, donde saiem muitas vezes as tão faladas "guidelines".

Os DIM's têm mais a ver com a informação sobre o mercado e com os timings de distribuição e comercialização [dispponibilidade], com o rappelle de marcas, de apresentações, de dosagens e de embalagens do que com as indicações terapêuticas que condicionam o acto de prescrever.
Hoje, muitos DIM's fazem-se acompanhar nas "visitas médicas" de folhetos destacados de publicações científicas [médicas, terapêuticas e de investigação]. Será verdade que muitos desses destacáveis podem não ser cientificamente idóneos mas voltamos ao início: cada área especializada tem publicações de referência que os médicos devem conhecer.

A especialidade de Clínica Geral não é nenhuma excepção ao atrás referido. Dispõem de boas bases de consulta, cientificamente idóneas, muitas delas passíveis de consulta on line. A título de exemplo, posso citar-lhe um dos frequentemente utilizados - o site “Prescrire” link. Mais, em termos de farmacovigilância, o INFARMED tem mantido uma comunicação regular com os médicos através de boletins, onde conhecemos medicamentos sob vigilância ou que foram retirados do mercado. As auditorias clínicas não devem ser despoletadas porque o consumo medicamentoso é elevado nos Cuidados Primários de Saúde. Elas poderão e deverão ter lugar com fundamento em más práticas, mas isso é assunto de outra lavra… que nos levaria longe.

De resto, requiescat in pace...

12:00 da manhã  
Blogger ochoa said...

Excelente post.
A indústri farmacêutica é responsável pela pulverização de orçamentos sucessivos da Saúde no nosso país.
Os DIM fazem apenas parte do folclore.

9:10 da tarde  
Blogger bisturi said...

PROMOÇÃO DE MEDICAMENTO... de muito mau gosto!!!

Une panthère sadique pour vendre des médicaments
Scandale | Une entreprise pharmaceutique a diffusé un film à ses représentants mettant en scène un médecin et une panthère quelque peu agressive. Le résultat est choquant.

DR
© DR | «Prescrire, oui je veux prescrire», gémit lamentablement le médecin.

LMT | 02.02.2011 | 10:05

Le laboratoire Elly Lilly France n'aurait certainement jamais voulu que son film de motivation pour ses commerciaux ne sorte de l'interne, et encore moins que le quotidien français Libération mette la main dessus.

Et pour cause: cette vidéo mettant en scène un médecin humilié par une panthère sadique, le fouettant pour le forcer à prescrire un médicament contre la schizophénie, a de quoi offusquer les âmes les moins sensibles. Après une minute d'une séquence qui n'a rien à envier à un film pour adulte catégorie "cuir et martinet", le médecin promet de prescrire le "Zypadhera", car, comme l'ajoute le slogan, "prescrivez-le sinon ça pourrait mal se passer".

Certains responsables de vente ont déclaré au quotidien avoir refusé de passer la publicité à leurs représentants. Selon Libération, le laboratoire aurait rejeté la responsabilité sur l'un de ses jeunes cadres, qui aurait pris tout seul la liberté de produire la vidéo provocante. "C'est quelque chose qui nous a choqué à un point jamais arrivé", s'est défendu le directeur RH de l'entreprise, Jean-Baptiste Labrusse.

LER E VER O VÍDEO AQUI...http://www.24heures.ch/actu/monde/sm-vendre-medicaments-2011-02-02

1:26 da tarde  
Blogger PhysiaTriste said...

Relativamente ao comentário do e-pá que, como é habitual, traz valor acrescentado à discussão dos temas da saúde, queria dar-lhe toda a razão quando diz que o fundamento das auditorias clícas devem ser as más práticas e não os custos elevados.
Eu parti do princípio que os custos elevados resultam dessa má prática, mas é óbvio que não se devem tirar conclusões antes duma avaliação objectiva.
Aqui fica a correcção.

7:42 da tarde  

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