Sinais de deriva
... A querida
troika veio encontrar uma execução orçamental em que nenhuma das célebres
reformas prometidas e esperadas avançou (eu rio-me da ignorância deles quando
oiço os alemães dizer que Portugal não tem outro caminho senão continuar com as
reformas). Em que a dívida pública aumentou e o défice estabelecido para este
ano nem por intervenção divina será cumprido. Em que 300.000 pessoas perderam o
emprego e dezenas de milhares de empresas faliram e muitas mais vão falir
porque a banca não empresta um tostão a ninguém — e até o mais assanhado
esquerdista sabe que, sem crédito, não há economia que possa funcionar. Em que
19 das 20 empresas do PSI-20 se mudaram para melhores residências fiscais e os
que ficaram estão a ser exterminados por um governo ‘liberal’ que tornou tão
insustentável a carga fiscal que em lugar de recolher mais dinheiro o perdeu. E
em que, finalmente, toda a poupança na despesa pública foi conseguida com
cortes de salários, mantendo intacta a superstrutura que arruína o país e os
maus hábitos de proteger com dinheiros públicos os amigos do costume.
Um ano e meio decorrido, depois de ter
aceitado os sacrifícios impostos com uma resiliência que todos reconhecem, os
portugueses têm o direito de esperar que o Governo e a troika lhes digam o que
correu mal e porquê, e o que vai ser mudado ou revisto. E não adianta virem com
desculpas sobre a conjuntura externa, porque esta é a mesma maioria que não
aceitava essa explicação ao governo anterior. Não adianta virem dizer que a
situação era bem pior do que esperavam, pois que nos juraram que conheciam bem
a situação e estavam preparados para governar (e ainda esperamos provado
“desvio colossal”...). Supondo que, quer o Governo quer a troika, não tenham a
humildade de reconhecer que falharam no diagnóstico e na solução, é de esperar,
pelo menos, que não venham, simplesmente, propor-nos mais do mesmo. Estamos
pobres e descrentes, todavia ainda não estúpidos de todo.’
Miguel Sousa Tavares, semanário Expresso, 01.09.12 link
Etiquetas: bater no fundo, crise euro
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