Eu corto, tu adias, ele empurra
A
impreparação que campeia nos diversos ministérios valorizou o da saúde como
executor do programa da Troika e paladino-mor do corte de despesa e da cobrança
de taxas moderadoras.
A
obsessão pelos cortes pode cegar qualquer ajudante de ministro, se arvorada em
política de saúde, impedindo-o de ver os efeitos de políticas de racionamento
de medicamentos e da redução de transplantações. A despesa futura do MS e a
saúde dos doentes ficarão a perder com a ausência de tratamento, o acesso tardio
aos serviços e a perda dos benefícios dos medicamentos mais eficazes.
Aquela
obsessão levou à defesa pública da prevenção para «evitar o recurso aos
serviços», não para melhor saúde e menos sofrimento. A prevenção faz-se com
campanhas de informação, pela promoção de estilos de vida saudáveis, pela vacinação
e rastreios de doenças, tudo em articulação com educação para a saúde e
esclarecimento por médicos e enfermeiros, o que exige o recurso a serviços de
saúde, nomeadamente aos cuidados primários. Porém promoveu a diminuição de
acesso através das taxas mas não o aumento do número de consultas e
atendimentos que se impunha, e, com a declaração, ainda diabolizou o recurso
àqueles serviços em vez de os promover.
Não
admira que alguns colegas clínicos gerais o tenham rebatizado de EVITA AÍDA.
Toda
a luz que tem sido projetada nos media
sobre os «sucessos» dos cortes já não consegue disfarçar o que se esconde:
-
Adiamento do importante quando politicamente problemático;
-
Promoção de medidas de cosmética na gestão e do jogo do empurra dos doentes.
Como
alguém aqui sublinhou a reforma da saúde devia começar por duas medidas
preconizadas no memorando: Reformulação da rede de urgências e hospitais e
desenvolvimento dos cuidados primários e continuados; ADSE como seguro público
complementar não sustentado pelo orçamento do Estado.
Nada
se fez com medo das possíveis reacções e com dificuldade em conciliar posições
dos interessados. Por isso vão-se empatando com mais uns estudos, uma comissão
com as misericórdias e outras medidas semelhantes. Assim vemos a Saúde em
situações caricatas: Ministro de um lado detendo estudos diversos de
reformulação que não aplica, o que o força a cortar mais no pessoal e no acesso
ao SNS; Um seu subordinado, chefe da todo-poderosa ACSS, bramando que «essa
reforma tem de andar mais depressa». Que tal está a molenga, hem!
Quando
se adia o importante e se abraçam dietas ineficazes é necessário tapar depois
as «misérias», se há hospitais em falência e que não cumprem os compromissos,
adiantam-se uns duodécimos. Mas isso não resolve o problema de fundo e até pode
incentivar os gestores à passividade e à cosmética de números.
Não
se aborda do modo certo o problema das novas tecnologias e dos medicamentos
inovadores, então pede-se uma opinião sobre os medicamentos de maior impacto
financeiro. O problema fica lá, mais vocalizado tanto pelos que lembram a falta
de equidade, como por quem critica os hospitais que fazem a distribuição aos
doentes crónicos a cada 15 dias e o jogo de empurrar os doentes entre
hospitais.
A
subida de taxas moderadoras até um terço do custo não serve de todo como
solução, ainda que servida pelo FMI. Tratar-se-ia então de verdadeiro copagamento
para o doente, estabelecendo uma barreira aos que não podem pagar que ficariam
dependentes da caridadezinha. Pretende-se acabar com o SNS e criar um mercado
para os que podem pagar, contra tudo o que a constituição determina.
É
tempo de atacar os problemas e apostar em soluções técnicas, menos na comunicação,
no marketing político e na conhecida prática burocrática: «Aprovado,
arquive-se».
Jack Lavais
Etiquetas: Paulo Macedo, Um país em sofrimento
1 Comments:
“Na Grécia, se não pusermos um envelope nas mãos do médico a cirurgia é adiada”
“Se não tomarmos as medidas certas na saúde vai haver uma revolução na Grécia”
Vale a perna ler a entrevista a John Yfantopoulos, professor da Universidade de Atenas, no Público “on line” de hoje. Não porque entenda que o nosso Sistema de Saúde se encontre hoje ao mesmo nível do Grego ou que se nos aplica algumas das “aberrações” descritas, nomeadamente as que servem de título à notícia.
Recomenda-se a sua leitura tão só para mostrar a que extremos de degradação humana e social pode conduzir a crise económica numa democracia ocidental. Embora, repito, considere que a situação descrita por Yfantopoulos não tem paralelo no nosso País, receio bem que as politicas conduzidas por este governo, nomeadamente na área da Saúde, possam levar a situações semelhantes num futuro próximo.
De nada vale propagandearmos “nós não somos a Grécia” para que o desejo se concretize. É preciso fazermos por isso e, este fazer, passa pela demissão do governo mais incompetente e reaccionário de que há memória desde Abril de 74.
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