domingo, março 9

ADSE, a falácia


A ADSE é, de facto, um seguro de saúde para alguns pago por todos. Mas há quem veja no subsistema o embrião para transformar o SNS num seguro de saúde para todos pago por alguns. Ou, explicitando, a passagem de um modelo sustentado através dos impostos (Beveridge) para um assente em co-pagamentos, baseado em seguros de saúde e prestadores privados (Bismarkiano). Nestas circunstâncias, o Estado teria mero papel supletivo como prestador limitando-se a financiar, quanto baste, e a tentar regular um sistema assente na competição entre seguradoras e fornecedores privados de cuidados de saúde.
São conhecidas as virtudes e defeitos dos dois modelos e temos bons exemplos de ambos na Europa. Porém, uma coisa é inegável, a maior despesa per capita do modelo Bismarkiano cria maiores problemas de equidade e de sustentabilidade. É por isso que advogar tal mudança num País em empobrecimento acelerado, com cada vez maior polarização da riqueza, só pode resultar de má fé, insensibilidade social ou desconhecimento. Tal modelo só poderia levar a uma ainda maior assimetria geográfica e social no acesso e qualidade dos cuidados de saúde.
Por razões diferentes, vemos hoje os grupos económicos privados e os sindicatos da Função Pública a posicionar-se favoravelmente ao reforço e alargamento da ADSE. Exibindo uma aparente saúde financeira, ao serem artificialmente alimentados por transferências do orçamento de estado, os subsistemas públicos criaram em muitos a ilusão de que o modelo é virtuoso e sustentável devendo, como tal, não só ser mantido como ampliado.
A verdade, porém, é que a folga financeira da ADSE e doutros subsistemas, muito devem ao facto de terem deixado de pagar cuidados de saúde ao SNS graças a um misterioso memorando interministerial estabelecido no governo anterior. Dele resultou que em vez de pagarem por acto como faziam anteriormente e fazem com os privados, ficaram isentos passando o SNS a ser reforçado em 500 milhões euros, a título compensatório, através do orçamento de estado. Sucede, porém, que a compensação só se verificou no ano de 2010, desde então o SNS acomoda praticamente a custo zero a despesa com os beneficiários dos subsistemas.
É este subfinanciamento crónico, agravado ano após ano a partir de 2010, traduzido numa deterioração dos cuidados prestados à população, em particular do acesso a consultas de especialidade, exames complementares de diagnóstico e novas terapêuticas, que faz com que os beneficiários se agarrem aos subsistemas públicos vendo neles comodidades que não encontram no SNS. Esta é uma razão ponderosa que não pode ser escamoteada e nos deve levar a reflectir sobre as causas e a encontrar soluções.
Há que dizer, porém, que os subsistemas públicos não são sustentáveis nos actuais moldes organizativos e de cobertura de cuidados sem a bengala do orçamento de estado. A autosustentabilidade dos subsistemas é pois um mito. Entregues a si próprios, rapidamente assistirão à saída dos prestadores de mais altos rendimentos e de menor risco, aliciados pelos seguros privados, comprometendo em definitivo a sua sustentabilidade. É esta a história das mútuas no confronto com as seguradoras privadas, quando entregues a si próprias.
Para os que pugnam pelos princípios constitucionais do direito à Saúde, é no reforço do desenvolvimento do SNS, exigindo um maior financiamento e a prossecução das reformas, nas quais o aprofundamento das incompatibilidades público/privado e a reforma hospitalar são de carácter urgente, que podem encontrar a melhor resposta para as necessidades em Saúde dos Portugueses. 
Tavisto

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1 Comments:

Blogger e-pá! said...

Totalmente de acordo com a desmontagem da estratégia em curso para 'canibalizar' o SNS.
Na prática, porém, existem distorções por (propositado)défice de regulação de 'contratos' cuja responsabilidade pertence ao MS.
Um beneficiário da ADSE 'beneficia' (aparentemente) em aceder a uma instituição privada. Paga menos aí do que optar por frequentar uma instituição pública. Excepto nas situações emergentes e muito graves onde coabitam outros critérios.
Interessaria saber - neste momento - qual a fatia dos 500 milhões que são efectivamente gastos na prestação de cuidados pelo SNS aos beneficiários da ADSE.
A imoderação 'moderadora' tem destas inconformidades e variadas consequências. Propositadas consequências.
Na verdade, todo o sistema está a ser paulatinamente inquinado.

5:37 da tarde  

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