Colonoscopias com anestesia; um olho no burro, outro no cigano’….
Na berlinda está mais um ‘malabarismo semântico’ para
contornar a realidade, método que se tornou a especialidade deste Governo.
Trata-se como se verificou, por exemplo, nos cortes retroactivos das reformas
(pensões e aposentações) de manobras apresentadas publicamente como ‘processos
de convergência’.
Na verdade, à revelia da progressiva complexidade dos
procedimentos endoscópicos, o MS quer meter no mesmo saco sedação, analgesia e
anestesia para, pela porta do cavalo, ‘optimizar respostas’. De facto, esta nova
‘benesse’ do MS, profusamente anunciada na comunicação social, aparece sob a
capa de ‘anestesia’ link ;
link
e é previsível que a ‘confusão instalada’ não esteja só do lado dos
jornalistas. Há sempre a hipótese de situações provocadas pelo interesse em envolvê-las
em nebulosidades (falta de transparência) através do uso de terminologia vaga,
pouco precisa.
Todavia, no despacho do Ministério de Saúde nº3756/2014
explicita-se: “…novo pacote de cuidados ao abrigo da convenção para a
endoscopia gastrenterológica, que garante a colonoscopia associada à analgesia
ao doente, reduzindo o efeito dissuasor à realização do exame…” link.
Analgesia (‘lack of pain’) é parte da anestesia (‘lack of feeling’) mas não se
sobrepõe, nem a preenche.
Para dirimir o diferendo (e seguramente os custos técnicos,
operacionais e de recursos humanos) entre sedação e anestesia o despacho
recorre ao conceito de ‘analgesia’. O que não deixa de ter o seu significado.
De facto, etimologicamente, analgesia quer dizer ‘insensibilidade’. Circunstância
que está em perfeita conformidade com a acção desta equipa ministerial.
E é neste tipo de ‘metodologia’ que entra o 'desenrascanço'.
Na realidade, como se verifica em relação a muitas das situações de diagnóstico
e de rastreio, que justificam a realização de colonoscopias, co-existem
múltiplos factores de risco, nomeadamente a idade avançada dos utentes e
morbilidades associadas. Por outro lado, os exames endoscópicos evoluíram no
sentido de integrar complexos procedimentos anexos (de intervenção) que
aumentam exponencialmente os riscos técnicos intrínsecos e o inerente
agravamento do desconforto dos utentes (seja álgico, seja ansioso, etc.)
No seguimento deste percurso evolutivo que, não é
aconselhável mistificar ‘crescem’ um vasto conjunto de pertinentes questões
relativas à ‘segurança’ dos procedimentos relativos aos doentes, aos
profissionais e às instituições. Mas a interrogação está levantada na opinião
pública: Analgesia ou anestesia?
Um artigo (para citar uma publicação não especializada e
indexada) publicado no New York Times (Maio de 2012) disseca com algum rigor e
de forma directa e simples esta premente questão sob o título: “Waking Up to
Major Colonoscopy Bills” link
. Um artigo que o Secretário de Estado que assina o despacho deveria ter lido.
Na verdade, estas são
questões que a OM não pode ignorar tendo sentido o dever de alertar as
entidades públicas e os utentes
link.
Foi esta atitude prudente (no momento político seria melhor
usar o epíteto de ‘cautelar’) que originou uma chicana prontamente alimentada
pela ACSS link
e que adensou o nevoeiro que envolve esta questão, sem esclarecer nada.
Uma coisa é tomar um sedativo (que a maioria das pessoas já
passou por aí) outra é ser submetido a analgesia (uso de derivados opiáceos,
das benzodiazepinas, hipnóticos, etc) e, finalmente, fica em aberto a
possibilidade de ser ‘anestesiado’.
É para esta última hipótese (anestesia) que poderá incidir
sobre um número ainda não estimado de doentes que nada ficou definido (no
referido despacho nº3756/2014) quanto a condições técnicas, de recursos humanos
e que naturalmente influenciarão os custos e as comparticipações deste acto
médico. Este grupo não será tão reduzido como á primeira vista poderá parecer.
Englobará entre outros: doentes com síndromas dolorosos crónicos e longa
utilização de analgésicos similares aos opiáceos; obesos; portadores de apneia
do sono; situações de patologia cardíaca e/ou respiratória grave, etc.
O que sabemos de ciência certa é que procedimentos do tipo
das colonoscopias com necessidade de recorrer a uma anestesia geral não são
compatíveis com ‘duplos desempenhos’ (efectuar o procedimento endoscópico e
cuidar da anestesia). Aos gastrenterologistas (responsáveis por este tipo de
exames) não se deve aplicar o estatuto de ‘feirante’ de poder estar com ‘um
olho no burro, outro no cigano’ (passe o carácter discriminatório para o grupo
étnico invocado).
Porém, o despacho do MS ‘prefere’ temerariamente passar ao
lado de situações que tem a obrigação de prever e acautelar, porque se inserem
no contexto deste exame, aceitando colar-se ao limbo das indefinições ou
dando-lhe um estatuto de minudência.
O fito é tornar uma multidão de carências que inundam e afectam
a capacidade de resposta do SNS – de as colonoscopias são a ‘nuvem’ – numa
situação politicamente ‘sustentável’, isto é, ‘não-detectável’. Para além de
tentar ‘anestesiar’ a percepção do desmantelamento ‘programado’ pretende-se
induzir a ‘tolerância’, baseada na confusão de conceitos (p. exº:
sedação/analgesia/anestesia).
Na realidade, esta diletante ‘permissividade’ esconde uma
deliberada política de total contracção dos investimentos no SNS (em meios
técnicos e nos recursos humanos) e, consequentemente, o enviesamento das
respostas. O MS não está disponível para assegurar a realização de
colonoscopias com anestesia nos casos em que se justifique. Interessa, antes de
tudo, ao MS ‘assegurar’ prestações estatisticamente ‘confortáveis’ e, assim,
evitar ‘ruídos’ de fundo cada vez mais evidentes e incomodativos. link
Pelos ‘acidentes’ (previsíveis mas desvalorizados) ‘responderão’, a devido
tempo e em sede própria, os profissionais de saúde.
Sempre foi ‘assim’…
E-Pá!
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