Verão atribulado na saúde
Há três coisas que nenhum ministro consegue esconder: o Sol,
a Lua e a verdade. Após o insólito de vermos uma mulher barbuda a vencer o
Festival da Eurovisão, o ano de 2014 prometia ser um ano diferente. No sector
da saúde, sobretudo em Portugal, confirmou-se a sucessão de factos inusitados.
Ficámos a saber que há idosos internados indevidamente nos hospitais públicos
que esperam mais de um mês por não haver resposta pós-hospitalar. Ou seja,
confirmámos o que neste espaço antecipámos, faz muitos meses, nomeadamente com
o efeito do desinvestimento nos cuidados continuados integrados (CCI). Temos
actualmente cerca de 7.000 camas, quando os planos elaborados entre 2006-07
antecipavam a existência de 14.000 camas, em 2014. Nos cuidados domiciliários,
cruciais para gerar eficiência no SNS, nada. O desinvestimento nos CCI revela
extrema miopia e incapacidade em gerir qualquer processo de reforma do SNS,
apesar dos falsos anúncios e pobre demagogia para fazer crer, a quem nada
entenda do tema, que terá havido uma qualquer reforma na saúde.
Também ficámos a saber que há pessoas a marcar consultas e
exames urgentes no SNS que podem esperar entre 12 e 20 meses, desrespeitando a
regulação vigente na definição dos tempos máximos de resposta garantida. A
conivência silenciosa da Entidade Reguladora da Saúde é tristemente vergonhosa.
A greve dos médicos, que apoiei efusivamente, confirmou a
incapacidade de negociação transparente do ministro da Saúde. A sua caricata
tentativa de denegrir a boa-fé da greve, alegando que uma parte dos médicos não
estava em greve pois “à tarde iria trabalhar no sector privado”, demonstrou um
profundo desrespeito pela profissão e surpreendente desonestidade intelectual.
A luta da enfermagem, com greves locais em sequência, é
também um processo de defesa da verdade que devemos apoiar na medida da
incapacidade ministerial de respeitar os princípios básicos de segurança do
doente, dotando devidamente as unidades com os enfermeiros necessários de
acordo com as regras internacionais da boa prática da gestão de cuidados de saúde.
A ponta do icebergue dos efeitos de mais esta incompetência ministerial é a
contínua elevada taxa de infecções associadas aos cuidados de saúde verificadas
em Portugal.
A tentativa de iniciar a cobrança coerciva de taxas
moderadoras, sendo uma peregrina forma de abuso de poder, passará rapidamente
ao arquivo morto do Ministério da Saúde. Tal como a alegada reforma hospitalar,
que nunca passou de um conjunto de medidas desarticuladas transformadas numa
proposta de encerramento de serviços, recorrendo a uma lógica de análise da
quilometragem em detrimento das reais necessidades de saúde e recursos das
comunidades locais.
Entretanto, os assaltos de propaganda planeada para gerir a
imagem do ministro sucedem-se. Sempre que a população começa a percepcionar o desastre
das suas intervenções políticas na saúde, repetem-se velhas notícias de casos de
alegadas fraudes ao SNS na tentativa de projectar uma imagem falsa de ministro
em luta contra os poderes subversivos. Notícias sobre a promessa de contratação
de 600 enfermeiros, quando em larga medida apenas está a renovar contratos e,
na verdade, devia contratar 2.000. São apenas dois exemplos que esclarecem a
opinião pública da sua natureza manipuladora.
Tudo isto reflecte, lamentavelmente, somente a mediocridade
generalizada no trabalho desta equipa ministerial. No SNS, mantêmse os mesmos
problemas identificados quando esta iniciou funções em 2011. No plano
internacional, diversos exemplos de reformas estratégicas nos padrões de
financiamento e políticas de qualidade geradoras de eficiência passaram ao lado
do ministro.
Estas constatações, que tenho repetido neste espaço de livre
opinião, devem levar-nos a questionar como é possível que o primeiro-ministro
aceite tanta incompetência no sector da saúde, chave para a redução da despesa
pública? Nesta área, este Governo nada de verdadeiro ou positivo terá a
apresentar para a sua expectável campanha de reeleição.
Paulo Moreira, JP 15.09.14
Etiquetas: Paulo Macedo
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