Austeridade mata
Os efeitos as
políticas de austeridade do sector da saúde foram «desastrosos» sobretudo
porque ocorrerem numa altura em que os cidadãos mais precisam de cuidados. A
ideia é defendida pelo investigador inglês, David Stuckler, que considera
«vantajoso» o investimento em Saúde Pública, mesmo durante as crises económicas
«Mesmo em
tempo de crise investir em Saúde Pública é rentável», afirmou, no Porto, David
Stuckler, sociólogo e investigador da Universidade de Oxford (Inglaterra),
defendendo que, muito embora a recessão seja prejudicial, no caso da saúde «as
medidas de austeridade podem matar».
Convidado a
falar sobre The Body Economic: Why Austerity Kills (exactamente o título da
publicação de que é co-autor e que é muito crítica em relação às políticas de
austeridade no sector da Saúde), no âmbito do 6º Encontro Nacional da Clínica
de Ambulatório VIH, Hospitais e Dia
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o também professor de Política Económica
e Saúde Pública da Universidade de Oxford advertiu: «Os políticos falam
incessantemente acerca do sísmico impacto económico e social da recessão, mas
muitos continuaram a ignorar os seus efeitos desastrosos na saúde das pessoas».
Aliás, para David Stuckler, nos últimos três anos, as políticas adoptadas neste
sector «exacerbaram esses efeitos em muitos países, sobretudo nos que adoptaram
severas medidas de austeridade», permitindo «cortes em programas sociais na
altura em que os cidadãos mais precisavam deles».
Segundo
Stuckler, que acompanhou particularmente a situação da Grécia, desses cortes
resultou, em muitos países - como de resto o investigador denuncia no The Body
Econoimic, edição que mereceu já destaque na revista The Lancet –- «na
transformação da sua recessão em verdadeiras epidemias», «arruinando ou
extinguindo milhares de vidas num disparatado esforço para equilibrar o
orçamento e os mercados financeiros».
«Um problema de vida ou
de morte»
Na sua
intervenção, que teve como moderador António Sarmento, presidente do encontro e
director do Serviço de Doenças Infecciosas do Centro Hospitalar de São João, no
Porto, Stuckler mostra como a política dos governos se tornou «um problema de
vida e de morte» durante a crise financeira. Com base numa série de estudos de
caso «históricos», que se estendeu desde a América dos anos 30, passando pela
Rússia e Indonésia dos anos 90, até à Grécia, Espanha, Inglaterra e Estados
Unidos dos nossos dias, o sociólogo demonstra que «a má orientação das
políticas [de saúde] relativas à crise financeira resultou num aparatoso
desfile de tragédias humanas», que vão desde suicídios e infecções por HIV até
epidemias, como foi o caso da tuberculose. No entanto, durante a depressão,
países como a Islândia, Noruega e Japão «estão mais felizes e saudáveis do que
nunca, provando que os choques financeiros não destroem inevitavelmente a Saúde
Pública», acrescentou o investigador.
«Isto não está na mesma,
está pior, como é evidente»
As
consequências da crise económica e os cortes no orçamento do sector foram
também comentadas por António Sarmento que, em declarações ao «TM», esclareceu:
«A saúde custa dinheiro e exige recursos humanos, portanto, quando há menos
dinheiro e menos recursos a saúde piora claramente. Qualquer pessoa sabe que
mesmo que os médicos sejam muito bons, um doente é melhor tratado na Alemanha
do que na Etiópia ou na Somália, onde não existem recursos. Realmente, se se
fazem cortes sucessivos no orçamento para a Saúde, como é lógico, a saúde vai
ter que piorar».
Embora os
indicadores em Portugal possam «não espelhar exactamente a realidade», para
este infecciologista, quem trabalha no dia-a-dia com doentes – nos hospitais,
nos centros de saúde, nas consultas – «tem a nítida noção que realmente esta
crise económica - a falta de recursos - está a ter consequências no quotidiano
das pessoas e até dos cuidados prestados». Portanto, frisa, «isto não está na
mesma, está pior, como é evidente».
«Fazer mais e melhor com
menos é uma demagogia completa»
Em Portugal
qual o impacte da austeridade no sector da Saúde? Para António Sarmento, entre
nós, «globalmente, a situação sempre esteve difícil em todos os sectores», e
por isso não há nada que garanta que agora está mais fácil do que há quatro
anos, pelo contrário. «Não vale a pena as pessoas enganarem-se a si próprias
nem enganarem os outros». E sublinha: «Quando vem um governante nosso dizer, ao
fim de quatro anos, que “temos que fazer mais e melhor com menos”, é uma
demagogia completa, não se pode, só se fôssemos mágicos». E remata: «Depois de
quatro anos de cortes, fazer mais e melhor com menos não é possível, se não
tínhamos descoberto a pedra filosofal».
Embora
acredite que não atingiremos os «dados assustadores» que ocorreram na Grécia
com o recuo dos serviços de Saúde, porque «temos um SNS muito mais sólido»,
«bem implantado» e «assente na competência dos profissionais», o ex-secretário
de Estado Adjunto e da Saúde e agora vereador da Câmara do Porto, Manuel Pizarro,
que também interveio no encontro, admitiu que, recentemente, os serviços «estão
a dar já mais sinal de incapacidade de resposta» porque «o efeito cumulativo
das restrições acaba por ter grande impacte no presente, que se vai agravando
progressivamente». Por outro lado, sublinha, «não se vêem sinais de preocupação
nem tomada de medidas que permitam alterar esta realidade».
Embora não
dispondo ainda de dados, o autarca adianta que todos os serviços sociais da
cidade do Porto vão dando eco de «situações de agravamento», não só no domínio
do abuso de substâncias, mas também pelo aparecimento de doentes com patologia
psiquiátrica grave que recusam tratar-se. «Estão a abandonar os tratamentos por
falta de uma estrutura de suporte que lhes permita restabelecer os laços
sociais e de contacto», avisou Manuel Pizarro, acrescentando: «Temos o direito
de exigir a quem toma decisões em matéria de redução desses apoios que faça, ao
menos, uma avaliação regular do impacte que isso tem sobre a saúde dos
portugueses».
«Se houver menos
dinheiro há menos cuidados, é óbvio»
Questionado
acerca do impacte da crise económica na área das doenças infecciosas, onde os
tratamentos podem atingir custos consideráveis, António Sarmento, director do
Serviço de Doenças Infecciosas do Centro Hospitalar de São João, limitou-se a
esclarecer: «A saúde custa dinheiro e por isso se este faltar há menos
cuidados, isto é, os medicamentos custam dinheiro, depois há os salários, há o
rácio adequado de médicos e enfermeiros, que custa dinheiro, portanto se houver
menos dinheiro há menos cuidados, é óbvio».
Crise económica
«encoraja hábitos de consumo de drogas»
«Todo o
ambiente de crise económica e de depressão nacional encoraja os hábitos de
consumo de drogas» e «a privação económica dos próprios consumidores faz com
que o consumo via injectável seja mais compensatório», afirmou Manuel Pizarro,
ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde. O agora vereador da Câmara do
Porto, que falava sobre «Dificuldades de adesão às consultas e tratamentos –
Causas económicas e sociais» considera que as medidas de contenção de despesa,
embora «possam ser compreensíveis» num contexto de emergência nacional,
«precisam de monitorização, estudo prévio e avaliação do seu impacto, o que não
tem ocorrido».
«Acima de
tudo preocupa a alteração do funcionamento de serviços que, para responder a
populações excluídas, precisam mais do que o acto técnico da consulta médica»,
sublinhou.
«Distribuição de
seringas passou para metade de um ano para o outro»
«O que foi
decidido fazer em matéria de distribuição de seringas, alterando o protocolo
com a Associação Nacional de Farmácias e passando [a distribuição] para dentro
dos centros de saúde teve, pelo menos, um efeito numérico: a distribuição de
seringas passou para menos de metade de um ano para o outro», afirmou Manuel
Pizarro, garantindo que «o país vai pagar isso». Para o vereador da Câmara do
Porto, «a pequena poupança que existiu nessa mudança vai se paga e não apenas
em vidas humanas mas, mais tarde ou mais cedo, pelos custos adicionais dos
tratamentos». O que precisamos e devemos fazer então para aproximar pessoas em
condição económica de exclusão e da adesão à terapêutica? Para Manuel Pizarro,
o importante é «olhar para as experiências bem sucedidas», citando como exemplo
o Centro de Terapêuticas Combinadas do Hospital Joaquim Urbano, experiência
que, como disse, «merece ser estudada e reproduzida», em que os doentes são
abordados de «forma holística», procurando «a sua reinserção e adesão à
terapêutica».
«Há mais 200 mil pessoas
a viver em estado de privação»
«Não há dados
sobre a situação da pobreza na infecção VIH/Sida, mas pode aplicar-se a
presunção genérica, como acontece em todas as doenças», ou seja, «é de supor
que aqui [a pobreza] acontecerá de forma mais dramática e impressiva», afirmou
Manuel Pizarro. O ex-membro do Governo, que falava numa mesa sobre «Não adesão
dos doentes aos tratamentos», lembra que mais «assustador do que isso» é que,
entre 2010 e 2013, a percentagem de portugueses que ficou em estado de privação
material grave aumentou de 9 para 11%. «Parece apenas um pequeno aumento de 2%,
mas isso significa que há mais 200 mil pessoas que vivem em estado de privação
material grave que, no conjunto, atinge um milhão de portugueses», frisou.
Embora
concordando que existam «ideias diferentes» sobre a organização do sistema de
saúde, por exemplo, em relação às dependências e ao abuso de substâncias
lícitas ou ilícitas, Manuel Pizarro mostra, contudo, que «não é boa ideia»
fazer aquilo que designa por «experimentalismo organizacional». E fazê-lo, sobretudo,
«numa fase de crise grave», onde é previsível o reacender de vários problemas:
«Não há dados fiáveis em matéria de consumo de substâncias ilícitas,
designadamente por via injectável – o factor de maior risco do ponto de vista
de propagação de infecções - mas todos os dados empíricos apontam para um
agravamento do fenómeno», admitiu, acrescentando: «Há dados que apontam para
cerca de 14% do consumo de drogas injectáveis já nesta década, dados muito
parcelares, no entanto, nos bairros municipais do Porto, em mais de 250 casas,
há uma suposição bem alicerçada de existir tráfico de droga e não há tráfico
sem haver consumidores.
«Provavelmente
estamos a alterar uma curva positiva das últimas décadas de diminuição do peso
dos consumos de drogas e sobretudo da diminuição do consumo por via
injectável», preconizou, até porque, disse, «há muitas razões para que isso
aconteça».
Tempo de Medicina, Manuel
Morato , 17.10.14
How Austerity Kills
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The Body Economic: Why Austerity Kills link
Etiquetas: bater no fundo, Crise e politica de saúde
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