Crise, oportunidade perdida
...
JM – Portugal foi
classificado, em 2013, pela OMS, como 12.º no ranking do melhor sistema de
saúde europeu. Acha que, mesmo assim, ainda há áreas onde é necessária uma
maior intervenção?
LC – De facto, na saúde, temos tido belíssimos resultados e
a saúde destaca-se como a melhor área da administração pública, com resultados
fantásticos na comparação internacional, em função dos recursos que o país tem.
E isso deve-se à criação do SNS e aos magníficos profissionais que aí trabalham.
Dito isto, creio que a crise económica podia ter sido melhor aproveitada para
darmos um passo em frente na correcção de algumas distorções e na consolidação
de algumas reformas, como a dos cuidados primários ou dos hospitais.
Assistiu-se, e bem, a uma significativa redução da despesa
com os medicamentos, que está a chegar ao limite, mas havia outras oportunidades
que ficaram por aproveitar. Ao invés, houve uma excessiva centralização das
decisões, que tem penalizado particularmente as instituições que tinham melhores
resultados, em termos de gestão.
Para além dos que já citei, creio que um dos maiores
problemas foi não termos interiorizado que a boa qualidade reduz a despesa em
saúde e que a má qualidade sai muito cara. Um dos exemplos que costumo citar é o
da infecção hospitalar que, no nosso país, atinge uma das taxas mais elevadas da
Europa: se conseguíssemos baixar para metade a incidência da infecção hospitalar
(5%, ao nível da França), poupávamos 280 milhões de euros anualmente. Outro exemplo
é o enorme número de doentes que persistem meses ou anos internados em
hospitais de agudos, por motivos sociais, expostos às infeções hospitalares, a custar
uma diária superior a qualquer suite de um hotel de cinco estrelas.
Outro problema preocupante é ao nível da prevenção: a OMS
diz que 80% dos casos de doença coronária, de AVC e de diabetes no adulto e 40%
das situações de cancro podiam ser evitados pela correcção dos hábitos alimentares,
a prática de exercício físico e o abandono do tabaco. Neste momento, temos as
raparigas com menos de 15 anos com a maior taxa de obesidade da Europa, temos
uma das mais elevadas prevalências de diabetes e continuamos a ter uma alta
taxa de consumo de álcool. A somar a isto temos as consequências para saúde pública
que as crises económicas necessariamente induzem.
Mantemos ainda importantes problemas a nível do acesso:
segundo os relatórios do SIGIC, há vários tumores onde 25% das pessoas ficam à
espera da cirurgia mais tempo do que o tempo máximo de resposta garantida no
próprio despacho. Também a nível das consultas, há instituições onde mais de
60% das pessoas têm tempos de espera que ultrapassam os tempos máximos de
resposta garantida.
Também na forma como os cidadãos utilizam os serviços de
saúde temos graves problemas: a existência de mais de 40% de doentes que
recorrem às urgências sem terem problemas urgentes, ou o recurso exagerado por
parte das pessoas aos subespecialistas, em vez de recorrerem ao seu médico
assistente. Dizem os americanos: “Escolhe o especialista e escolherás a
doença.”
Outro problema crónico é a falta de avaliação das mudanças
que implementamos e a expansão de modelos que não foram avaliados: qual o impacto
da reforma das urgências? Qual o impacto das unidades locais de saúde? Os
centros hospitalares são bons ou maus?
Finalmente, um ponto também destacado no relatório Health
for the Future: a falta de reconhecimento dos profissionais de saúde, enquanto
agentes e líderes da mudança.
JM – Na sua opinião,
o que define um bom sistema de saúde?
LC – Um bom sistema de saúde é um sistema que dá uma resposta
com qualidade às necessidades e às expectativas das pessoas, optimizando os
ganhos em saúde em função dos recursos disponíveis. A qualidade deve ser
entendida nas suas várias dimensões: acesso, segurança, equidade, eficiência,
oportunidade, respeito pelos direitos dos doentes, continuidade de cuidados,
adequação e cuidados centrados no doente. Num bom sistema de saúde, a qualidade
dos cuidados de saúde deve ser uma responsabilidade de todos e de cada um dos profissionais em todos os níveis do sistema
e esta resposta deve ter a flexibilidade para acompanhar a modificação das
necessidades das pessoas.
Luís Campos, grande entrevista, Jornal Médico, novembro 2014
Etiquetas: Crise e politica de saúde
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