sábado, janeiro 17

Crise, oportunidade perdida

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JM – Portugal foi classificado, em 2013, pela OMS, como 12.º no ranking do melhor sistema de saúde europeu. Acha que, mesmo assim, ainda há áreas onde é necessária uma maior intervenção?
LC – De facto, na saúde, temos tido belíssimos resultados e a saúde destaca-se como a melhor área da administração pública, com resultados fantásticos na comparação internacional, em função dos recursos que o país tem. E isso deve-se à criação do SNS e aos magníficos profissionais que aí trabalham. Dito isto, creio que a crise económica podia ter sido melhor aproveitada para darmos um passo em frente na correcção de algumas distorções e na consolidação de algumas reformas, como a dos cuidados primários ou dos hospitais.
Assistiu-se, e bem, a uma significativa redução da despesa com os medicamentos, que está a chegar ao limite, mas havia outras oportunidades que ficaram por aproveitar. Ao invés, houve uma excessiva centralização das decisões, que tem penalizado particularmente as instituições que tinham melhores resultados, em termos de gestão.
Para além dos que já citei, creio que um dos maiores problemas foi não termos interiorizado que a boa qualidade reduz a despesa em saúde e que a má qualidade sai muito cara. Um dos exemplos que costumo citar é o da infecção hospitalar que, no nosso país, atinge uma das taxas mais elevadas da Europa: se conseguíssemos baixar para metade a incidência da infecção hospitalar (5%, ao nível da França), poupávamos 280 milhões de euros anualmente. Outro exemplo é o enorme número de doentes que persistem meses ou anos internados em hospitais de agudos, por motivos sociais, expostos às infeções hospitalares, a custar uma diária superior a qualquer suite de um hotel de cinco estrelas.
Outro problema preocupante é ao nível da prevenção: a OMS diz que 80% dos casos de doença coronária, de AVC e de diabetes no adulto e 40% das situações de cancro podiam ser evitados pela correcção dos hábitos alimentares, a prática de exercício físico e o abandono do tabaco. Neste momento, temos as raparigas com menos de 15 anos com a maior taxa de obesidade da Europa, temos uma das mais elevadas prevalências de diabetes e continuamos a ter uma alta taxa de consumo de álcool. A somar a isto temos as consequências para saúde pública que as crises económicas necessariamente induzem.
Mantemos ainda importantes problemas a nível do acesso: segundo os relatórios do SIGIC, há vários tumores onde 25% das pessoas ficam à espera da cirurgia mais tempo do que o tempo máximo de resposta garantida no próprio despacho. Também a nível das consultas, há instituições onde mais de 60% das pessoas têm tempos de espera que ultrapassam os tempos máximos de resposta garantida.
Também na forma como os cidadãos utilizam os serviços de saúde temos graves problemas: a existência de mais de 40% de doentes que recorrem às urgências sem terem problemas urgentes, ou o recurso exagerado por parte das pessoas aos subespecialistas, em vez de recorrerem ao seu médico assistente. Dizem os americanos: “Escolhe o especialista e escolherás a doença.”
Outro problema crónico é a falta de avaliação das mudanças que implementamos e a expansão de modelos que não foram avaliados: qual o impacto da reforma das urgências? Qual o impacto das unidades locais de saúde? Os centros hospitalares são bons ou maus?
Finalmente, um ponto também destacado no relatório Health for the Future: a falta de reconhecimento dos profissionais de saúde, enquanto agentes e líderes da mudança.
JM – Na sua opinião, o que define um bom sistema de saúde?
LC – Um bom sistema de saúde é um sistema que dá uma resposta com qualidade às necessidades e às expectativas das pessoas, optimizando os ganhos em saúde em função dos recursos disponíveis. A qualidade deve ser entendida nas suas várias dimensões: acesso, segurança, equidade, eficiência, oportunidade, respeito pelos direitos dos doentes, continuidade de cuidados, adequação e cuidados centrados no doente. Num bom sistema de saúde, a qualidade dos cuidados de saúde deve ser uma responsabilidade de todos e de cada um dos profissionais em todos os níveis do sistema e esta resposta deve ter a flexibilidade para acompanhar a modificação das necessidades das pessoas.

Luís Campos, grande entrevista, Jornal Médico, novembro 2014

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