SNS, caos e desagregação
SNS e a urgência dos hospitais públicos vivem desde
há cerca de um mês uma situação caótica, que não cessa de se agravar.
Na sua origem estão razões conjunturais e, também, o efeito
estrutural da desagregação e enfraquecimento do SNS causado pelas políticas dos
últimos quatro anos.
A indiferença e incapacidade de reação revelados pelo
Governo em relação relação à epidemia de gripe merecem viva condenação. O
Ministério da Saúde foi antecipadamente avisado. A meio do mês de dezembro o
sistema de vigilância epidemiológica evidenciou o surgimento de uma epidemia e
previu o aumento abrupto de casos nas semanas seguintes.
Urgia tomar medidas, que são conhecidas e já foram adotadas,
com sucesso, noutras circunstâncias: alargamento do horário dos Centros de
Saúde, reforço das equipas de urgência, mobilização de novas soluções de
internamento (alas hospitalares desativadas, hospitais militares), aumento da capacidade de
atendimento da Linha Saúde 24. Adormecido, o Ministério da Saúde desvalorizou
os sinais de alerta e só acordou um mês depois, apesar do colapso das urgências
se ter iniciado logo nas últimas semanas de 2014. Nem o prolongado encerramento
dos Centros de Saúde, provocado pela junção das tolerâncias de ponto, dos feriados
e das pontes, no Natal e na passagem de ano, alarmou os responsáveis políticos
da saúde.
Este comportamento revela negligência e insensibilidade. O Ministério
sabia da epidemia, conhecia ou devia conhecer a necessidade de tomar medidas de
forma atempada e preventiva e manteve-se abúlico e inoperante. Essa apatia teve
um efeito dramático na capacidade de resposta dos serviços.
Estes acontecimentos revelam o estado de fragilidade a que
chegou o SNS. Não há memória de nenhum momento em que as urgências dos hospitais
públicos, de forma generalizada, tenham mostrado tanta incapacidade de reação.
Isto acontece porque quatro anos de total ausência de estratégia e de restrição
brutal de financiamento abalaram profundamente o serviço público.
Hoje, nos hospitais públicos, falta tudo: médicos,
enfermeiros, administrativos, maqueiros, equipamentos diferenciados e coisas simples
como material de limpeza ou macas. Numa atividade de grande desgaste e de
acelerada evolução tecnológica quatro anos de investimento nulo vão pagar-se
caro no futuro próximo e já estão a custar muito a todos os portugueses que
precisam do seu serviço de saúde.
A falha maior é, no entanto, de vontade política. A
subalternização dos serviços públicos afasta os profissionais e diminui o
prestígio dos hospitais e serviços. Reduz a confiança no serviço público e
fornece o pretexto necessário a quem sempre o quis destruir. Só assim se compreende
a novela do súbito aparecimento de recursos financeiros para custear o recurso
das pessoas ao sector privado. Esse é o dinheiro que o Governo diz que não há
quando se trata de melhorar o SNS, mas que afinal está disponível para
alimentar a iniciativa privada, que foi crescendo sempre com a expectativa do financiamento
pelo Estado.
Assim se evidencia como a catástrofe assistencial que está a
ocorrer nas urgências acaba por servir o propósito dos que veem a saúde como um
simples bem de mercado, sem ética e sem consciência social.
Em nome dos portugueses, de todos os que têm direito ao
acesso à saúde, essa é uma vitória que não lhes podemos permitir.
Manuel Pizarro, expresso 24.01.15
Etiquetas: Paulo Macedo
4 Comments:
Considero de uma hipocrisia imensa o artigo. Sem o oportunismo, os erros e uma fachada rebocada saltaria demasiado à vista... as responsabilidades do PS e de Pizarro no caminho seguido.
António Arnault em 20-08-2011 afirmou ao DN: José Sócrates, adoptou medidas "inadmissíveis a um governante socialista" e "deve queixar-se das suas políticas erradas" e não de quem se opôs a elas.
As "chamadas taxas moderadoras para cirurgias de ambulatório e para internamentos hospitalares" foram da criação de quem? Do menino jesus?
Como disse Arnault essas taxas "não eram moderadoras (os tratamentos em causa não dependiam de decisão do utente, mas do médico), eram formas de co-pagamento", que "é inconstitucional" e "em circunstância alguma deveriam ser instituídas por um governante socialista".
Não está o PSD a seguir um guião escrito pelo punho do PS? Há uma nova fase no negócio da saúde? Quem o fomentou como ninguém?
Espremam o texto: o que sai daí senão explorar os factos imediatos?
Atrasos na contratação de médicos, falta de comunicação e, eventualmente, de verbas dirigidas aos hospitais e Administrações Regionais de Saúde (ARS) são os principais entraves a uma regular situação nas Urgências. O Governo não admite, mas sabe disso. Um despacho da tutela dá instruções urgentes para «colmatar a falta de resposta».
O planeamento e a tomada de medidas extraordinárias pelo Governo não se coadunam com as repetidas queixas de utentes e profissionais que dizem não ter condições para trabalhar, nem mãos a medir nas Urgências dos hospitais. Alguma coisa não está bem na equação. Falta a explicação para as longas esperas nos Serviços de Urgência, sem falar do risco de morte que daí pode resultar.
De facto, apesar de haver mais centros de saúde com horário prolongado, da aposta na vacinação contra a gripe, da liberdade de contratação de médicos e de enfermeiros, da abertura de mais 569 camas para agudos nas últimas semanas, da libertação de camas ocupadas por casos sociais, entre outras medidas, sucedem-se as notícias sobre o caos nas Urgências, tendo o Serviço Nacional de Saúde (SNS) registado desde o início do ano até agora, mais 1903 mortes (por todas as causas) do que o esperado.
A «imprevisibilidade» do surgimento da gripe e o «tempo frio» foram as justificações apresentadas quer pela Direcção-Geral da Saúde, quer pelo secretário de Estado Adjunto do ministro da Saúde, numa Conferência de Imprensa, no passado dia 20, em Lisboa, negando este último que o País viva em «emergência ou caos generalizado» devido à gripe.
Manifestamente irritado com «algumas coisas que têm sistematicamente repetidas e que não correspondem à verdade» veiculadas pela Comunicação Social, Leal da Costa garantiu que «este ano houve até mais planeamento do que em anos anteriores» e que não percebe a insistência das notícias, lembrando, recorrendo a gráficos, que 1998-99 foi a época, dos últimos anos, em que houve uma maior mortalidade por gripe, precisamente numa época não pandémica».
Tempos de espera demorados são devidos a quê?
A pergunta impõe-se. Se os tempos demorados no atendimento não são devidos à gripe, são, então, devidos a quê?
O governante admite que «tudo aquilo que tem sido feito -- e que foi muito --, ainda não foi o suficiente relativamente a dois ou três hospitais que estão identificados para alterar a situação», considerando que é uma «questão que não vale a pena estar a escamotear». Leal da Costa assume ainda «com toda a frontalidade e de cara destapada» que a tutela está «a resolver os problemas onde eles têm que ser resolvidos». No entanto, recusa que a situação se deva «a cortes, falta de contratações de profissionais, ou falta de dinheiro», lembrando mesmo que, neste momento, «no Reino Unido (que tem uma capacidade instalada de MGF melhor do que a nossa), alguns hospitais decidiram fechar quando atingem um determinado número de espera», deixando os doentes à porta.
cont ...
Neste momento, garante, «todos os casos dos hospitais nos quais existia excesso de procura e de espera estão melhores do que na altura do Natal e Ano Novo».
Dados escondidos?
Mas a verdade é que existem alguns dados, sobejamente reivindicados pelos sindicatos e Ordem dos Médicos e alguns directores de Serviços de Urgência, administradores hospitalares, Associações de utentes e até políticos, que podem justificar o contínuo caos nos Serviços de Urgência e que não foram abordados pelo secretário de Estado Adjunto do ministro da Saúde na Conferência de Imprensa.
A falta de recursos humanos, de comunicação e, eventualmente, de verbas alocadas aos hospitais e Administrações Regionais de Saúde (ARS) estão no cerne dos principais entraves a uma regular situação nas Urgências. Leal da Costa sabe disso, até porque foi o próprio que assinou um despacho link no passado dia 9, onde são dadas instruções para serem «cumpridas de imediato» de forma a «colmatar a situação da falta de resposta à afluência aos serviços de Urgência», admitindo, desta forma, o problema.
Falta de médicos/planeamento
• Estabelece o despacho que as ARS e a ACSS devem «dar a máxima urgência aos pedidos de contratação de médicos, em especial daqueles que possam ser chamados a participar nas produção de situações urgentes» e as ARS «dar instruções aos hospitais para contratarem em regime de tarefa ou avença onde for preciso».
• É dito aos hospitais que «todos os médicos com especialidades afins à Medicina Interna, ou afins à Cirurgia Geral e os internos de especialidade já detentores de autonomia para a prática da Medicina devem integrar as escalas dos serviços de Urgência».
• É ordenado que «os hospitais devem ser instruídos pelas ARS a terem anexa à escala de Urgência médicos, aos quais se poderá pagar um valor como horas de prevenção nas noites e dias de feriados, para substituir os médicos que eventualmente adoeçam».
Demora nas colocações dos médicos
• Dita a tutela que as ARS e a ACSS «devem agilizar e finalizar os concursos», advertindo e reconhecendo que os mesmos «já estão a decorrer por demasiado tempo» e que «todos os médicos em situação de poderem ser colocados têm de estar colocados antes do final do mês de Janeiro».
Falta de capacidade
• Às ARS é dito para «fazer uma avaliação dos serviços de Urgência privados e qual tem sido a procura e respectiva capacidade de resposta, para analisar eventual participação adicional destes serviços, caso seja necessário».
cont...
Falta de macas na ARSLVT
• A ARSLVT disse à tutela que «as empresas estão a demorar cerca de três semanas na entrega das macas que são compradas».
O sindicato Independente dos Médicos, que divulgou o despacho ainda não publicado, já se pronunciou negativamente sobre algumas das medidas alegando que a tutela está a querer despachar «de modo avulso» o problema das Urgências hospitalares e que o documento, fruto de uma reunião de Leal da Costa com a Direcção-Geral da Saúde, ARS, INEM e Linha Saúde 24, no passado dia 8 de Janeiro, não teve em conta a opinião dos sindicatos médicos.
Tutela promete monitorização do doente em «tempo real»
Na Conferência de Imprensa, o secretário de Estado Adjunto do ministro da Saúde, Leal da Costa, anunciou que a tutela, em conjunto com a Serviços Partilhados do Ministério da Saúde e a Administração Central dos Serviços de Saúde, está a trabalhar no desenvolvimento de «uma ferramenta» que vai permitir registar e monitorizar os casos em que os doentes não foram vistos em tempo considerado adequado.
Trata-se, no fundo, de «passar a ter um sistema informático que permite ligar o sistema da Triagem de Manchester ao sistema clínico para poder fazer o follow-up dos doentes» e mesmo a «reverificação da situação do doente em períodos constantes». Ou seja, possibilitar uma «monitorização em tempo real, doente por doente», uma vez que actualmente não é possível apurar «qual o tempo médio de espera por utente em cada hospital e relacionar isso com o desfecho do episódio», explicou o governante.
Mas até que a «ferramenta» esteja pronta a espera avista-se longa. Em primeiro lugar, o Ministério vai «criar condições para que todos os hospitais do SNS tenham o sistema de triagem mais moderno, em termos informáticos, uma vez que há duas versões do protocolo da Triagem de Manchester, sendo a mais recente a menos usada»; depois, avançou Leal da Costa «só no final de 2015 e depois de garantidas todas as condições é que o projecto avançará».
Tenpo Medicina
Enviar um comentário
<< Home