SNS: A urgência da realidade
A situação que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) viveu esta
última semana pode resumir-se a uma palavra: rutura.
Segunda-feira, o presidente da ARS Norte declarou a situação
do Hospital da Feira “preocupante” e que se estão a procurar “respostas às
necessidades”. Terça-feira, os sete chefes da equipa do serviço de urgência do
Hospital Garcia de Orta demitiram-se invocando a degradação das condições de
trabalho e a excessiva lotação de doentes internados. Quarta-feira a administração
do Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga demitiu-se.
Os deputados e deputadas do PS dedicaram a segunda-feira
passada à saúde, visitando hospitais e centros de saúde e reunindo com os
representantes dos profissionais do sector de vários distritos. Confirmámos o
que infelizmente já sabíamos: a situação que se vive no SNS é insustentável e o
ministro Paulo Macedo tem de parar de fingir que está tudo bem e que a situação
é normal!
A imagem que o ministro da Saúde tentou vender de que os cortes
e a austeridade na saúde decididos por este Governo não punham em causa o SNS,
caiu definitivamente por terra. A verdade é que a opção de cortar na saúde mais
do dobro do que estava previsto no memorando de entendimento tem custos. Os
custos são aqueles que infelizmente, os portugueses e as portuguesas sentem
todos os dias.
A falta de uma estratégia para o Serviço Nacional como um
todo teve e tem consequências que são hoje identificadas por todos:
Quando este Governo desistiu da reforma dos Cuidados de
Saúde Primários, reduzindo a abertura de USF, encerrando serviços de
atendimento permanente e criando mega-agrupamentos ingovernáveis de centros de
saúde, pondo em causa os serviços de proximidade, o ministro Paulo Macedo
contribuiu para a atual situação de rutura do SNS.
Quando nos cuidados hospitalares, o Governo não fez a
reforma hospitalar que prometeu, quando reduziu o número de camas sem
planeamento, porque a única preocupação era reduzir a despesa, o ministro Paulo
Macedo contribuiu para a atual situação de rutura do SNS.
Quando nos cuidados de retaguarda, o Governo desinvestiu na
rede de cuidados continuados — só no Norte foram recentemente encerradas cerca
de 100 camas de convalescença, o ministro Paulo Macedo contribuiu para a atual
situação de rutura do SNS.
O Governo e o ministro Paulo Macedo sabiam o que estavam a
fazer. Imaginando por absurdo que não soubessem, há muito que a Ordem dos
Médicos, a Ordem dos Enfermeiros, os sindicatos, as comissões de utentes e
muitas outras entidades afirmam que os serviços do SNS, incluindo os serviços
das urgências, foram reduzidos ao mínimo, nalguns casos abaixo do aceitável e
que a situação acabaria por ser insustentável.
A situação do SNS é de facto insustentável. O ministro Paulo
Macedo não conseguirá ser parte da solução enquanto insistir no estado de
negação da realidade e enquanto se limitar a correr atrás dos problemas, dando
uma imagem de absoluta desorientação e incapacidade. Exige-se muito mais a um
ministro da Saúde, que tem a obrigação de saber que a saúde não é compatível
com esta instabilidade, nem suporta respostas tardias e que acumulam remendos.
No dia 04 de fevereiro o ministro Paulo Macedo vai à
Comissão de Saúde responder pela
situação que O SNS está a viver. Seria bom não perder mais uma oportunidade
para assumir a realidade. É urgente parar com a instabilidade e a pressão que
se vive hoje no SNS.
Luísa Salgueiroe e Sónia Fertuzinhos, expresso 31.01.15
Etiquetas: Crise e politica de saúde, Paulo Macedo
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Incapazes de distribuir doentes por falta de vagas para internar, as Urgências colapsam. Esta semana, os chefes de equipa no Hospital Garcia de Orta, em Almada, demitiram-se e o Hospital em São Sebastião da Feira adiou cirurgias. No fim de 2014 houve demissões no Amadora-Sintra. Estes exemplos parecem mostrar que fazem falta as camas hospitalares a menos: 430, entre 2012 e outubro de 2014.
Nas estatísticas de Saúde mais recentes da OCDE, de 2012 e publicadas em 2014, é referido que os hospitais do SNS têm 3,4 camas por mil habitantes, menos do que a média de 4,8 da OCDE ou dos rácios austríacos (7,7), alemães (8,3) ou gregos (4,9), entre outros. No caso das vagas para doentes agudos — excluindo quem é hospitalizado para cirurgia — o cenário repete-se. As 2,9 camas portuguesas por mil habitantes ficam abaixo das 3,3 de média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, das 3,6 na Estónia ou das 4 no Luxemburgo.
Portugal fica, ainda assim, acima das capacidades de internamento dos hospitais na Dinamarca, Irlanda, Itália, Suécia, Reino Unido ou na vizinha Espanha. Mas há um detalhe: “Nesses países as camas não fazem falta como aqui, porque somos pobres, temos menos apoios sociais, falta de apoio domiciliário…”, explica o bastonário da Ordem dos Médicos. José Manuel Silva diz que é nessa diferença que está uma das explicações para o ‘caos’ nas Urgências. “Estão a descompensar pela polipatologia dos doentes. Ainda recentemente, no relatório da Gulbenkian, era registado com surpresa que os idosos portugueses são os que passam mais frio.”
E o SNS não tem mais camas porquê? “Houve pressão para reduzir a despesa, pois a cama implica ter médicos, enfermeiros, auxiliares, refeições e limpeza”, revela a representante dos administradores hospitalares, Marta Temido. O Balanço Social da Saúde de 2013 mostra que só os hospitais perderam 3618 trabalhadores entre 2011 e 2013. No SNS, há mais médicos, mas menos 1277 enfermeiros e menos 2054 assistentes, essenciais no apoio a quem está internado.
A gestora salienta que a ideia de limitar o internamento é comum a todos os países, no entanto, “temos poucas camas a jusante e não temos para onde enviar os doentes”. Diz que a prova está nos números: “Em 2012, Portugal tinha uma demora média no internamento de nove dias e a média europeia era de 7,8.”
O MITO DE PAULO MACEDO
Os dados mais recentes da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) indicam que alguns dos hospitais que têm tido a Urgência mais caótica por falta de camas no internamento já tinham dado alertas. Em outubro passado, as taxas de ocupação estavam nos 94,5% em Santarém, 92,2% no Amadora-Sintra, 87,4% no Entre Douro e Vouga e 84,1% no Garcia de Orta, por exemplo.
O ministro da Saúde anunciou camas, temporárias, nas unidades mais congestionadas — 53 em Santarém, 41 na Amadora e 16 em Almada, entre outras — e mais 1500 vagas nos cuidados continuados, mas este número peca por defeito. Segundo a ACSS, em 2012 existiam 5911 camas e 7160 no final de 2014, quando o objetivo era 12 mil até 2016.
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“Há o mito de que abrindo camas de cuidados continuados é possível reduzir camas de agudos e isto tem sido preconizado pelo ministro”, critica Luís Campos, presidente do Conselho para a Qualidade na Saúde. O caminho é outro: “Precisamos muito de ambas. A população está a envelhecer, tem mais comorbilidades e antes de ir para os cuidados continuados passa, quase sempre, pelo internamento hospitalar.”
O especialista em medicina interna salienta que “o aumento do conhecimento induz à hiperespecialização, fazendo com que o exercício da medicina seja em equipa”. Ou seja, “é preciso ter escala e hospitais mais concentrados, perdendo-se camas”. E recomenda: “Temos de evitar ter camas em corredores com serviços com camas vazias e criar departamentos com camas comuns.”
A ideia da gestão partilhada de vagas tem funcionado em Coimbra nesta época gripal. “Todos os serviços de todas as especialidades podem internar doentes e temos altas mesmo ao fim de semana”, diz Pedro Figueiredo, diretor clínico do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra com cerca de 1800 camas.
Além disso, “há instruções rigorosas para reservar camas e uma norma para a substituição imediata de camas com avarias”. São ainda otimizados os lugares para ensaios clínicos e a colocação de doentes nos cuidados continuados. O plano, mais vasto, começou a ser trabalhado no final de outubro.
“Gerir é antecipar”, salienta Marta Temido, que critica a falta de planeamento de Paulo Macedo. Luís Campos, deixa-lhe uma lição: “As Urgências são o lugar de confluência dos problemas médicos e sociais das pessoas e da falta de alternativas e a atual excessiva centralização limita a capacidade de adaptação à variabilidade da medicina e da Urgência.” ‘Horário gripe’ usado para outras doenças
Só 33% dos doentes foram aos centros de saúde abertos à noite e ao fim de semana na área de Lisboa com queixas do vírus
O prolongamento do horário de centros de saúde na região de Lisboa para responder ao aumento dos casos gripais está a ser utilizado pela população para tratar outros problemas médicos. A Administração Regional de Saúde (ARS) apurou que, em cada três utentes, só um tinha diagnóstico de gripe.
Os dados relativos à primeira semana de funcionamento ‘fora de horas’ — de 19 a 26 de janeiro, até às 22 horas, 24 horas ou aos fins de semana — mostram que apenas 33,5% dos doentes tinham sintomas gripais. Ou seja, entre os atendimentos nas 55 unidades do plano antigripe, centros de saúde e unidades de saúde familiar, 2040 eram, de facto, constipações e gripes. As restantes pessoas apresentavam outras queixas.
Ao invés da população mais idosa que tem enchido as Urgências hospitalares, as unidades de cuidados primários têm sido procuradas por pessoas mais jovens, dos 19 aos 44 anos e dos 45 aos 64 anos, com as mulheres em maior número. E, curiosamente, os locais mais procurados são os que se localizam nos arredores de hospitais menos congestionados. É o caso das unidades no Lumiar e em Sete Rios, na área do Hospital de Santa Maria.
O Amadora-Sintra tem sido notícia pela excessiva afluência na Urgência, mas os centros de saúde da ‘rede tardia’ nas freguesias próximas não são os mais procurados. Ainda assim, têm estado cheios. A meio da semana, havia sala cheia em Monte Abraão (Queluz), Cacém e Algueirão, por exemplo.
expresso 30.01.15
OCDE diz que Portugal cortou na Saúde o dobro do que negociou com a troika
As medidas do Governo de contenção da despesa no sector da saúde fizeram com que Portugal acabasse por cortar o dobro do que era exigido no memorando de entendimento com a troika, diz um relatório da OCDE.
Esta é uma das principais conclusões do relatório Health Spending Growth at Zero – Which countries, which sectors are most affected?,link que acaba de ser publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) e que compara os cortes no sector da saúde em vários países. A OCDE ressalva que este relatório limita-se a analisar as tendências e não a discutir a eficácia das medidas ou o seu efeito no estado de saúde da população. O relatório refere que a Alemanha foi o único país da OCDE que não registou um abrandamento na taxa de despesa em Saúde em 2010, em comparação com os anos anteriores.
Num dos pontos do documento, a OCDE refere que o Governo português assumiu o compromisso de fazer “poupanças significativas” no sector da saúde em 2011 e 2012, nomeadamente através de cortes nas despesas com o pessoal, “concentração e racionalização” da oferta em centros de saúde e hospitais do Serviço Nacional de Saúde e cortes nos benefícios obtidos através dos impostos, como as deduções de despesas em sede de IRS.
“Em Setembro de 2011, o país anunciou uma redução de 11% no orçamento do Serviço Nacional de Saúde para 2012, o dobro do corte do memorando de entendimento com a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional”, lê-se no documento. Numa das tabelas, as contas da OCDE apontam para que a despesa em 2011 tenha caído 5,2% face a 2010, quando a média de todos os países que integram a organização foi de um crescimento de 0,7%. Tudo isto fará com que o país alcance em 2013 uma despesa pública em Saúde pouco superior a 5,1% do produto interno bruto (PIB), quando a média da zona euro se estima que seja na ordem dos 7%. Em 2010 a despesa portuguesa representava mais de 10%.
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