domingo, maio 24

USF, bons resultados

JM: Outra das razões apontadas foi a falta de resposta dos CSP (crise do último inverno). No entanto, se atendermos ao Balanço Social do Ministério da Saúde, verificamos, por um lado, que 78% dos recursos humanos estão concentrados nos hospitais e por outro, que os 22% de recursos humanos dos CSP realizam mais do dobro das consultas do que as prestadas nos cuidados secundários. Como se explica esta aparente contradição?
Pedro Pita Barros (PPB): Os recursos humanos nos cuidados hospitalares fazem mais do que apenas consultas, enquanto nos cuidados de saúde primários fazem sobretudo consultas. Por exemplo, é normal pensar-se na actividade dos hospitais como tendo três a quatro grandes áreas: urgências, consultas externas, internamentos e hospital de dia/actividade em ambulatório. Os recursos humanos espalham-se por estas diferentes actividades. Não faz muito sentido uma comparação directa do número de consultas entre níveis de cuidados.
JM: A reforma dos CSP traduz-se, hoje, numa divisão da população em dois grupos com dimensão aproximada: os que são atendidos em USF e aqueles que o são nos centros de saúde tradicionais, hoje rebaptizados de UCSP… Que impactos destacaria nesta “divisão”?
Pedro Pita Barros (PPB): Neste momento, a necessidade de saber se essa divisão corresponde de alguma forma a preferências da população quanto ao modelo de cuidados de saúde, ou se corresponde às preferências dos profissionais de saúde, ou se é resultado de decisões administrativas incompletas ou resultantes de inércia. Não há nada à partida que determine que os cidadãos preferem sempre inequivocamente um modelo face a outro, embora o modelo USF pela sua flexibilidade e eventual maior proximidade à população reúna as condições para ser preferido pelos profissionais de saúde e pelos cidadãos.
JM: O modelo USF induz aumento da oferta – cumprimento de indicadores – que chega mesmo a ser agressiva, com os utentes a serem convocados – quase intimados – para atendimento específico… Tendo em conta o estado de “saúde” das contas do SNS, não será de alguma forma contraproducente?
PPB: Se os indicadores estiverem bem definidos, é na verdade o contrário. Ao detectar precocemente problemas, essa intimação, como lhe chamou, pode evitar custos futuros aos cidadãos e ao Serviço Nacional de Saúde. Claro que a chave está em serem “bem definidos”, o que nem sempre é fácil, e simplesmente pagar para fazer algo sem efeito cria problemas às contas do SNS. Mas em geral a ideia que tenho de várias informações que têm sido disponibilizadas é que o modelo das USF com indicadores de desempenho se traduz em bons resultados, incluindo financeiros (apesar de faltar um estudo sistemático e profundo que seja conclusivo além de qualquer dúvida).
JM : Ao acréscimo da oferta, associa-se um aumento dos custos com pessoal, que nas USF de modelo B levam a que no limite – que é a situação mais frequente – pelas contas do Tribunal de Contas um médico ganhe mais do que o Presidente da República. Se o modelo é custo-efectivo… Em princípio deveria ser alargado a todo o universo. Seria custo-suportável?
PPB: A questão é saber se devemos olhar categoria de despesa a categoria de despesa, ou no total. Se os médicos gerarem poupanças na utilização de outros recursos, podem ganhar mais e ainda assim levarem a menor despesa global no sistema de saúde.
Jornal Médico, 22 de Maio de 2015.link
Pese embora as trapalhadas do “jornalista” de serviço, irremediavelmente hospitalocentrista, é de registar a excelente entrevista de PPB.

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