domingo, março 20

Marmelada

... Foi ministro da Saúde. Neste momento a proposta do PS de alargamento da ADSE aos familiares está a dividir a esquerda, incluindo a CGTP. O senhor sempre considerou a ADSE um sistema injusto. 
Não sou só eu que considero! Por que razão os portugueses devem estar divididos em duas castas?  Uma que tem direito a um sistema universal e tendencialmente gratuito, que são os beneficiários do Serviço Nacional de Saúde. No SNS somos todos iguais. E outra casta em que alguns são mais iguais do que outros. Pelo facto de se ser funcionário público pode-se, pagando qualquer coisinha (isso era assim no passado) e com funcionamento público adicional, que chegou até a 1200 milhões de euros, hoje é 500 milhões... Não faz sentido nenhum que os funcionários públicos sejam beneficiados com isso. Durante muito tempo isso teve uma explicação: os ordenados dos funcionários públicos eram, em média, inferiores aos das pessoas com igual formação que trabalhavam no setor privado e então o dr. Salazar arranjou a ADSE. Hoje já não é assim. Claro que a ADSE sempre foi um sistema meramente financiador, nunca foi um sistema de saúde. Sempre foi um sistema pagador de cuidados e com muito pouco escrutínio. Eu tentei que a ADSE viesse para o Ministério da Saúde, onde eu sabia bem como geri-la.
Mas não conseguiu... 
Não consegui e isso tem uma explicação. Qualquer ministro das Finanças que sabe que está em período de vacas magras e não pode aumentar os vencimentos da Função Pública vai à ADSE e com uns pozinhos mais, mais comparticipação aqui ou mais comparticipação ali. A ADSE começou por ser muito mal gerida e hoje está bastante melhor, pelo menos publica relatórios e sabe-se para onde é que foi o dinheiro. Mas não tenho a menor dúvida que o escrutínio da despesa que se paga não é aquilo que devia ser. Eu, por exemplo, como pensionista do Parlamento Europeu tenho acesso a um sistema de saúde do Parlamento Europeu que paga dois terços das despesas de saúde. Só que quando eu apresento uma fatura de médico especialista português de 80 euros, eles calculam o reembolso segundo o preço do especialista belga, que são 45 euros (risos). E quando apresento uma fatura de 70 euros de um clínico geral eles remetem-me para o clínico geral belga, que são 35 euros. Lá funciona muito bem o mercado de saúde privado. Aqui, temos um mercado de saúde privado que está muito cartelizado, em que os preços são muito elevados.
E o que pensa desta proposta de alargamento da ADSE aos filhos até aos 30 anos? 
Ao propor como fontes de financiamento adicional os filhos até aos 30 anos, e eventualmente até outras pessoas, nós estamos a destruir o SNS, a fragmentar o SNS. Se a ADSE é auto-sustetável, ou quase auto-sustentável, não há razão nenhuma para não ser independente, separada do Estado. Não há razão nenhuma para que ela não possa ser gerida pelos próprios funcionários através de uma associação mutualista. Assim como há os SAMS dos bancários, pode haver uma associação mutualista para os funcionários públicos. O universo contributivo é muito grande, ultrapassa um milhão e 200 mil portugueses. O que há a fazer é autonomizar a ADSE do Estado, transformá-la numa associação mutualista e esta que decida. Os 3,5% são muito? É a mútua que decide, não é o Estado. Claro que o Estado pode ajudar ao lançamento da mútua, durante um, dois, três anos dar uma ajuda para a organização.
Passaria a ser uma espécie de seguro de saúde? 
Sim e o seguro de saúde decidirá se alarga aos filhos até aos 30 anos, se alarga a outras pessoas independentemente do estatuto de funcionário público. É um seguro de saúde mutualista, social, não é lucrativo, tem que dar resultado positivo mas fora da esfera do Estado. É isto que está no programa do PS! 
Então como é que interpreta esta proposta do alargamento agora feita pelo PS? 
Entretanto, o governo encomendou um estudo sobre a ADSE à Entidade Reguladora da Saúde e constituiu uma comissão para propor as medidas necessárias. Com estes dois elementos, penso que o governo estará habilitado a tomar uma decisão. E a decisão não será nunca o acabar com a ADSE mas não será nunca aquilo que alguns sindicatos da administração pública querem, que é indefinidamente manter esta situação e tornar mais cavada a diferença entre o SNS universal e a ADSE – e por isso António Arnaut veio há dias [no i] proclamar que isso não fazia sentido. Entendo que o governo aguarde os relatórios e depois decida. Se decidir de acordo com o que está no seu programa, a transformação progressiva em mútua, é o caminho correcto.
Lembro-me que o professor veio defender o ex-secretário nacional do PS Álvaro Beleza quando ele defendeu o fim da ADSE... 
Ele não defendeu o fim da ADSE. Ele disse que a ADSE é um sistema injusto e começou a ser imediatamente frito pelo aparelho do PS. Eu vim pôr os pontos nos is e dizer que aquilo que o ouvi dizer foi que a ADSE deve ter uma evolução diferente, que não perturbe o Serviço Nacional de Saúde.
Portanto, o sistema tal como está prejudica o Serviço Nacional de Saúde? 
O que sistema da ADSE está a fazer é a fazer crescer e a financiar o setor privado. Basicamente é isto. Não vou estabelecer uma relação de causa-efeito entre o risco de destruição do Serviço Nacional de Saúde e o financiamento do setor privado. Agora, objetivamente, olha-se para os números e vê-se que o setor privado cresceu devido à largueza financeira em que tem vivido a ADSE. E mais: o setor privado é o principal defensor da manutenção da ADSE tal como está.
 Entrevista, 18.03.16 link
 Relativamente à ADSE, o XXI governo constitucional propõe-se: 
 i. Alargar a ADSE aos conjugues e filhos até aos 30 anos, conforme proposta do Orçamento do Estado 2016. link 
ii. Transformação do estatuto do regime de ADSE", tendo em conta o referido alargamento da base de beneficiários e as recomendações do Tribunal de Contas, que considerou exagerado o desconto exigido aos trabalhadores e pensionistas do Estado. Para dar cumprimento a este objectivo ACF nomeou uma Comissão de Reforma (CR) do modelo da ADSE link 
Pedro Pita Barros, coordenador da referida CR, defende a evolução da ADSE para um sistema em que os beneficiários teriam uma capitação ajustada ao SNS e todos os cuidados de saúde seriam pagos pela ADSE ou então para um sistema similar aos seguros privados que actualmente complementam o SNS. Em qualquer dos casos, entende que "não há razão de princípio para não abrir a todos os cidadãos a possibilidade de pertencer ao sistema, desde que haja regas de entrada e de saída claras. 
ACF, antes de ser ministro da saúde, sugeria a abertura da ADSE a outras classes profissionais, deixando de ser exclusiva da Função Pública link 
Recentemente, ACF, ministro da saúde, a propósito da recente entrevista de Correia de Campos ao jornal i, onde este acusou o sector privado de “principal defensor da ADSE”, manifestando-se contra a sua manutenção nas mãos do Estado, concordou no Porto à margem do II Congresso do SNS: “Penso como ele nessa matéria”. link 
Moral da história: Inequívoca a utilidade das declarações de CC. Sendo certo a clareza de pensamento de ACF, questiona-se a utilidade do estudo encomendado a PPB. A não ser o adiar da tomada de decisão sobre tão delicada matéria. 
Vamos ver se os “privados” vão continuar a usufruir desta marmelada. (leia-se, protecção do estado).
Clara Gomes

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1 Comments:

Blogger Tavisto said...

Tal como a Clara, estou perplexo. Se ACF pensa como Correia de Campos quanto ao futuro da ADSE, para quê nomear uma comissão de estudo para decidir disso mesmo? Tanto mais intrigante quando da sua composição não constam representantes dos beneficiários. Estranho! Não?

2:29 da tarde  

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