domingo, julho 6

Orçamentos rectificativos (2)

ministro da saúde, Ara Darzi

Estão de volta?
É muito mais certo que as cerejas em Junho. O mês poderá variar, assim como os condimentos, mas é seguro que todos os anos a Apifarma nos serve o mesmo prato: a dívida do SNS não para de crescer, a Indústria Farmacêutica (IF) está a financiar o SNS.
É mais ou menos conhecido o que há de verdade e o que anda escondido nestas posições da IF. E digo mais ou menos porque a informação a que consegui aceder, proveniente de diversas abordagens, não segue a mesma sistematização, antes parece recolhida em tempos ocasionais e afectada pelas respectivas circunstâncias, o que lhe retira grande parte da força demonstrativa. Se não, veja-se o quadro seguinte, em que os dados que constam são muito menos do que os dados em falta:

Evolução da dívida à Indústria Farmacêutica

* Ultimo Orçamento rectificativo em 2004. Divida Total 914 milhões de euros, Divida Vencida 686 milhões de euros; **Mais 144 milhões do que em Outubro de 2006

É verdade que a dívida existe, e por montantes elevados, não fossem os laboratórios farmacêuticos os maiores fornecedores dos HH. Também não custa aceitar que serão estes os primeiros afectados pelas dificuldades de tesouraria dos HH, quando elas se verifiquem. Esta será a razão pela qual os pagamentos à IF parecem fazer-se aos solavancos e não com a regularidade desejável. Neste contexto, a Apifarma protesta e o SNS encontra maneira de responder pagando 300 Milhões (em 2007) ou 120 agora (DE, de 27.06.2008).
Já não é tanto assim no que respeita ao crescimento dessa dívida, a ser credível a informação do quadro supra. O que nele se verifica é que o ritmo de formação da dívida abrandou sempre desde 2005 (respectivamente 35, 13,1 e 12 milhões por mês) e diminuiu (no período de Out/2007 a Março/2008) 4,4 milhões por mês. Isto é, este será, se a informação é correcta, o momento em que a IF tem menores razões de queixa.
Mas onde não há razão nenhuma, como o Xavier e os autores por ele citados (PPB e MG) referiram, é na afirmação de que a IF está a financiar o SNS. Muito ao contrário, é a IF que, a final, sai beneficiada pelo incumprimento dos prazos de pagamento pelos HH. Já o sabíamos e afirmávamos há muito. O Governo precisou de dezenas de anos para se convencer de que sub orçamentar a despesa é problema e não solução, mas a IF não anda propriamente a dormir e sabe adaptar-se muito bem aos quadros em que se move. Prontamente incorporou nos preços os custos dos atrasos nos pagamentos; ameaça agora com a reactivação da Presif, uma entidade jurídica criada para cobrar em tribunal as dívidas mais atrasadas. Por isso, como diz MG, adiar o pagamento é mais "um tiro no pé, porque agora os laboratórios vão começar a incorporar no preço a estimativa de terem também custos judiciais, além de atrasos".

Atente-se bem na iniquidade que se perspectiva na ameaça implícita no discurso da IF:
- todos, sejam bons ou maus pagadores, suportam preços mais elevados porque estes incorporaram à cabeça, a taxas excessivas (28%, segundo MG), os juros presumidos correspondentes ao atraso expectável no pagamento;
- pelo meio, a IF lamenta-se de que a dívida do SNS continua a crescer e consegue do MS ou dos HH medidas que reduzem ou, pelo menos, fazem contenção dos montantes em dívida. Em muitos casos, o atraso nos pagamentos vem, assim, para baixo do inicialmente esperado, o que desde logo, faz subir a margem da IF;
- depois, se a ameaça se concretizar, vem a Presif e a fase da exigência do pagamento perante os tribunais com a previsível condenação ao pagamento da dívida inicial (com os juros já incorporados mas invisíveis), acrescendo juros (pela segunda vez), agora visíveis e à taxa legal desde o vencimento da dívida, e os custos judiciais implicados. E tudo isto são efeitos que vão repercutir-se e agravar o ciclo seguinte;
- para cúmulo, tudo isto se processa em legalidade e vem permitir à IF iludir os incautos, ou sem tempo para reflectir, afirmando que está a financiar o SNS, quando, na realidade, é à IF que interessa que a situação se não altere;
- finalmente, o MS sabe tudo isto e muito mais: até tem em seu poder o estudo que pediu a MG, onde se faz a respectiva quantificação!

Compreendo, portanto, a angústia que transparece no post de 28.06.2008 "Orçamentos rectificativos - Estão de volta?" link. Assim como compreendo a Clara quando afirma ”Dá a ideia que tudo voltou à estaca zero, fruto de não terem sido desenvolvidas medidas de fundo de ataque a este problema.” É que muita coisa se contém no que podemos designar consistência na acção que tão ostensivamente nos falta.
Consistência na acção inclui preparar e por no terreno, na sequência necessária, as medidas capazes de produzir os resultados visados, acompanhar e, se necessário, corrigir o que deva ser corrigido, em três palavras: definir, avaliar, controlar, o que só pode ser feito sobre informação rigorosa e atempada, se o objectivo é criar credibilidade. Credibilidade da que transparece da afirmação do Prime Minister de S.M., no Prefácio de High Quality Care for All: ”If the challenge 10 years ago was capacity, the challenge today is to drive improvements in the quality of care”. Como diz o aforismo, é preciso compreender que cada coisa no seu tempo e os nabos no advento.

Aqui várias questões, sendo diversas no seu conteúdo, parecem-me conectadas quanto à sua razão profunda. Vejamos só duas:
- O aumento de 30% do Orçamento da Saúde visava o fim da sub orçamentação, até então tradicional como recurso para, no pressuposto ingénuo de que a falta de orçamento obrigaria a alguma contenção da despesa, esconder o deficit. Todos saudámos essa medida em nome da correcção e da transparência, como o mínimo exigível para, efectivamente, se poder afirmar a maioridade e a responsabilização da gestão hospitalar. Agora, decorridos três anos, o que está em causa é saber se a sub orçamentação não foi pura e simplesmente transferida do Ministério das Finanças para dentro do SNS, ou seja, se os gestores hospitalares não temporizam a constatação da dívida à IF para “compor” a execução dos orçamentos de que dispõem. Considerar possível esta hipótese não pode ser considerado abusivo quando se sabe que há HH que não facturaram ainda 2007, sendo provável que o mesmo aconteça com parte da despesa. Mas, se essa hipótese for arredada só podemos afirmar que é a ACSS, à qual compete controlar a execução orçamental para dar consistência à acção, que anda distraída e não faz o que devia. Em qualquer dos casos, onde ficam a correcção e a transparência, sem as quais não há credibilidade?

-Insiste o Tonitosa, “continuam sem ser tornados públicos a quase totalidade dos Relatórios e Contas dos hospitais” e o E-Pa! responde que é “o grau de displicência e de laxismo que as coisas públicas adquiriram em Portugal. A Conta Geral do Estado foi discutida em 25.06.2008. A discussão e aprovação durou 15 minutos! Um quarto de hora! Estavam presentes 42 deputados...” Sem discordar (muito pelo contrário), pergunto se tudo não vem em coerência com a incapacidade de controlar – invocada resignadamente há não muito tempo na AR pelo PM para justificar a mudança de agulha relativamente aos HH-PPP – e com a inexistência de “capacidade do Estado para enfrentar interesses num ambiente de incerteza”, afirmada recentemente por LCC sem qualquer oposição, para grande surpresa minha por estar convencido de que poder invocar essa capacidade é a primeira condição de legitimidade do poder democrático. Isto para não dizer simplesmente que não valerá a pena perder muito tempo a discutir o que se não apresenta com garantias de credibilidade
Como estamos longe de interiorizar que a afirmação do Prime Minister de S.M., acima transcrita, só faz sentido num contexto de credibilidade, marcado pela consistência das decisões e pela sustentabilidade das medidas!


Aidenos
PS:
Reafirmo que admiro e invejo a forma de abordagem dos problemas e de preparação das decisões dos Serviços de SM Britânica, do que o High Quality Care for All é mais um claro exemplo.

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4 Comments:

Blogger e-pá! said...

Caro Aidenos:

A actual estrutura da dívida, que penso afecta a cada EPE, e não o orçamento do orgão político da tutela (MS), não inviabiliza correcções nesse âmbito (orçamental, isto é, do orçamento do Estado, rectificativo?

Ou a situação vai ser mais aberrante e quiçá humilhante para a governação onde, as EPE's, serão confrontados com a exigência do pagamento perante os tribunais e a previsível condenação ao pagamento da dívida inicial (com os juros já incorporados mas invisíveis), acrescendo juros (pela segunda vez), agora visíveis e à taxa legal desde o vencimento da dívida, e das custas judiciais.

As EPE's ao que julgo têm personalidade jurídica e nas causas de dívidas assentam arraiais
nos Tribunais Comuns. Se forem condenadas a pagar, como tudo indica, não vão ao OGE mas à CGD.
Não é?

O MS, é analisado, controlado e compatibilizadas as contas no Tribunal de Contas, mais isso não tem consequências executórias.

Portanto, pergunto se pode haver orçamento rectificativo para empresas, mesmo tratando-se de empresas públicas do Estado?

Ou se para solucionar esta, intrincada, aberrante e inqualificável questão não será necessário recorre à divida pública?

Aidenós:
No Portugal profundo, dos valores éticos, da identidade republicana, quem não paga as dívidas deixa de ser "pessoa de bem"

As técnicas de "desorçamentação" aplicadsa aos HH's (SA e depois EPE's)começam a mostrar os seus "nós cegos" ou "nós górdios".

Independentemente, de terem de arranjar o dinheiro, muitas dessas EPE's já não se livram do mocho dos tribunais, possivelmente de embargos e outras tropelias judiciais, como hipotecas, hastas públicas, etc.

E quem lá se vai afundar não é o poder político e as administrações (nomeadas pelo poder políitico).

Completamente de acordo com a publicação transcrita da
High Quality Care for All:
”If the challenge 10 years ago was capacity, the challenge today is to drive improvements in the quality of care”.
Yes, prime minister!

Mas nós, por cá, ainda não conseguimos discutir - muito menos acordar - a sustentabilidade do SNS, em consequência não cehagamos ao desafio da capacidade. Estamos à espera que nos caía um consenso do céu. E agora com MFL a solução enublou-se...

Enquanto estivermos afogados em dívidas, com dificuldades de inovação e desenvolvimento, não podemos, nem sequer, definir a nossa capacidade, para além do genérico. Isto é, manter um serviço universal.

O Sector Privado Português da Saúde, esse sim, começou atacar à frente - na quallidade dos cuidados. Acertou o passo com o slogan "High Quality Care for All" Só que esse "passo" em frente, que a ausência de problemas orçamentais lhes permite dar, não é para todos!
High Quality Care for All With Money - assim está bem!

Assim, num SNS caloteiro(financiamento) subdesenvolvido (investimento e inovação) e afogado na rotina (fazer uns biscates em vez de perseguir a qualidade) qualquer orçamento rectificativo (se for possível) dever´ser associado a um movimento rectificativo (intrinseco).

Caro Aidenos: Lamento dizer-lhe mas estamos a enterrar-nos.
Sinto-o com profunda mágoa e um imensa desilusão que nasce em quem trabalhou no SNS desde o primeiro dia até à cerca de 1 mês.

9:31 da manhã  
Blogger Tá visto said...

Não se trata de um orçamento rectificativo, mas de um esclarecimento rectificativo de MBR.
A nota da redacção trouxe-me à memória uma velha anedota atribuída ao Bocage que, por indecorosa, me limito a insinuar.
De qualquer forma fica a rectificação.


Esclarecimento
Recebemos da dr.ª Maria de Belém Roseira, presidente da Comissão Parlamentar de Saúde, uma carta que transcrevemos:

«Exmo. Senhor director do "Tempo Medicina"

Publicou o Jornal de que V. Exa. é director uma reportagem sobre a discussão das "carreiras médicas" ocorrida no jantar-debate promovido pela Ordem dos Médicos no passado dia 17 de Junho de 2008.
Só durante a leitura da imprensa de fim-de-semana me apercebi da importância que foi dada à minha intervenção nessa ocasião e da incorrecção das declarações que as aspas utilizadas na sua transcrição me atribuíam em discurso directo, designadamente que o sector privado "cresceu à custa de recursos públicos" sem que tivessem sido negociadas contrapartidas. Esta "distracção" acusou Maria de Belém Roseira, constitui um "crime económico".
Ora, o que eu referi e repito é que o sector privado — e é bom ter projectos privados consistentes que permitam a opção dos profissionais pelo tempo inteiro — cresceu à custa dos recursos humanos públicos, sem que tivessem sido negociadas contrapartidas. E que essa distracção constitui um prejuízo público (sublinhados meus).
Expliquei que isso decorria do facto de a formação médica pré e pós-graduada ser feita e paga exclusivamente com recursos públicos, o que significava, com os recursos de nós todos enquanto contribuintes. Acrescentei que não me pareceria mal que nos serviços privados com idoneidade atribuída pela Ordem dos Médicos a formação médica pudesse ser assumida em forma a articular com o Estado e onde essa idoneidade fosse apenas parcial que pudesse realizar-se uma geminação com entidades públicas que a completassem, sendo paga essa parte da formação pela entidade privada de origem.
A omissão de uma palavra e a troca de outra adulteraram o conteúdo da parte da minha intervenção que foi objecto de notícia. A verdade e o rigor reclamam a sua correcção. Pelo que conheço de V. Exa. e do Jornal, tenho a certeza que esta imprecisão não foi intencional e que todos ganharemos com a sua correcção, com o destaque devido.
Poderá, certamente, testemunhar o que afirmo o Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos, que tudo presenciou.»

N.R. — Gostaríamos, antes de mais, de expressar o nosso agradecimento pelo envio da carta. Certamente contribuirá para que os nossos leitores fiquem esclarecidos em relação à opinião da dr.ª Maria de Belém Roseira sobre o tema do referido jantar.
Nós, que a tudo assistimos e de quase tudo tomámos nota, esclarecemos também que as expressões foram ditas como as escrevemos. Mas bem percebemos que a subscritora da missiva preferiria ter dito de outra forma. Fica o esclarecimento

TEMPO MEDICINA 1.º CADERNO de 2008.07.07
0812991C20308sr27d

7:58 da tarde  
Blogger Clara said...

O rectificatico do Tá visto é delicioso.
Este é o problema dos políticos: uso e abusam do discurso demagógico, naturalmente perdem o pé relativamente ao conteúdo real das suas mensagens.
Sobre a actuação da dr. Maria de Belém Roseira, já todos percebemos em que águas gosta de navegar.
O PS precisa de rever urgentemente as nomeações de alguns dos seus responsáveis em lugares estratégicos, nomeadamente a do presidente da Comissão Parlamentar de Saúde.

Quanto ao "Tempo de Medicina", cada vez melhor!

10:17 da manhã  
Blogger e-pá! said...

A ARTE DE BEM RECTIFICAR...

"A omissão de uma palavra e a troca de outra adulteraram o conteúdo da parte da minha intervenção que foi objecto de notícia. A verdade e o rigor reclamam a sua correcção."

Muito bem! a falar é que a gente se entende.
Só que poderá haver outras omissões...

V. Exª., por acaso, para além de ex-ministra da Saúde e actual presidente do Grupo Parlamentar da Saúde, não é também consultora do BES Saúde?

Caso não tenha sido bem informado estou disponível para em qualquer altura, proceder ao respectivo acerto, digo, rectificação.

6:22 da tarde  

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