Plano de redução de despesa do ministro da Saúde
Contra o desperdício no Serviço Nacional de Saúde
A crise actual põe as despesas de saúde sob enorme pressão. Nesse sentido, o Governo publicou, em Diário da República, três despachos onde aponta as metas a atingir, já a começar em Setembro, antecipando assim o que tinha sido decidido pela troika, prevendo reduzir a despesa pública em Saúde até 85 milhões de euros por ano.
Corte de 10% na despesa com horas extraordinárias, corte nas convenções (hemodiálise, imagiologia, análises clínicas e transporte de doentes) com privados, corte de 50% no sistema de incentivos das equipas dedicadas à colheita e transplante de órgãos e corte na contratação de médicos tarefeiros. Ainda, conforme um dos despachos, os hospitais devem esgotar a capacidade de usar serviços de diagnósticos e de exames clínicos antes de recorrerem a privados.
Que é obrigatório racionalizar a despesa ninguém tem dúvidas. Que é imperioso conferir mais eficiência ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) ninguém questiona. Que algumas medidas anunciadas, como, por exemplo, racionalizar a capacidade instalada no SNS em exames, redimensionamento e fusão de serviços, não aceitar novas PPP e reavaliar as existentes, apostar na construção de Normas de Orientação Clínica e aumentar a quota de genéricos, não tenho dúvidas que defendem objectivamente a sustentabilidade do SNS.
Porém, quando se anunciam cortes de 50% no sistema de incentivos das equipas dedicadas à colheita e transplante de órgãos, corte que pode vir a reduzir o número de transplantes feitos em Portugal e quando se defende um novo corte no trabalho extraordinário sem criar um sistema de incentivos que premeie a produtividade, perspectivam-se, num curto espaço de tempo, consequências negativas no atendimento dos doentes.
Despesa estrutural
Neste universo de despesas, salienta-se que nada é dito sobre a despesa estrutural, despesa pública! É possível cortar, seguramente sem quebras de eficiência, reduzindo o número de gestores dos CD das administrações regionais de Saúde, da ACSS e dos hospitais, e as mordomias de que beneficiam.
É possível acabar com redundâncias de institutos e serviços, como a ADSE e outros subsistemas de Saúde, o Alto Comissariado para a Saúde, o Instituto da Droga e da Toxicodependência, duas maternidades numa mesma cidade, centros de saúde (CS) a funcionar 24 horas por dia e racionalizar a rede de Urgências.
Este plano de redução de despesa, em resposta ao memorando da troika, diz respeito apenas à estrutura actual da despesa e parece ir só no sentido do que é necessário fazer a curto prazo. Sabemos que, para termos resultados a longo prazo, a racionalização da despesa não passa apenas por aqui. Há uma área chamada investimento estratégico e que se caracteriza por, numa primeira fase, aplicar dinheiro para depois se poder poupar, traduzida essa poupança em ganhos de saúde.
Urge, por isso, mudar os esquemas de gestão dos hospitais, recusando o clientelismo e criando centros de Responsabilidade Integrada (CRI). É necessário ainda mudar o estatuto remuneratório dos médicos hospitalares. Em vez de se manter o actual salário fixo compensado com horas extraordinárias, deve pagar-se com incentivos, variáveis e associados à produtividade, com o necessário desenvolvimento da contratualização interna e criação de um sistema que permita a comparação do desempenho hospitalar, à semelhança do que acontece nas Unidades de Saúde Familiar (USF).
Centros de saúde
A nível dos centros de saúde, é necessário cumprir o memorando da troika, criando condições para ser aplicada a medida 3.70. - «aumento do número das USF contratualizadas com administrações regionais de Saúde, continuando a recorrer a uma combinação de pagamento de salários e de pagamentos baseados no desempenho».
Há que ter em consideração as características específicas do sector da Saúde. Por exemplo, nos CS, não é possível tomar medidas sem envolver os médicos de família prescritores, visto que as duas principais rubricas de custo - custo com prescrição de medicamentos (39%) e custo com prescrição de MCDT (16%) - representam 55% do custo total dos actuais CS (ACSS, 2010), e dependem dos próprios médicos de família e não dos gestores.
Isto é, não se pode cortar de forma cega nem insensível. É fundamental envolver todas as partes e tentar evitar ao máximo que a qualidade dos cuidados de saúde se degrade. Se esta noção for perdida, perdemo-nos todos e perdemos o melhor que o SNS tem, a universalidade e a equidade.
João Rodrigues, Coordenador da USF Serra da Lousã, Tempo de Medicina
A crise actual põe as despesas de saúde sob enorme pressão. Nesse sentido, o Governo publicou, em Diário da República, três despachos onde aponta as metas a atingir, já a começar em Setembro, antecipando assim o que tinha sido decidido pela troika, prevendo reduzir a despesa pública em Saúde até 85 milhões de euros por ano.
Corte de 10% na despesa com horas extraordinárias, corte nas convenções (hemodiálise, imagiologia, análises clínicas e transporte de doentes) com privados, corte de 50% no sistema de incentivos das equipas dedicadas à colheita e transplante de órgãos e corte na contratação de médicos tarefeiros. Ainda, conforme um dos despachos, os hospitais devem esgotar a capacidade de usar serviços de diagnósticos e de exames clínicos antes de recorrerem a privados.
Que é obrigatório racionalizar a despesa ninguém tem dúvidas. Que é imperioso conferir mais eficiência ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) ninguém questiona. Que algumas medidas anunciadas, como, por exemplo, racionalizar a capacidade instalada no SNS em exames, redimensionamento e fusão de serviços, não aceitar novas PPP e reavaliar as existentes, apostar na construção de Normas de Orientação Clínica e aumentar a quota de genéricos, não tenho dúvidas que defendem objectivamente a sustentabilidade do SNS.
Porém, quando se anunciam cortes de 50% no sistema de incentivos das equipas dedicadas à colheita e transplante de órgãos, corte que pode vir a reduzir o número de transplantes feitos em Portugal e quando se defende um novo corte no trabalho extraordinário sem criar um sistema de incentivos que premeie a produtividade, perspectivam-se, num curto espaço de tempo, consequências negativas no atendimento dos doentes.
Despesa estrutural
Neste universo de despesas, salienta-se que nada é dito sobre a despesa estrutural, despesa pública! É possível cortar, seguramente sem quebras de eficiência, reduzindo o número de gestores dos CD das administrações regionais de Saúde, da ACSS e dos hospitais, e as mordomias de que beneficiam.
É possível acabar com redundâncias de institutos e serviços, como a ADSE e outros subsistemas de Saúde, o Alto Comissariado para a Saúde, o Instituto da Droga e da Toxicodependência, duas maternidades numa mesma cidade, centros de saúde (CS) a funcionar 24 horas por dia e racionalizar a rede de Urgências.
Este plano de redução de despesa, em resposta ao memorando da troika, diz respeito apenas à estrutura actual da despesa e parece ir só no sentido do que é necessário fazer a curto prazo. Sabemos que, para termos resultados a longo prazo, a racionalização da despesa não passa apenas por aqui. Há uma área chamada investimento estratégico e que se caracteriza por, numa primeira fase, aplicar dinheiro para depois se poder poupar, traduzida essa poupança em ganhos de saúde.
Urge, por isso, mudar os esquemas de gestão dos hospitais, recusando o clientelismo e criando centros de Responsabilidade Integrada (CRI). É necessário ainda mudar o estatuto remuneratório dos médicos hospitalares. Em vez de se manter o actual salário fixo compensado com horas extraordinárias, deve pagar-se com incentivos, variáveis e associados à produtividade, com o necessário desenvolvimento da contratualização interna e criação de um sistema que permita a comparação do desempenho hospitalar, à semelhança do que acontece nas Unidades de Saúde Familiar (USF).
Centros de saúde
A nível dos centros de saúde, é necessário cumprir o memorando da troika, criando condições para ser aplicada a medida 3.70. - «aumento do número das USF contratualizadas com administrações regionais de Saúde, continuando a recorrer a uma combinação de pagamento de salários e de pagamentos baseados no desempenho».
Há que ter em consideração as características específicas do sector da Saúde. Por exemplo, nos CS, não é possível tomar medidas sem envolver os médicos de família prescritores, visto que as duas principais rubricas de custo - custo com prescrição de medicamentos (39%) e custo com prescrição de MCDT (16%) - representam 55% do custo total dos actuais CS (ACSS, 2010), e dependem dos próprios médicos de família e não dos gestores.
Isto é, não se pode cortar de forma cega nem insensível. É fundamental envolver todas as partes e tentar evitar ao máximo que a qualidade dos cuidados de saúde se degrade. Se esta noção for perdida, perdemo-nos todos e perdemos o melhor que o SNS tem, a universalidade e a equidade.
João Rodrigues, Coordenador da USF Serra da Lousã, Tempo de Medicina
Etiquetas: Reformar o SNS, s.n.s
3 Comments:
Urge, por isso, mudar os esquemas de gestão dos hospitais, recusando o clientelismo e criando centros de Responsabilidade Integrada (CRI). É necessário ainda mudar o estatuto remuneratório dos médicos hospitalares. Em vez de se manter o actual salário fixo compensado com horas extraordinárias, deve pagar-se com incentivos, variáveis e associados à produtividade, com o necessário desenvolvimento da contratualização interna e criação de um sistema que permita a comparação do desempenho hospitalar, à semelhança do que acontece nas Unidades de Saúde Familiar (USF).
Tudo isto parece óbvio. Porém, o problema é que tudo está por fazer e as exigências de redução da despesa são imediatas.
Nos consulados de Correia de Campos/Luís Filipe Pereira/Correia de Campos/ Ana Jorge, esqueceu-se a reforma ao nível da base do sistema hospitalar (governação clínica) procedendo-se apenas a alterações substanciais na gestão central. Tal explica, por exemplo, que a produtividade dos hospitais em modelo SA não tenha diferido muito da do modelo SPA e que a passagem SA-EPE também não tenha feito a diferença. Ou que a passagem dos profissionais para contracto individual de trabalho se tenha traduzido num aumento substancial da produtividade, pese o alargamento da carga horária (40 horas versus 35 horas).
Agora, como forma de contrair a despesa pública, pede-se aos hospitais do SNS uma melhoria da resposta (mais produção interna e menor recurso ao exterior) com menos dinheiro e redução dos poucos incentivos existentes à produção (transplantes). E, pelo andar da carruagem, os cortes não tardarão a chegar ao SIGIC.
Como bem é dito na peça “Sabemos que, para termos resultados a longo prazo …. É preciso numa primeira fase, aplicar dinheiro para depois se poder poupar, traduzida essa poupança em ganhos de saúde”. O problema está em que o tempo de aplicar dinheiro parece já ter passado. Estamos agora em fase de colheita, ninguém cuidou da sementeira e os novos “donos” estão pouco interessados em cuidar da propriedade.
A lenda do cavalo inglês...
Os resultados dos HH's estão à partida comprometidos com a drástica redução dos seus orçamentos (para 2012 e anos seguintes), assumida pública (e ufanamente) pelo MS.
É necessário não contornar (nem iludir) esta cruel realidade e, por outro lado, sacudir – desde já – responsabilidades sobre os previsíveis e nefastos desfechos a que este tipo de políticas de estrangulamento orçamental, necessariamente, conduzirá.
As axiomáticas "gorduras" do SNS - se acaso existirem nos patamares quantificados - não serão evitadas com cortes cegos orçamentais a não ser que se assuma declaradamente que se pretende hipotecar a qualidade das respostas e dificultar a acessibilidade. Isto é mais notório nos Hospitais (em toda a rede hospitalar agora em análise) onde – como se sabe - não se procedeu, em tempo oportuno, às reestruturações necessárias (de que os CRI's são um exemplo paradigmático).
Agora, nestes tempos, não será permitido pensar (reivindicar) tais “veleidades” (sobre reestruturações). Resta, portanto, denunciar a saga de ir para além do memorando da Troika, decisão política que tem responsáveis.
Quem anda por estes "ambientes" (da Saúde) sabe que o combate à obesidade não passa por um regime de pão e água (…se ainda houver pão!).
Ou então, pretendemos (o MS), representar, ao vivo, a "lenda do cavalo inglês"[*].
[*] - Diz a lenda que um súbito britânico decidiu proceder a uma “metódica” experiência que consistia em dar ao seu cavalo, cada dia que passava, um pouco menos de ração, na esperança que essa circunstância não se reflectisse no desempenho do equino. Ao ser questionado como decorria esta "experiência", o dono do animal, desabafou: - Aconteceu uma infelicidade, justamente quando o cavalo estava habituado a não comer, caiu p'ró lado e ... “morreu”!!!
Lenda do SNS Português
Diz a lenda que uns doutorados são pagos para fazer o seu trabalho nos hospitais ou nos centros de saúde, mas como têm que ir para os seus consultórios, clínicas ou hospitais privados o serviço não é efectuado o número de consultas e de intervenções médicas e as listas de espera apareceram. Foi então que apareceu um representante dos doutorados que reuniu-se com o Poder, e pediu que se pagassem em horas extraordinárias e incentivos para se diminuir essas listas de espera.
O Poder determinou, PAGUE-SE. As listas de espera continuaram, as parcerias públicas ou privadas proliferaram as clínicas á volta dos hospitais germinaram, enfim o SNS ACABOU.
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