Passos Coelho, o SNS e a retórica eleitoralista….
Nas comemorações dos 35 anos do SNS, Pedro Passos Coelho, lá conseguiu com o seu staff
eleitoral arranjar espaço para ‘botar faladura’. Vestiu roupagem de
‘estadista’ e tratou de debitar a narrativa ‘conveniente’ sobre uma realização
comum dos portugueses. Narrativa assente em pressuposto errado. link
Quando afirmou que “recebeu
a responsabilidade de salvar o SNS e de o transmitir mais forte, mais eficiente
e mais transparente” link
recorreu, como é hábito, à distorção dos factos.
A missão que este Governo tinha acometido como ‘sua’ perante os representantes dos portugueses (Assembleia da
República) era substancialmente outra. No programa do Governo, pág. 78,
(podemos deixar para trás o programa eleitoral) o grande objectivo estratégico
aí definido é:
“Continuar a melhorar a qualidade e o acesso efectivo dos
cidadãos aos cuidados de saúde, quer ao nível da organização, quer ao nível da
prestação:
- Pela garantia do acesso universal e equitativo,
tendencialmente gratuito, aos cuidados e serviços de saúde incluídos no plano
de prestações garantidas;
- Pela obtenção de resultados convergentes com os melhores
da Europa link”…
Nada disto apontava para a ‘missão salvífica’ que agora
pretende acrescentar como objectivo ou enxertar nas práticas governamentais.
Aliás, a ideia que Passos Coelho quis transmitir sobre um
SNS mais forte que seria deixado aos vindouros é muito peculiar e curiosa. Em
primeiro lugar, encerra o sentimento de ‘fim de festa’ em que o actual
‘festeiro’ entrega os paramentos e os folclóricos enfeites aos próximos
(outros?) ‘mordomos’. Depois, surge da vulgaridade sistemática e perversa deste
Governo que consegue, sempre, ver (anunciar) fortalecimentos na debilitação
acelerada dos sistemas públicos que recebeu, quando a sua divisa ideológica foi
‘Menos Estado, Melhor Estado’.
Este Governo para justificar cortes orçamentais sucessivos e
na despesa a cavalo uns dos outros (entre 2011 e 2014 a despesa pública com
a saúde, em termos nominais, diminuiu mais de 676 M€
link) enveredou por derivas semânticas saloias e quando o intuito era
efectivamente debilitar vem anunciar que ‘racionalizou’, ‘ajustou’ e até
‘alimentou´’ uma nova concepção mitológica sobre o acto de racionar.
O primeiro-ministro não teve pejo em tentar ‘colonizar’
medidas que já vêm de longe como a política do medicamento, a prescrição por
DCI, etc. Dá a sensação de que o SNS não tem 35 anos e, na visão de Passos
Coelho, tudo (pelo menos a missão redentora) teria começado em Junho de 2011.
Há, por outro lado, um dado que motivou mais uma promessa. A
de querer “continuar a trabalhar para que todos os portugueses tenham um
médico de família”.
Basta olhar para o número de portugueses e portuguesas sem
médico de família, isto é, um indicador numérico simples e directo, para termos
noções reais e objectivas sobre o fortalecimento dos serviços e acessibilidade
dos utentes. O número revelado por uma auditoria do Tribunal de Contas
referente aos anos de 2009 a 2012, publicada em 2014, (pág. 27) link
é de 1.657.526 (muito próximo dos 20% da população
actualmente residente). Sem meter nestas contas o expurgo dos ‘utentes pouco
assíduos’ e a extensão das listas de inscritos por médico, subsidiária das
alterações do horário semanal de trabalho (de 35 para 40 horas).
Dizer que o SNS está mais forte e mais eficiente quando os
cuidados primários estão neste estado e apresentam este défice (existem défices
para além dos orçamentais) não passa de diletantismo político para consumo
pré-eleitoral.
O primeiro-ministro voltou à charada do ‘colapso financeiro
nacional’ (há aqui uma derivante acerca da ‘bancarrota’) para justificar as
medidas que tentam adulterar a nossa memória colectiva.
Veio anunciar que salvou o SNS. Nunca o ouviremos dizer a
verdade. Isto é, nunca dirá que, de facto, a sua principal preocupação foi
salvar o sistema bancário de uma crise endógena gerada pela especulação
financeira (bolsista e imobiliária) à custa dos contribuintes, mais
particularmente, dos funcionários públicos, aposentados e pensionistas.
O discurso que pronunciou a 15 de Setembro coloca uma
inquietante dúvida aos portugueses: Falou nessa cerimónia na qualidade de
primeiro-ministro da República ou de presidente do PSD, concorrente as eleições
de 2015?
E-Pá!
Etiquetas: E-Pá, liberais pacotilha, Passos Coelho
2 Comments:
O programa eleitoral do PSD propunha um plano nacional de benefícios. Uma espécie de pacote mínimo de saúde.
Um retrocesso social gravíssimo que levaria à divisão do país em dois: os do pacote mínimo e os que pudessem pagar ou ter acesso a um seguro de saúde.
Acontece que o PSD e Passos Coelho não conseguiram implementar as medidas mais gravosas da sua agenda ideológica.
A política de saúde de Passos Coelho, deste governo, Paulo Macedo incluído, limitou-se aos cortes a eito além da troika.
Fracasso na reforma hospitalar. Idem da rede de cuidados primários.
Afinal que medidas de reforma estrutural da Saúde foram implementadas por este governo?
A meu ver zero.
Por outro lado, facilitou-se velada e explicitamente a privatização do serviço público de saúde. Mantendo a ADSE e promovendo a transferência de maior volume de financiamento para o sector privado.
Quem defendeu o SNS neste período conturbado da nossa história foram os cidadãos utilizadores,os profissionais de saúde, OM, sindicatos, o povo português.
Nunca, em tempo algum, o pateta do nosso primeiro ministro.
A pose de ‘salvador’ adoptada por Passos Coelho, sebastiânica e paroquial, acoita-se num ‘messianismo redentor' que se apossou da cabeça do primeiro-ministro e contaminou o governo (embora estes problemas não sejam contagiosos, podem ser familiares).
Trata-se de um vasto delírio megalómano, de incontrolados contornos alucinatórios.
Segundo o entendimento deste ‘Messias de Massamá’, o espécime terá salvo não só o SNS mas, também, o País da bancarrota, a Economia da recessão, os postos de trabalho do espectro do desemprego, o Ensino Público da destruição, a Segurança Social do colapso, a Justiça do caos, etc…
Não é um caso único na nossa história. O destino destes exemplares terá sido bipolar: uns acabaram isolados, outros asilados.
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