Duas notas para frisar alguma informação que sendo pacífica está pouco difundida.
Em saúde são inúmeros os exames, actos e tratamentos (cuidados) que apresentam benefícios superiores ao seu custo, muitas vezes extremamente elevado, pelo que nenhuma sociedade tem ou terá algum dia recursos suficientes para os financiar a todos. Daí a necessidade de adoptar critérios que permitam extrair os maiores benefícios globais em saúde para os recursos disponíveis na sociedade em causa.
Se globalmente as decisões não merecem muita contestação, ao nível microeconómico, seja das especialidades, das doenças e dos doentes, ninguém parece perceber ou aceitar por que não há recursos para o tratamento daquele doente em particular.
As opiniões do próprio doente, ou familiar, estão naturalmente marcadas pelo interesse próximo, pela situação de dependência e pela subjectividade. Por outro lado as posições do médico, agente do doente, deverão ser apoiadas em informação adequada e fundamentada, técnica e socialmente.
Por isso cada sociedade deve decidir que tecnologias e cuidados financiar e deve fazê-lo transversalmente e de modo equitativo, sem discriminação de doentes e regiões. Tratando-se de um serviço público (SNS) a decisão terá ainda que obedecer aos requisitos de transparência, tornando pública a informação, fundamentando os motivos da decisão e permitindo que seja objecto de debate com os interessados e de intervenção dos reguladores.
Neste debate dois conceitos são importantes, a racionalização e o racionamento.
A racionalização tem em vista obter os maiores benefícios por euro gasto, sempre avaliando os custos e benefícios envolvidos. Nestes incluem-se os resultados em saúde, através por exemplo dos anos de vida ajustados pela qualidade, e também os benefícios da qualidade, clínica – eficácia dos actos, sua apropriação, grau de adesão a protocolos –, de tempo de espera e de aceitabilidade para o doente, como seja da satisfação com a relação e com as instalações.
O racionamento corresponde a negar ou limitar o acesso a cuidados de saúde.
O racionamento toma muitas formas, sendo porventura a mais radical o pagamento do preço, como quando o doente não tem qualquer tipo de cobertura. Num SNS o racionamento adopta as seguintes formas, vide artigo anexo: link
• Negar o financiamento, fixando um número limite de actos por ano ou excluindo outros, sejam eles estéticos ou de baixa eficácia clínica.
• Seleccionar os doentes, exigindo exames acrescidos ou requerendo critérios adicionais para acesso, como sejam, a idade, não ser fumador ou obeso.
• Diferir no tempo os cuidados através de listas de espera.
• Transferir o doente para outras instituições, como sejam sociais, ou sujeitar o doente ao pagamento dos actos e produtos necessários.
• Diluir o serviço prestado, reduzindo os recursos, assim afectando a qualidade e limitando o acesso aos cuidados. Assim, para reduzir o internamento cirúrgico bastará limitar o número de horas da consulta de cirurgia ou do bloco operatório.
Caso queiramos ir além do coro dos que se limitam a defender a todo o custo o status quo e a exigir o “tudo para todos já”, teremos de referir três pontos essenciais.
O primeiro é a necessidade de preservar, se possível ainda melhorar, a confiança do doente no médico e nas suas decisões, como seu agente orientado por uma óptica de saúde embora apoiada em informação que, como já se disse, se quer transparente, fundamentada e sujeita a regulação.
Depois devemos antecipar alguns efeitos indesejáveis ou porventura mesmo perversos. Pode acontecer que um determinado fornecedor explore a posição (exclusiva) ganha numa tecnologia seleccionada, como seja subir o preço ou aviltar a qualidade, ou que haja limitações quanto à inovação futura.
Finalmente haverá que garantir que a eficácia dos cuidados esteja suficientemente provada, o que pode estar ainda longe de acontecer, vide anexo. link
Assim, tudo isto assegurado, a abordagem deveria começar por análise custo-benefício às tecnologias e cuidados mais dispendiosos, dentro dos que provaram ser clinicamente eficazes. Esta análise deveria ser apoiada e validada por clínicos, representantes dos doentes e da população.
Esta abordagem pode ser concretizada através da criação de um organismo tipo NICE do NHS ou, talvez melhor, pela adopção dos critérios do NICE, adaptando-os à realidade portuguesa através de um grupo de peritos com a composição referida e dentro de acordo-quadro ao nível do SNS.
A Dias Alves
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